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Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1864 > Novembro > Variedades
Variedades
Vários jornais, segundo o Sémaphore, de Marselha, de 29 de setembro, apressaram-se em reproduzir o seguinte fato:
“Anteontem à noite, uma casa de Rua Paradis foi teatro de doloroso acontecimento. Um industrial que tem naquela rua uma casa de lâmpadas, matou-se, empregando para realizar a sua realização fatal uma forte dose de um dos mais enérgicos venenos.
“Eis em que circunstâncias realizou-se o suicídio:
“Há algum tempo, esse industrial dava sinais de certo desarranjo do cérebro, talvez particularmente produzido pelo abuso de licores fortes, mas sobretudo pela prática do Espiritismo, esse flagelo moderno que já fez tão numerosas vítimas nas grandes cidades e que agora ameaça exercer a sua devastação até nos campos. A despeito de sua boa clientela, que lhe assegurava um trabalho frutífero, X... não estava muito bem de negócios e às vezes se achava em dificuldades para efetuar seus pagamentos. Em consequência, seu humor era geralmente sombrio e seu caráter desagradável.”
O artigo constata que o indivíduo abusava de licores fortes e que seus negócios estavam em má situação, circunstâncias que muitas vezes ocasionaram acidentes cerebrais e levaram ao suicídio. Contudo, o autor do artigo só admite estas causas como possíveis ou acessórias, na circunstância de que se trata, ao passo que atribui o fato sobretudo à prática do Espiritismo.
A carta seguinte, que nos é escrita de Marselha, resolve a questão e ressalta a boa-fé do redator:
“Caro mestre,
“A Gazette du Midi e o Sémaphore de Marselha de 29 de setembro publicaram um artigo sobre o envenenamento voluntário de um industrial, atribuído à prática do Espiritismo. Tendo conhecido pessoalmente esse infeliz, que era da mesma loja maçônica que eu, sei de maneira positiva que ele jamais se ocupou de Espiritismo e que não tinha lido nenhuma publicação sobre essa matéria. Autorizo-vos a usar o meu nome, pois estou pronto a provar a verdade do que afirmo; se necessário, todos os meus irmãos e os melhores amigos do finado consideram um dever atestá-lo. Que aprouvesse a Deus tivesse ele conhecido e compreendido o Espiritismo, e teria encontrado a força de resistir às funestas inclinações que o conduziram àquele ato insensato.
“Recebei, etc.
“CHAVAUX,
Doutor em medicina, Rua du Petit-Saint-Jean, 24.”
“Anteontem à noite, uma casa de Rua Paradis foi teatro de doloroso acontecimento. Um industrial que tem naquela rua uma casa de lâmpadas, matou-se, empregando para realizar a sua realização fatal uma forte dose de um dos mais enérgicos venenos.
“Eis em que circunstâncias realizou-se o suicídio:
“Há algum tempo, esse industrial dava sinais de certo desarranjo do cérebro, talvez particularmente produzido pelo abuso de licores fortes, mas sobretudo pela prática do Espiritismo, esse flagelo moderno que já fez tão numerosas vítimas nas grandes cidades e que agora ameaça exercer a sua devastação até nos campos. A despeito de sua boa clientela, que lhe assegurava um trabalho frutífero, X... não estava muito bem de negócios e às vezes se achava em dificuldades para efetuar seus pagamentos. Em consequência, seu humor era geralmente sombrio e seu caráter desagradável.”
O artigo constata que o indivíduo abusava de licores fortes e que seus negócios estavam em má situação, circunstâncias que muitas vezes ocasionaram acidentes cerebrais e levaram ao suicídio. Contudo, o autor do artigo só admite estas causas como possíveis ou acessórias, na circunstância de que se trata, ao passo que atribui o fato sobretudo à prática do Espiritismo.
A carta seguinte, que nos é escrita de Marselha, resolve a questão e ressalta a boa-fé do redator:
“Caro mestre,
“A Gazette du Midi e o Sémaphore de Marselha de 29 de setembro publicaram um artigo sobre o envenenamento voluntário de um industrial, atribuído à prática do Espiritismo. Tendo conhecido pessoalmente esse infeliz, que era da mesma loja maçônica que eu, sei de maneira positiva que ele jamais se ocupou de Espiritismo e que não tinha lido nenhuma publicação sobre essa matéria. Autorizo-vos a usar o meu nome, pois estou pronto a provar a verdade do que afirmo; se necessário, todos os meus irmãos e os melhores amigos do finado consideram um dever atestá-lo. Que aprouvesse a Deus tivesse ele conhecido e compreendido o Espiritismo, e teria encontrado a força de resistir às funestas inclinações que o conduziram àquele ato insensato.
“Recebei, etc.
