Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1864

Allan Kardec

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Dezembro

A propósito da comemoração dos mortos

A Sociedade Espírita de Paris reuniu-se especialmente, pela primeira vez, a 2 de novembro de 1864, visando oferecer uma piedosa lembrança a seus falecidos colegas e irmãos espíritas. Naquela ocasião o Sr. Allan Kardec desenvolveu o princípio da comunhão de pensamentos, no discurso seguinte:

Caros irmãos e irmãs espíritas,

Estamos reunidos, neste dia consagrado pela tradição à comemoração dos mortos, para dar àqueles dos nossos irmãos que deixaram a Terra, um testemunho particular de simpatia, para dar continuidade às relações de afeição e de fraternidade que existiam entre eles e nós enquanto eles estavam vivos, e para chamar para eles a bondade do Todo-Poderoso. Mas, por que nos reunirmos? Por que nos desviarmos de nossas ocupações? Não pode cada um fazer em particular aquilo que nos propomos fazer em comum? Não o faz cada um de nós pelos seus? Não se pode fazê-lo todos os dias e a cada hora do dia? Então, que utilidade pode haver em reunir-se num dia determinado? É sobre este ponto, senhores, que me proponho apresentar-vos algumas considerações.

A disposição com que a ideia desta reunião foi acolhida é a primeira resposta a essas diversas questões. Ela é o indício da necessidade que experimentamos ao nos acharmos juntos numa comunhão de pensamentos.

Comunhão de pensamentos! Compreendemos bem todo o alcance desta expressão? É permitido duvidar disto, pelo menos por parte da maioria. O Espiritismo, que nos ensina tantas coisas pelas leis que revela, vem ainda explicar a causa, os efeitos e a força dessa situação de espírito.

Comunhão de pensamento quer dizer pensamento comum, unidade de intenção, de vontade, de desejo, de aspiração. Ninguém pode desconhecer que o pensamento é uma força. É, porém, uma força puramente moral e abstrata? Não, pois do contrário não se explicariam certos efeitos do pensamento e, ainda menos, da comunhão de pensamentos. Para compreendê-lo é preciso conhecer as propriedades e a ação dos elementos que constituem nossa essência espiritual, e é o Espiritismo que no-las ensina.

O pensamento é o atributo característico do ser espiritual. É ele que distingue o espírito da matéria. Sem o pensamento, o espírito não seria espírito. A vontade não é um atributo especial do espírito; é o pensamento chegado a um certo grau de energia; é o pensamento transformado em força motriz. É pela vontade que o espírito imprime aos membros e ao corpo movimentos num determinado sentido.

Mas, se ele tem a força de agir sobre os órgãos materiais, quanto maior não deve ser essa força sobre os elementos fluídicos que nos rodeiam! O pensamento age sobre os fluidos ambientes, como o som age sobre o ar; esses fluidos nos trazem o pensamento, como o ar nos traz o som. Pode-se dizer, portanto, com toda certeza, que há nesses fluidos ondas e raios de pensamentos que se cruzam sem se confundirem, como há no ar ondas e raios sonoros.

Uma assembleia é um foco de onde se irradiam pensamentos diversos; é como uma orquestra, um coro de pensamentos onde cada um produz a sua nota. Disso resulta grande quantidade de correntes e de eflúvios fluídicos dos quais cada um recebe a impressão pelo sentido espiritual, como num coro de música, cada um recebe a impressão dos sons pelo sentido da audição.

Entretanto, assim como há raios sonoros harmônicos ou discordantes, há também pensamentos harmônicos e discordantes. Se o conjunto for harmônico, a impressão será agradável; se ele for discordante, a impressão será penosa. Ora, para tanto, não é necessário que o pensamento seja formulado em palavras, porquanto a radiação fluídica não deixa de existir, quer seja ou não expressa. Se todos forem benevolentes, todos os assistentes experimentarão um verdadeiro bem-estar e sentirse-ão à vontade. No entanto, se ali se misturarem alguns maus pensamentos, eles produzirão o efeito de uma corrente de ar gelado num meio tépido.

Essa é a causa do sentimento de satisfação que se experimenta numa reunião simpática; aí reina algo como que uma atmosfera salubre, onde se respira à vontade; daí se sai reconfortado, porque aí nos impregnamos de eflúvios salutares. Assim também se explicam a ansiedade e o mal-estar indefinível que sentimos num meio antipático, onde pensamentos malévolos provocam, por assim dizer, correntes fluídicas malsãs.

A comunhão de pensamentos produz, pois, uma espécie de efeito físico que age sobre o moral. É isto que somente o Espiritismo poderia tornar compreensível. O homem o sente instintivamente, porquanto procura as reuniões onde sabe que vai encontrar essa comunhão. Nessas reuniões homogêneas e simpáticas, ele absorve novas forças morais. Poder-se-ia dizer que ele aí recupera as perdas fluídicas que ocorrem diariamente pela radiação do pensamento, assim como recupera pelos alimentos as perdas do corpo material.

Estas considerações, senhores e caros irmãos, parecem afastar-nos do objetivo principal de nossa reunião, contudo, elas para aqui nos conduzem diretamente. As reuniões que têm por objetivo a comemoração dos mortos repousam na comunhão de pensamentos. Para compreender a sua utilidade, era necessário bem definir a natureza e os efeitos dessa comunhão.

Para a explicação das coisas espirituais, por vezes me sirvo de comparações muito materiais, e talvez até mesmo um tanto forçadas, que nem sempre devem ser tomadas ao pé da letra. No entanto, é procedendo por analogia, do conhecido para o desconhecido, que chegamos a nos dar conta, pelo menos aproximadamente, do que escapa aos nossos sentidos. É a tais comparações que a Doutrina Espírita deve, em grande parte, ter sido facilmente compreendida, mesmo pelas mais vulgares inteligências, ao passo que se eu tivesse ficado nas abstrações da filosofia metafísica, ela seria partilhada, ainda hoje, apenas por algumas inteligências de escol. Ora, desde o princípio, importava que ela fosse aceita pelas massas, porque a opinião das massas exerce uma pressão que acaba fazendo lei e triunfando das oposições mais tenazes. Eis por que me esforcei em simplificá-la e torná-la clara, a fim de colocá-la ao alcance de todos, com o risco de fazê-la contestada por algumas pessoas quanto ao título de filosofia, porque ela não é suficientemente abstrata e porque ela saiu do nevoeiro da metafísica clássica.

Aos efeitos que acabo de descrever, no que concerne à comunhão de pensamentos, junta-se um outro, que é sua consequência natural, e que importa não perder de vista. É a força que adquire o pensamento ou a vontade, pelo conjunto dos pensamentos ou vontades reunidas. Sendo a vontade uma força ativa, essa força é multiplicada pelo número de vontades idênticas, como a força muscular é multiplicada pelo número de braços.

Estabelecido este ponto, concebe-se que nas relações que se estabelecem entre os homens e os Espíritos há, numa reunião onde reina perfeita comunhão de pensamentos, uma força atrativa ou repulsiva que nem sempre possui um indivíduo isolado. Se até o presente as reuniões muito numerosas são menos favoráveis, é pela dificuldade de obter uma perfeita homogeneidade de pensamentos, o que se deve à imperfeição da natureza humana na Terra. Quanto mais numerosas forem as reuniões, mais aí se mesclam elementos heterogêneos, que paralisam a ação dos bons elementos, e que são como grãos de areia numa engrenagem. Não é assim nos mundos mais avançados, e esse estado de coisas mudará na Terra, à medida que os homens aqui se tornarem melhores.

Para os espíritas, a comunhão de pensamentos tem um resultado ainda mais especial. Temos visto o efeito desta comunhão de homem a homem. O Espiritismo nos prova que ele não é menor dos homens aos Espíritos, e vice-versa. Com efeito, se o pensamento coletivo adquire força pela quantidade, um conjunto de pensamentos idênticos, tendo o bem por objetivo, terá mais força para neutralizar a ação dos maus Espíritos. Assim, vejamos que a tática destes últimos é levar à divisão e ao isolamento. Sozinho, um homem pode sucumbir, ao passo que se sua vontade for corroborada por outras vontades, ele poderá resistir, conforme o axioma: A união faz a força, axioma verdadeiro, tanto em termos morais quanto físicos.

Por outro lado, se a ação dos Espíritos malévolos pode ser paralisada por um pensamento comum, é evidente que a dos bons Espíritos será secundada, e sua influência salutar não encontrará obstáculos; seus eflúvios fluídicos, não sendo impedidos por correntes contrárias, espalhar-se-ão sobre todos os assistentes, precisamente porque todos os terão atraído pelo pensamento, não cada um em proveito pessoal, mas em proveito de todos, conforme a lei da caridade. Esses eflúvios descerão sobre eles em línguas de fogo, para nos servirmos de uma admirável imagem do Evangelho.

Assim, pela comunhão de pensamentos, os homens se assistem entre si, e ao mesmo tempo assistem os Espíritos e são por eles assistidos. As relações do mundo visível com o mundo invisível deixam de ser individuais e passam a ser coletivas, e por isto mesmo mais poderosas, para proveito das massas, bem como dos indivíduos. Numa palavra, ela estabelece a solidariedade, que é a base da fraternidade. Ninguém trabalha apenas para si, mas para todos, e trabalhando por todos, cada um aí encontra seu quinhão. É isto que não compreende o egoísmo.

Todas as reuniões religiosas, seja qual for o culto a que pertençam, são fundadas na comunhão de pensamentos; é aí, com efeito, que elas podem e devem exercer toda a sua força, porque o objetivo deve ser a libertação do pensamento das constrições da matéria. Infelizmente, a maioria se afasta deste princípio à medida que fizeram da religião uma questão de forma. Disto resultou que cada um fazendo seu dever consistir na realização da forma, se julga quites com Deus e com os homens, porquanto praticou uma fórmula. Disso resulta, ainda, que cada um vai aos lugares de reuniões religiosas com um pensamento pessoal, por conta própria, e, na maioria das vezes, sem nenhum sentimento de confraternidade em relação aos outros assistentes. Ele está isolado no meio da multidão e só pensa no Céu para si próprio.

Certamente não era assim que o entendia Jesus, quando disse: Quando muitos de vós estiverdes reunidos em meu nome, eu estarei em vosso meio. “Reunidos em meu nome” quer dizer: com um pensamento comum, mas não se pode estar reunido em nome de Jesus sem assimilar os seus princípios, a sua doutrina. Ora, qual é o princípio fundamental da doutrina de Jesus? A caridade em pensamentos, em palavras e em ações. Os egoístas e os orgulhosos mentem quando se dizem reunidos em nome de Jesus, porque Jesus não os conhece como seus discípulos.