“CHAVAUX,
Doutor em medicina, Rua du Petit-Saint-Jean, 24.”
Escrevem-nos de Lyon, a 3 de outubro de 1864:
“Conheceis a reputação do capitão B... É um homem de uma fé ardente, de uma convicção comprovada. Dele já falastes em vossa Revista. Há algum tempo ele se achava nas margens do Saône, em companhia de um advogado, espírita como ele. Prolongando o passeio, aqueles senhores entraram num restaurante para almoçar e logo viram um outro passeante entrar no mesmo estabelecimento. O recém-chegado falava alto, comandava bruscamente e parecia querer atrair apenas para si o pessoal do restaurante. Vendo esse despreocupado, o capitão disse em voz alta algumas palavras um pouco severas ao recém-vindo. De repente foi tomado de estranha tristeza. O Sr. B... é médium auditivo; ele ouve distintamente a voz de seu filho, do qual recebe frequentes comunicações, murmurando ao seu ouvido: ‘O homem que vês tão brusco vai suicidar-se. Ele vem aqui fazer sua última refeição.’
“O capitão levanta-se precipitadamente, aproxima-se do perturbador e lhe pede perdão por ter externado tão alto o seu pensamento. Depois, arrastando-o para fora do estabelecimento, lhe disse: ‘Senhor, ides suicidar-vos.’ Grande admiração da parte do indivíduo, velhote de setenta e seis anos, que lhe respondeu: ‘Quem vos pôde revelar semelhante coisa?’ ‘Deus’ respondeu o Sr. B... Depois começou a lhe falar suavemente e com bondade sobre a imortalidade da alma e, reconduzindo-o a Lyon, conversou com ele sobre Espiritismo e tudo quanto em casos tais Deus pode inspirar para encorajar e consolar.
“O velho lhe contou sua história. Antigo ortopedista, tinha sido arruinado por um sócio infiel. Caindo doente, ficou muito tempo no hospital, mas, uma vez curado, sua saúde lançou-o no desemprego, sem nenhum recurso. Foi recolhido por uma operária pobre, criatura sublime que durante meses inteiros o alimentou sem ser obrigada senão pela piedade. Mas o receio de ser um incômodo o tinha impelido ao suicídio.
“O capitão foi ver a digna mulher, encorajou-a, ajudou-a. Mas quando se tem que viver o dinheiro vai depressa, e ontem o pobre mobiliário da operária teria sido vendido se alguns espíritas não tivessem resgatado os poucos móveis de seu único quarto, porque depois de um ano alimentando o velho, ela havia penhorado cobertores, cobertas, etc. Isto foi resgatado, graças aos bons corações tocados por esse generoso devotamento. Mas isto não é tudo. É preciso continuar até que o velho tenha conseguido um refúgio nas irmãzinhas dos pobres. A respeito, Cárita me fez escrever uma comunicação que vos remeto, com a expressão de todo o nosso reconhecimento, a vós, caro senhor, que nos tornastes espíritas. Quanto a mim, não esqueço que fui convidada a voltar convosco, quando voltardes.”
Eis a comunicação:
“Conheceis a reputação do capitão B... É um homem de uma fé ardente, de uma convicção comprovada. Dele já falastes em vossa Revista. Há algum tempo ele se achava nas margens do Saône, em companhia de um advogado, espírita como ele. Prolongando o passeio, aqueles senhores entraram num restaurante para almoçar e logo viram um outro passeante entrar no mesmo estabelecimento. O recém-chegado falava alto, comandava bruscamente e parecia querer atrair apenas para si o pessoal do restaurante. Vendo esse despreocupado, o capitão disse em voz alta algumas palavras um pouco severas ao recém-vindo. De repente foi tomado de estranha tristeza. O Sr. B... é médium auditivo; ele ouve distintamente a voz de seu filho, do qual recebe frequentes comunicações, murmurando ao seu ouvido: ‘O homem que vês tão brusco vai suicidar-se. Ele vem aqui fazer sua última refeição.’
“O capitão levanta-se precipitadamente, aproxima-se do perturbador e lhe pede perdão por ter externado tão alto o seu pensamento. Depois, arrastando-o para fora do estabelecimento, lhe disse: ‘Senhor, ides suicidar-vos.’ Grande admiração da parte do indivíduo, velhote de setenta e seis anos, que lhe respondeu: ‘Quem vos pôde revelar semelhante coisa?’ ‘Deus’ respondeu o Sr. B... Depois começou a lhe falar suavemente e com bondade sobre a imortalidade da alma e, reconduzindo-o a Lyon, conversou com ele sobre Espiritismo e tudo quanto em casos tais Deus pode inspirar para encorajar e consolar.