Tocadas por esses abusos e desvios, algumas pessoas negam a utilidade das assembleias religiosas e, consequentemente, dos edifícios a elas consagrados. Em seu radicalismo, pensam que seria melhor construir hospícios do que templos, tendo em vista que o templo de Deus está em toda parte, e que Deus pode ser adorado em toda parte; que cada um pode orar em sua casa e a qualquer hora, ao passo que os pobres, os doentes e os enfermos necessitam de um lugar de refúgio.

Mas porque se cometem abusos, porque se afastam do reto caminho, segue-se que não existe o caminho reto e que tudo de que se abusa é mau? Certamente não. Falar assim é desconhecer a fonte e os benefícios da comunhão de pensamentos que deve ser a essência das assembleias religiosas; é ignorar as causas que a provocam. Que os materialistas professem semelhantes ideias, compreende-se, porque em todas as coisas eles fazem abstração da vida espiritual, mas da parte de espiritualistas, e mais ainda dos espíritas, seria um contrassenso.

O isolamento religioso, como o isolamento social, conduz ao egoísmo. Que alguns homens sejam bastante fortes por si mesmos, fartamente dotados pelo coração, para que sua fé e caridade não necessitem ser aquecidas num foco comum, é possível, mas não é assim com as massas, às quais falta um estimulante, sem o qual poderiam deixar-se tomar pela indiferença. Além disso, qual o homem que poderá dizer-se bastante esclarecido para nada ter que aprender no tocante aos seus interesses futuros e bastante perfeito para prescindir de conselhos para a vida presente? É ele sempre capaz de instruir-se por si mesmo? Não. À maioria faltam ensinamentos diretos em matéria de Religião e de Moral, como em matéria de Ciência.

Sem contradita, tais ensinos podem ser dados em toda parte, sob a abóbada do céu como sob o teto de um templo. Mas, por que os homens não haveriam de ter lugares especiais para as coisas celestes, como os têm para as terrenas? Por que não teriam assembleias religiosas, como têm assembleias políticas, científicas e industriais? Isto não impede as fundações em beneficio dos infelizes, mas nós dizemos, além disto, que quando os homens compreenderem melhor seus interesses do Céu, haverá aqui menos gente nos hospícios.

Falando de maneira geral e sem alusão a nenhum culto, se as assembleias religiosas muitas vezes se afastaram de seu objetivo primitivo principal, que é a comunhão fraterna do pensamento; se os ensinamentos que aí são dados nem sempre seguiram o movimento progressivo da Humanidade, é que os homens não realizam todos os progressos ao mesmo tempo. O que eles não fazem num período, fazem em outro. À medida que se esclarecem, eles veem as lacunas existentes em suas instituições, e as preenchem; eles compreendem que o que era bom numa época, em relação ao grau da civilização, torna-se insuficiente numa etapa mais adiantada, e restabelecem o nível. Sabemos que o Espiritismo é a grande alavanca do progresso em todas as coisas. Ele marca uma era de renovação. Saibamos, pois, esperar, e não peçamos a uma época mais do que ela pode dar. Como acontece com as plantas, é preciso que as ideias amadureçam para serem colhidos os frutos. Saibamos, além disso, fazer as necessárias concessões às épocas de transição, porque nada na Natureza se opera de maneira brusca e instantânea.

Pelo motivo que hoje nos reúne, senhores e caros irmãos, julguei oportuno aproveitar a circunstância para desenvolver o princípio da comunhão de pensamentos, do ponto de vista do Espiritismo. Sendo o nosso objetivo unirmo-nos em intenção para oferecer, em comum, um testemunho particular de simpatia aos nossos irmãos falecidos, poderia ser útil chamar nossa atenção para as vantagens da reunião. Graças ao Espiritismo, compreendemos a força e os efeitos do pensamento coletivo e podemos melhor explicar o sentimento de bem-estar que se experimenta num meio homogêneo e simpático, mas igualmente sabemos que o mesmo se dá com os Espíritos, porque eles sabem receber os eflúvios de todos os pensamentos benevolentes que para eles se elevam como uma nuvem de perfume. Os que são felizes experimentam uma alegria maior neste concerto harmonioso; os que sofrem sentem com isso um maior alívio. Cada um de nós, em particular, ora de preferência por aqueles que lhe interessam ou que ele mais estima. Façamos que aqui todos tenham sua parte nas preces que dirigimos a Deus.


Glória a Deus, soberano senhor de todas as coisas!

Senhor, nós vos pedimos espalheis vossa santa bênção sobre esta assembleia.

Nós vos glorificamos e vos agradecemos porque vos aprouve iluminar nosso caminho pela divina luz do Espiritismo.

Graças a essa luz, a dúvida e a incredulidade desapareceram do nosso espírito e também desaparecerão deste mundo; a vida futura é uma realidade, e nós caminhamos sem incertezas para o futuro que nos está reservado.

Nós sabemos de onde viemos, para onde vamos e por que estamos na Terra.

Conhecemos a causa de nossas misérias e compreendemos que tudo é sabedoria e justiça em vossas obras.

Sabemos que a morte do corpo não interrompe a vida do Espírito, mas que ela lhe abre a verdadeira vida; que ela não rompe nenhuma afeição sincera; que aqueles que nos são caros não estão perdidos para nós e que os encontraremos no mundo dos Espíritos. Nós sabemos que enquanto esperamos, eles estão junto de nós; eles nos veem e nos ouvem e podem continuar suas relações conosco.

Ajudai-nos, Senhor, a espalhar entre os nossos irmãos da Terra que ainda estão na ignorância, os benefícios desta santa crença, porque ela acalma todas as dores, consola os aflitos e lhes dá coragem, resignação e esperança nas maiores amarguras da vida.

Dignai-vos estender vossa misericórdia sobre os nossos irmãos mortos e sobre todos os Espíritos que se recomendam às nossas preces, seja qual for a crença que tenham tido na Terra.

Fazei que o nosso pensamento benevolente leve alívio, consolação e esperança aos que sofrem.

A seguir o Presidente dirige a seguinte alocução aos Espíritos:

Caros Espíritos de nossos antigos colegas Jobard, Sanson, Costeau, Hobach e Poudra,

Convidando-vos a esta reunião comemorativa, nosso objetivo não é apenas vos dar uma prova de nossa lembrança que, bem sabeis, é sempre cara à nossa memória; vimos, sobretudo, felicitar-vos pela posição que ocupais no mundo dos Espíritos e vos agradecer as excelentes instruções que de vez em quando nos vindes dar, desde a vossa partida.

A Sociedade se rejubila por vos saber felizes. Ela se sente honrada por vos haver contado entre os seus membros e de vos contar agora entre os seus conselheiros do mundo invisível.

Temos apreciado a sabedoria de vossas comunicações e nos sentiremos felizes todas as vezes que tiverdes a bondade de vir participar de nossos trabalhos.

A este testemunho de gratidão associamos todos os bons Espíritos que habitualmente ou eventualmente vêm trazer-nos o tributo de suas luzes: João Evangelista, Erasto, Lamennais, Georges, François-Nicolas-Madeleine, Santo Agostinho, Sonnet, Baluze, Vianney, cura d’Ars, Jean Raynaud, Delphine de Girardin, Mesmer, bem como aqueles que apenas tomam a qualificação de Espírito.

Devemos um tributo particular de reconhecimento ao nosso guia e presidente espiritual, que na Terra foi São Luís. Nós lhe agradecemos por ter tomado a nossa sociedade sob seu patrocínio e pelas provas evidentes de proteção que ele nos tem dado. Nós lhe rogamos, igualmente, que nos assista nesta circunstância.

Nosso pensamento se estende a todos os adeptos e apóstolos da nossa doutrina que deixaram a Terra, e especialmente aos que nos são pessoalmente conhecidos, a saber: N. N...

A todos aqueles a quem Deus permite venham ouvir-nos, dizemos:

Caros irmãos em crença que nos precedestes no mundo dos Espíritos, nós nos unimos em pensamento para vos dar um testemunho de simpatia e chamar sobre vós as bênçãos do Todo-Poderoso.

Nós lhe agradecemos a graça que ele vos concedeu de serdes esclarecidos pela luz da verdade antes de deixardes a Terra, porque essa luz vos guiou na vossa entrada na vida espiritual. A fé e a confiança em Deus que ela vos deu, vos preservou da perturbação e das angústias que seguem a separação daqueles a quem a dúvida e a incredulidade afligem.

Ela vos deu a coragem e a resignação nas provas da vida terrena; ela vos mostrou o objetivo e a necessidade do bem e as consequências inevitáveis do mal, e agora colheis os seus frutos.

Deixastes a Terra sem pesar, sabendo que íeis encontrar bens infinitamente mais preciosos do que aqueles que aqui deixáveis. Vós a deixastes com a firme certeza de reencontrar aqueles que foram objeto de vossa afeição, e de poder voltar, em Espírito, para sustentar e consolar os que deixáveis na Terra. Enfim, estais no mundo dos Espíritos, como num país que vos era conhecido por antecipação.

Estamos muito felizes por termos visto nossas crenças confirmadas por todos aqueles dentre vós que vieram comunicar-se. Nenhum veio dizer que tinha sido iludido em suas esperanças, e que nos iludíamos sobre o futuro, mas, ao contrário, todos disseram que o mundo invisível tinha esplendores indescritíveis, e que suas esperanças tinham sido ultrapassadas.

Cabe agora a vós, que gozais da felicidade de ter tido fé, e que recebeis a recompensa de vossa submissão à lei de Deus, vir em auxílio àqueles dentre vossos irmãos da Terra que ainda se encontram nas trevas. Sede os missionários do Espírito de Verdade, para o progresso da Humanidade e para o cumprimento dos desígnios do Altíssimo.

Nosso pensamento não é dirigido apenas aos nossos irmãos em Espiritismo, pois todos os homens são irmãos, seja qual for a sua crença.

Se fôssemos exclusivistas não seríamos espíritas nem cristãos. É por isto que envolvemos em nossas preces, em nossas exortações e em nossas felicitações, conforme o estado em que se achem, todos os Espíritos aos quais nossa assistência pode ser útil, tenham ou não partilhado, em vida, de nossas crenças.

O conhecimento do Espiritismo não é indispensável à felicidade futura, porque não tem o privilégio de fazer eleitos. É um meio de chegar mais facilmente e mais seguramente ao objetivo, pela fé racionada que ele dá e pela caridade que ele inspira. Ele ilumina o caminho, e o homem, não mais seguindo às cegas, marcha com mais segurança. Por ele, melhor se compreende o bem e o mal. Ele dá mais força para praticar um e evitar o outro. Para ser agradável a Deus, basta observar suas leis, isto é, praticar a caridade, que resume todas elas. Ora, a caridade pode ser praticada por todos. Despojar-se de todos os vícios e de todas as inclinações contrárias à caridade é, pois, condição essencial da salvação.