“O velho lhe contou sua história. Antigo ortopedista, tinha sido arruinado por um sócio infiel. Caindo doente, ficou muito tempo no hospital, mas, uma vez curado, sua saúde lançou-o no desemprego, sem nenhum recurso. Foi recolhido por uma operária pobre, criatura sublime que durante meses inteiros o alimentou sem ser obrigada senão pela piedade. Mas o receio de ser um incômodo o tinha impelido ao suicídio.
“O capitão foi ver a digna mulher, encorajou-a, ajudou-a. Mas quando se tem que viver o dinheiro vai depressa, e ontem o pobre mobiliário da operária teria sido vendido se alguns espíritas não tivessem resgatado os poucos móveis de seu único quarto, porque depois de um ano alimentando o velho, ela havia penhorado cobertores, cobertas, etc. Isto foi resgatado, graças aos bons corações tocados por esse generoso devotamento. Mas isto não é tudo. É preciso continuar até que o velho tenha conseguido um refúgio nas irmãzinhas dos pobres. A respeito, Cárita me fez escrever uma comunicação que vos remeto, com a expressão de todo o nosso reconhecimento, a vós, caro senhor, que nos tornastes espíritas. Quanto a mim, não esqueço que fui convidada a voltar convosco, quando voltardes.”
Eis a comunicação:
“O Espiritismo, esta estrela do Oriente, não somente vem abrir-vos as portas da Ciência. Ele faz mais que isto: é um amigo que vos aproxima uns aos outros, para vos ensinar o amor ao próximo e sobretudo a caridade, não essa esmola degradante que busca no bolso a menor moeda para lançar na mão do pobre, mas a doce mansuetude do Cristo, que conhecia o caminho onde se encontra o infortúnio oculto.
“Meus bons amigos, encontrei em meu caminho uma dessas misérias de que a história não fala, mas de que o coração se lembra quando foi testemunha das tão rudes provas. É uma pobre mulher; ela é mãe; ela tem um filho há muitos meses sem ocupação; além disso, ela sustenta uma infeliz, operária como ela. E, além disso, um velho vem diariamente encontrá-la à hora da comida, quando há o suficiente para comer. Mas no dia em que falta o necessário, as duas pobres mulheres, criaturas admiráveis por sua caridade, dão o seu repasto aos dois homens, o velho e o rapaz, pretextando que, estando com fome, comeram antes. Vi isto renovar-se muitas vezes. Vi o velho, num momento de desespero, vender a última roupa e querer, por insigne ato de loucura, dizer um último adeus à vida, antes de partir para o mundo invisível, onde Deus vos julga a todos.
“Vi a fome imprimir suas marcas nesses deserdados do bem-estar social, mas as mulheres oraram com fervor, e Deus as escutou. Ele já pôs irmãos, espíritas, sobre os seus passos, e quando a caridade chama, os corações devotados respondem. Já estão secas as lágrimas do desespero. Nada mais resta além da angustia do amanhã, o fantasma ameaçador do inverno com seu cortejo de granizo, de gelo e de neve. Eu vos estendo a mão em favor desse infortúnio. Os pobres, nossos amigos, são os enviados de Deus. Eles vêm dizer-vos: Nós sofremos; Deus o quer; é o nosso castigo e ao mesmo tempo um exemplo para a nossa melhora. Vendo-nos tão infelizes, vosso coração se enternece, vossos sentimentos se alargam, aprendeis a amar e a lamentar o infeliz. Socorrei-nos, a fim de que não murmuremos, e também para que Deus vos sorria do alto de seu belo paraíso.
“Eis o que diz o pobre em seus farrapos; eis o que repete o anjo da guarda que vos vela, e o que vos repito, simples mensageira da caridade, intermediária entre o Céu e vós.
“Sorride ao infortúnio, ó vós que sois ricamente dotados de todas as qualidades de coração. Ajudai-me em minha tarefa. Não deixeis fechar-se esse santuário de vossa alma onde mergulhou o olhar de Deus, e um dia, quando entrardes na vossa mãe-pátria, quando, com o olhar incerto e o passo inseguro, buscardes o vosso caminho através da imensidade, eu vos abrirei de par em par a porta do templo onde tudo é amor e caridade e vos direi: Entrai, meus amados. Eu vos conheço!
“CÁRITA”
“Meus bons amigos, encontrei em meu caminho uma dessas misérias de que a história não fala, mas de que o coração se lembra quando foi testemunha das tão rudes provas. É uma pobre mulher; ela é mãe; ela tem um filho há muitos meses sem ocupação; além disso, ela sustenta uma infeliz, operária como ela. E, além disso, um velho vem diariamente encontrá-la à hora da comida, quando há o suficiente para comer. Mas no dia em que falta o necessário, as duas pobres mulheres, criaturas admiráveis por sua caridade, dão o seu repasto aos dois homens, o velho e o rapaz, pretextando que, estando com fome, comeram antes. Vi isto renovar-se muitas vezes. Vi o velho, num momento de desespero, vender a última roupa e querer, por insigne ato de loucura, dizer um último adeus à vida, antes de partir para o mundo invisível, onde Deus vos julga a todos.