Após esta alocução, foram ditas preces especiais para cada categoria de Espíritos, com a designação nominal daqueles a quem eram dedicadas. Elas foram tiradas, em parte, da Imitação do Evangelho. A série de preces terminou pela Oração Dominical desenvolvida. (Vide a Revista de agosto de 1864.)

Em seguida os médiuns se puseram à disposição dos Espíritos que quiseram manifestar-se. Não foi feita nenhuma evocação particular.

Damos abaixo as principais comunicações recebidas:


I


Meus filhos, uma estreita comunhão liga os vivos aos mortos. A morte continua a obra esboçada e não rompe os laços do coração. Esta certeza enriquece o tesouro de amor derramado na Criação.

Os progressos humanos obtidos a preço de sacrifícios dolorosos e de hecatombes sangrentas aproximam o homem do Verbo Divino e lhe fazem soletrar a palavra sagrada que, caída dos lábios de Jesus, reanimou a Humanidade desfalecente. O amor é a lei do Espiritismo; ele dilata o coração e faz amar ativamente aqueles que desaparecem na vaga penumbra do túmulo.

O Espiritismo não é um som vão, caído dos lábios mortais e levados por um sopro. Ele é a fé poderosa e severa proclamada por Moisés no Monte Sinai, a fé afirmada pelos mártires, ébrios de esperança, a lei discutida pelos filósofos inquietos e que, enfim, os Espíritos vêm proclamar.

Espíritas! O grande nome de Jesus deve flutuar como uma bandeira acima de vossos ensinos. Antes que fôsseis, o Salvador levava a revelação em seu seio, e sua palavra, medida prudentemente, indicava cada uma das etapas que hoje percorreis. Os mistérios cairão ao profético sopro que vos abre as inteligências, como outrora as muralhas de Jericó.

Uni-vos pela intenção, como fazeis nesta reunião abençoada. A tépida eletricidade desprendida do coração vence a distância que nos separa e dissipa os vapores da dúvida, da personalidade, da indiferença, que muitas vezes obscurece a faculdade espiritual.

Amai e orai por vossas obras.

JOÃO EVANGELISTA

(Médium: Sra. Costel)


II

Meus bons amigos, vossas preces e vosso recolhimento atraíram para junto de vós numerosos Espíritos aos quais fizestes muito bem. Uma reunião como a vossa tem uma força de atração de tal modo eficaz que as vibrações de vosso pensamento comoveram todos os pontos do espaço. Uma multidão de irmãos vossos, pouco adiantados ou em sofrimento, seguiu os Espíritos superiores. Antes de vos ouvir, eles estavam sem fé; agora esperam e creem. Suas vozes, unidas à minha, de agora em diante saberão abençoar-vos. Eles vos sabem fortes ante as provações. Como vós, eles quererão merecer a vida eterna, a vida de Deus.

Não esquecestes ninguém, caro presidente. Por mim pessoalmente, estou orgulhoso pelo bom acolhimento que meu nome recebe entre os antigos condiscípulos. Sempre ouvi dizer que um curioso, escutando à porta, jamais ouviu o seu elogio; entretanto somos testemunhas invisíveis; nosso número é infinito; o que ouvimos, ao contrário da moda terrena, é o perdão, a prece, a benevolência; é a prática da caridade, a mais nobre das divisas.

Possa o vosso exemplo espalhar-se como um eco amado, a fim de que todos os Espíritos em sofrimento possam, em qualquer parte, ouvir palavras que poderão guiá-los para as verdades eternas!

Diz-se que Paris é uma cidade de barulho e esquecimento. Os místicos afirmam que é uma Babilônia moderna. Bem alto eu protesto, porque Paris é a cidade dos pensamentos laboriosos, das ideias fecundas e dos nobres sentimentos. É a cidade que irradia sobre o Universo; será sempre ela que ensinará os grandes princípios, as grandes abnegações e as sólidas virtudes.

Observai bem esta grande cidade neste dia em que cada um tem uma lágrima para seus caros ausentes. Ela pôs de lado sua vida múltipla para ir recolher-se nas necrópoles, e esse rio humano, silencioso, circunspecto, vai orar sobre os restos dos que lhe foram caros, e ante esse piedoso cortejo, o próprio incrédulo é tomado de respeito.

Diz-se que Paris não é espírita. Procurai uma cidade no Universo, onde o mais modesto túmulo seja mais venerado, mais florido. É que a cidade dos grandes nascimentos sente melhor as perdas dolorosas; ela chora verdadeiras lágrimas e não se importa com a aparência. Paris é, sem dúvida, uma cidade de prazeres para certas pessoas, mas é, também, a cidade do trabalho e do pensamento para o maior número. Ela não é fundamentalmente materialista. É ela que dá a luz espírita ao Universo e essa luz voltará para ela, aumentada e depurada. Todos os povos virão buscar entre vós as verdades do Espiritismo, muito preferíveis aos fúteis e vãos prazeres ou às exibições que nada deixam ao espírito.

Há no ar uma ideia racional aprovada por todas as pessoas progressistas. É a ideia de que todos deveriam saber ler. Nossa doutrina, por mais bela que seja, encontra um obstáculo na ignorância. Assim, o nosso dever, de todos nós espíritas, é diminuir o número de nossos irmãos ignorantes, a fim de que o Livro dos Espíritos não continue sendo letra morta para tantos párias. Trabalhar a fim de espalhar a instrução nas massas é abrir caminhos para o Espiritismo, ao mesmo tempo que é destruir o elemento do fanatismo; é diminuir outro tanto os arrastamentos da ignorância; é criar homens que viverão e morrerão bem.

Realizado esse grande ato de caridade, não terei mais a dor de ver voltarem, neste dia dos mortos, tantos Espíritos atrasados que pedem a reencarnação para saber, e para realizar a missão prometida às suas novas faculdades. E esses Espíritos, tornados inteligentes, poderão, por sua vez, ir a outros mundos ensinar e dar o pão da vida, o saber que torna digno de Deus.

Ao redor de vós, legiões de ignorantes vos imploram. São os vossos mortos. Não esqueçais o que eles pedem. Vossas preces lhes serão úteis, mas vossas ações são requisitadas para prestar-lhes um serviço mais essencial.

Adeus, irmãos.

Vosso devotado condiscípulo,

SANSON

(Médium: Sr. Leymarie)


III

Dia de felicidade para os Espíritos do Senhor, que se grupam para dirigir a Deus preces pelos Espíritos, porque esta santa comunhão de pensamentos se reproduz, também, nas regiões superiores! Oh! Sim, felizes os pobres deserdados que compreenderem o objetivo de nossas preces dirigidas para lhes apressar o progresso! Graças ao Espiritismo, muitos já entraram na via do arrependimento e puderam melhorar-se. É esta graça descida do Céu sobre a Terra que lhes abriu o coração aos pesares e lhes deu a esperança de vir um dia para junto de nós. Obrigado a vós todos, espíritas cristãos, por haverdes pedido a Deus e obtido que pudéssemos vir para dizer-vos: Coragem! Os Espíritos que vêm agradecer-vos por este bom pensamento o aproveitaram e hoje se sentem muito felizes.

Direi particularmente a meu bom amigo Canu: Ficai feliz em pensar que o vosso amigo Hobach é ele mesmo, e que aqui está cercado de Espíritos amigos e protetores que vêm, atraídos pela simpatia, elevar suas almas ao Criador, porque tudo vem dele e a ele deve voltar. Procuremos pois sempre as reuniões sinceras, a fim da tirar proveito dos ensinamentos que aí são dados, e que os invisíveis e os encarnados possam progredir para o infinito, isto é, para o ser supremo que nos criou para o bem e para a marcha progressiva de suas obras. Sim, mil vezes obrigado, pois leio em todos os corações os sentimentos daqueles que nos amaram particularmente; mas, também, que aqueles que choram enxuguem suas lágrimas, porque eles virão encontrar-nos num mundo melhor, onde a lei de justiça reina soberana, porque lá ela emana de Deus.

HOBACH

(Médium: Sra. Patet)


IV

Amigos e irmãos em Espiritismo, estais hoje reunidos para dirigir ao Senhor votos e preces por Espíritos que vos são caros e que aqui cumpriram a sua missão. Muitos dentre eles, meus caros amigos, realizaram essa tarefa dignamente e receberam a recompensa de seu trabalho nessa vida de expiação e de miséria. Oh! meus caros espíritas! Esses velam por vós; eles vos protegem e hoje participam dos vossos votos e das súplicas que dirigis ao nosso Pai comum. Na maioria estão entre vós, felizes por verem o recolhimento em que estais neste momento solene.

Mas é sobretudo para os Espíritos que não compreenderam sua missão neste mundo de passagem que devem elevar-se os vossos pensamentos e as vossas preces. Oh! Esses necessitam que corações amigos, que almas compassivas lhes deem uma lembrança, uma prece, mas uma prece sincera, uma prece que suba ao trono do Eterno! Ah! Quantos desses Espíritos são abandonados, esquecidos, mesmo por aqueles que deveriam neles mais pensar, por parentes por vezes muito próximos! É que esses, meus amigos, não são espíritas; é que eles não conhecem o efeito que sobre o Espírito pode produzir a ação das preces. Não, eles não conhecem a caridade; eles não acreditam numa outra existência depois desta; eles creem que a morte nada deixa depois dela.

Quantos, nestes dias de luto, com o coração frio e seco, vão aos túmulos dos que conheceram! Eles lá vão, mas por hábito, por conveniência; sua alma não sente nenhuma esperança; eles nem mesmo imaginam que essas almas para as quais eles vêm render uma homenagem lá estão, perto deles, e deles esperando uma prece vinda do coração.

Oh! Meus amigos, fazei vós, por vossas preces, o que não fazem os vossos irmãos.

Eles não veem na morte senão os despojos, o corpo, e esquecem que a alma vive para sempre. Orai, porque vossas preces serão ouvidas pelo Altíssimo.

Um Espírito que pede também uma participação em vossas preces,

LALOUZE

(Médium: Sra. Lampérière)


V


Caros amigos, quantas ações de graças não vos devemos em troca de vossas boas e generosas preces!

Oh! sim. Somos reconhecidos por tanto devotamento, tanta caridade. Em tempo algum preces tão calorosas, tão fervorosas, foram escutadas e levadas sobre as asas brancas dos Espíritos puros ao trono divino. Em tempo algum os homens compreenderam melhor a utilidade da prece em comum, cuja força moral pesa sobre os Espíritos imperfeitos que vêm, cada vez que vos reunis, haurir em vosso ambiente generoso e fraternal, porque aqui não há distinção; os pequenos, os deserdados da Terra são recebidos por vós como os grandes, como os príncipes; orais pelo pobre, como pelo rico. Oh! fraternidade divina, cresce, cresce continuamente, até que atinjas o sublime Regenerador, que te envia para conduzir os homens no caminho reto do qual se haviam afastado há tantos séculos!