“Vi a fome imprimir suas marcas nesses deserdados do bem-estar social, mas as mulheres oraram com fervor, e Deus as escutou. Ele já pôs irmãos, espíritas, sobre os seus passos, e quando a caridade chama, os corações devotados respondem. Já estão secas as lágrimas do desespero. Nada mais resta além da angustia do amanhã, o fantasma ameaçador do inverno com seu cortejo de granizo, de gelo e de neve. Eu vos estendo a mão em favor desse infortúnio. Os pobres, nossos amigos, são os enviados de Deus. Eles vêm dizer-vos: Nós sofremos; Deus o quer; é o nosso castigo e ao mesmo tempo um exemplo para a nossa melhora. Vendo-nos tão infelizes, vosso coração se enternece, vossos sentimentos se alargam, aprendeis a amar e a lamentar o infeliz. Socorrei-nos, a fim de que não murmuremos, e também para que Deus vos sorria do alto de seu belo paraíso.
“Eis o que diz o pobre em seus farrapos; eis o que repete o anjo da guarda que vos vela, e o que vos repito, simples mensageira da caridade, intermediária entre o Céu e vós.
“Sorride ao infortúnio, ó vós que sois ricamente dotados de todas as qualidades de coração. Ajudai-me em minha tarefa. Não deixeis fechar-se esse santuário de vossa alma onde mergulhou o olhar de Deus, e um dia, quando entrardes na vossa mãe-pátria, quando, com o olhar incerto e o passo inseguro, buscardes o vosso caminho através da imensidade, eu vos abrirei de par em par a porta do templo onde tudo é amor e caridade e vos direi: Entrai, meus amados. Eu vos conheço!
“CÁRITA”
A quem fariam crer seja esta a linguagem do diabo? Foi a voz do diabo que se fez ouvir ao ouvido do capitão, sob o nome de seu filho, para adverti-lo que o velho ia suicidar-se e, ao mesmo tempo, para lhe inculcar o arrependimento por ter dito palavras que poderiam magoá-lo? Segundo a doutrina que um partido busca fazer prevalecer, conforme a qual só o diabo se comunica, esse capitão deveria ter repelido como satânica a voz que lhe falava; disso teria resultado que o velho ter-seia suicidado; que o mobiliário das pobres operárias teria sido vendido e que elas talvez tivessem morrido de fome.
Entre os donativos que para elas recebemos, há um que devemos mencionar, sem nomear o autor. Ele estava acompanhado da carta seguinte:
“Senhor Allan Kardec,
“Eu soube por intermédio de um meu parente que obteve de vós o relato da bela ação verdadeiramente cristã levada a efeito por uma pobre operária de Lyon em benefício de um velho infeliz. Esse parente mostrou-me um apelo muito eloquente em favor do velho, por um Espírito que se dá o suave nome de Cárita. À sua pergunta se nele eu reconhecia a linguagem do demônio, respondi que os nossos melhores santos não falam melhor. É minha opinião. Por isso tomei a liberdade de lhe pedir uma cópia. Senhor, sou um pobre padre, mas vos envio o óbolo da viúva, em nome de Jesus Cristo, para essa brava e digna mulher. Inclusa achareis a módica soma de cinco francos, lamentando não poder dar mais. Peço o favor de não mencionar meu nome.
“Dignai-vos aceitar, etc.
“PADRE X...”
Entre os donativos que para elas recebemos, há um que devemos mencionar, sem nomear o autor. Ele estava acompanhado da carta seguinte:
“Senhor Allan Kardec,
“Eu soube por intermédio de um meu parente que obteve de vós o relato da bela ação verdadeiramente cristã levada a efeito por uma pobre operária de Lyon em benefício de um velho infeliz. Esse parente mostrou-me um apelo muito eloquente em favor do velho, por um Espírito que se dá o suave nome de Cárita. À sua pergunta se nele eu reconhecia a linguagem do demônio, respondi que os nossos melhores santos não falam melhor. É minha opinião. Por isso tomei a liberdade de lhe pedir uma cópia. Senhor, sou um pobre padre, mas vos envio o óbolo da viúva, em nome de Jesus Cristo, para essa brava e digna mulher. Inclusa achareis a módica soma de cinco francos, lamentando não poder dar mais. Peço o favor de não mencionar meu nome.
“Dignai-vos aceitar, etc.
“PADRE X...”