Batei e abrir-se-vos-á, dizia Jesus; pedi e dar-se-vos-á. Sim, batei sobre as vossas paixões, e o raio da caridade divina inundará vossa alma. Pedi a fé e ela virá para vós. Pedi a paciência e ela vos será concedida. Numa palavra, pedi todas as virtudes necessárias para vos despojardes do homem velho que deve desaparecer para sempre e dar lugar ao homem de bem.

Sou um Espírito para vós desconhecido, e tomei esta mão graças à caridade de São José.

(Médium: Sr. Lampérière)


VI

Minha mui querida esposa, eu vi teus suspiros e tuas lágrimas. Sempre chorar! Também vi tuas preces. Deixa-me que as agradeça. Vamos, cara amiga, consola-te. Vês, tu perturbas a minha felicidade. Consola-te, pois, porque és mais feliz que muitas outras: tu tens irmãos que te amam, que ficam felizes por ver-te entre eles. Vê, minha filha, quanto és abençoada entre todas.

Só vos tenho que louvar, meus irmãos, pela boa acolhida que em toda parte é feita à minha esposa. Agradeço-vos por tudo o que fazeis por ela... e ainda que me fazeis a bondade de chamar-me hoje!... Fui dos primeiros a sustentar e propagar com toda a minha força esta santa doutrina. Ah! Se eu tivesse sabido o que sei e vejo agora! Crede, crede, é tudo o que vos posso dizer. Fazei tudo para ensiná-la e para atrair a vós os corações. Nada é mais belo, nada é tão verdadeiro quanto o que ensinam os vossos livros.

COSTEAU

(Médium: Srta. Béguet)



VII

Obrigada a todos, bem-amados irmãos, por vossa boa lembrança e vossas boas preces. Obrigada a vós, caro presidente, pela feliz iniciativa tomada, fazendo orar por todos, numa mesma comunhão de ideias e pensamentos. Sim, estamos todos aqui; ouvimos, felizes, vossas preces sinceras dirigidas ao Pai de misericórdia em favor de cada um de nós. Sim, estamos felizes porque a prece feita com sinceridade sobe a Deus e dele recebemos a força necessária para combater as más influências que os Espíritos levianos tentam fazer sentirem aqueles que trabalham na obra santa. Essas preces foram para nós como um apelo solene, e nós nos achamos todos reunidos ao vosso lado. De longe como de perto, acorremos a esse feliz apelo. É desejável que vosso exemplo seja seguido por todos os centros sérios, porque essas preces, feitas com tanto mais sinceridade e desinteresse, sobem a Deus como santos eflúvios e jorram sobre cada um de nós. Obrigada, portanto, ainda uma vez, meus bons amigos, e posto que meu nome não tenha sido pronunciado, vedes que aqui estou. Isto vos deve provar que somos felizes e numerosos.

A mãe de um membro honorário de vossa Sociedade,

AIMÉE BRÉDARD, de Bordéus

(Médium: Sra. Delanne)


VIII

Meus bons amigos, eu teria preferido, após as preces que acabais de ouvir, e às quais vos associastes de todo coração, eu teria preferido, ia dizendo, ver cada um se retirar no piedoso silêncio que a prece vos deixa no coração. Elevastes vossas almas para Deus, por todos aqueles que partiram da Terra; lançastes suaves lembranças ao passado e, neste momento, não vos sentis mais fortes? Não sentistes, há pouco, enquanto vossas almas subiam ao Céu, num impulso comum, o quente hálito de outras almas misturando suas preces às vossas? Não vos impregnastes delas? Por que não vos recolherdes nesse perfume silencioso do além-túmulo, em vez de pedirnos vozes? Viver com esses doces pensamentos decorrentes dos eflúvios sagrados da prece não é felicidade bastante?

No entanto, eu compreendo que não vos basta essa linguagem muda. Os zéfiros tépidos não são suficientes para o coração amoroso que pede aos ecos uma voz que responda à sua voz. Eu vos perdoo esse desejo, que é bem justo. Por que não poderia cada um de vós haurir um segundo do benefício que lhe concede sua nova fé; de comunicar-se com os que lhe são caros, por intermédio dos médiuns?

Mas, como vossa assembleia é numerosa em relação à pequena quantidade de mãos que podem escrever! Quais de vossos amigos poderão dizer-se quem são os felizes dentre vós que escutarão suas vozes? Vejo um número de Espíritos muito mais considerável do que o número de encarnados aqui presentes. Eles se comprimem em volta de cada um dos nossos intermediários: Georges, Sanson, Costeau, Jobard, Dauban, Paul, Émile, e cem outros cujos nomes não vos posso dizer, aqui estão e gostariam de falar convosco. Eu detenho seus impulsos e a todos digo que eu serei o intérprete entre eles e vós. Eles o querem muito, e vós, caros amigos, desejais também? Eu tratarei de ser seus pais para uns e suas mães para outros; para estes um filho, uma filha, um esposo, uma esposa, e para todos um amigo, um irmão que vos ama e que gostaria que vossos corações, reunidos num só coração, formem um só pensamento, uma só alma respondendo a esta comunicação de espírito concentrada em meu pensamento e em minha alma.

Ah! Vossos caros mortos não esperaram este dia para virem a cada um de vós. Em todos os momentos não os sentis acercando-se de vós e vos dando, por essa voz que chamais consciência, os segredos castos e divinos do dever? Não os sentis aproximarem-se muito em vossas horas de tristeza e de desfalecimento? Eles vos dizem: Coragem! E sobretudo a vós, espíritas, eles vos mostram o céu e as inumeráveis estrelas que rolam sobre o seu azul, em sinal de aliança entre o Senhor e vós.

Não, meus caros amigos, eles não vos deixam pelo pensamento. A ti, mãe, tua filha vem dizer: Eu parti primeiro, como se destaca do tronco vigoroso o galho quebrado pela tempestade, mas vivo ainda de tua seiva e de teu amor na imensidade, e neste rosário de pérolas que a minha alma carrega, não há algumas esmeraldas que me vieram de ti?

Pai, ouço teu filho dizer: Parti para voltar a ajudar-te, em tuas preces, a melhor amar a Deus. Parti porque tua fronte não se inclinava diante do grande dispensador de todas as coisas; ele quis que te lembrasses dele, fazendo-te ouvir as modulações de além-túmulo pela voz de teu filho.

Irmão, ouço teu irmão falar-te das vossas brincadeiras de outrora, de vossas lutas, de vossas alegrias, de vossos sofrimentos. Eu parti para o além antes de ti, diz ele, mas não estou morto. Eu te preparei o caminho: nele se encontra mais glória do que na Terra. Lança fora teu manto de púrpura e veste o burel para fazer a viagem, pois o Senhor ama a pobreza mais do que a riqueza.

Eu escuto suaves suspiros responderem aos vossos suspiros; os do amante responderem à amante; os do esposo à esposa. Bela harmonia!

Rejubilai-vos, pois! Quantas lágrimas felizes! Quantos tocantes impulsos! Esposas, senti vossas mãos pressionadas pelas mãos invisíveis de vossos esposos. A esta hora, eles vêm renovar a promessa de vos amarem para sempre; eles vêm dizervos o que eu mesmo vos disse: que a morte não rompe os laços do coração e que as uniões continuam no além-túmulo.

Como eu gostaria de nomear todos esses mortos queridos, mas não posso. Escutai vós mesmos as suas vozes. Cada um de vós as reconhecerá no concerto sagrado que sobe ao Céu. Elas cantam juntas um canto de ação de graças ao Senhor.

SANTO AGOSTINHO

(Médium: Sr. E. Vézy)


IX

Não podendo o meu médium prestar o seu concurso a todos os Espíritos, venho em substituição a um Espírito que talvez tivesse desejado comunicar-se. Mas, aqui mesmo não estando deslocada a instrução, nesta reunião especialmente dedicada aos ausentes, quero dar-vos alguns conselhos sobre a maneira de proceder para obter respostas realmente emanadas dos Espíritos chamados.

Há aqui muitos médiuns e muitos Espíritos desejosos de se comunicar, entretanto, poucos poderão fazê-lo, porque não terão tido tempo de estabelecer a comunicação fluídica com eles. A identidade das comunicações é coisa difícil de estabelecer, e raramente podeis estar perfeitamente seguros dessa identidade. Contudo, se quisésseis ajudar um pouco os Espíritos, preparando-vos previamente para as evocações, mais frequentemente haveria real identidade. Os fluidos devem ser sempre similares, pois sem essa similitude não há comunicação possível. Mas vós, médiuns, possuís muitos fluidos diversificados, e dentre eles alguns poderiam ser utilizados pelos Espíritos, se lhes fosse dado tempo para influenciá-los.

Geralmente chama-se este ou aquele à queima-roupa, sem tê-lo chamado pelo pensamento, sem lhe haver oferecido o seu aparelho fluídico, sem lhe haver deixado tempo de prepará-lo para soar em uníssono com seus próprios pensamentos. Assim agindo, credes agir corretamente? Não, porque eles são obrigados a utilizar a intermediação dos vossos Espíritos familiares, e naturalmente não podeis reconhecêlos de maneira tão positiva, e sois reduzidos a constatar apenas pensamentos frequentemente muito diferentes dos que eles tinham em vida, sem terdes qualquer particularidade que vos revele sua identidade. Crede-me, quando quiserdes evocar, pensai algum tempo antes naqueles que desejais chamar, e assim lhes oferecereis meios muito melhores de pessoalmente se comunicarem.

Falo em nome de todos aqueles que são familiares e amigos do meu médium, e venho agradecer ao Presidente as palavras plenas de energia que pronunciou para todos. Certamente é prazeroso unir-se a tantos desejos e vontades benevolentes, e nós todos, Espíritos dispostos ao bem e Espíritos instrutores, consideramos um dever cumprir missões que nos são confiadas por ele e por todos os corações espíritas. (Vide adiante a OBSERVAÇÃO acerca do artigo Comunicação espírita – A propósito da Imitação do Evangelho).

UM ESPÍRITO

(Médium: Srta. A. C.)


NOTÁVEL EXEMPLO DE CONCORDÂNCIA

Uma sonâmbula médium, que pretende ser adormecida pelo Espírito do Sr. Jobard, dizia ter recebido dele uma comunicação dirigida a um outro médium, ao qual aconselhava cobrar as consultas dos ricos e dá-las gratuitamente aos pobres e aos operários. O Espírito lhe traçava o emprego do seu dia, sem poupar elogios a suas eminentes faculdades e a sua alta missão. Tendo uma pessoa levantado dúvidas sobre a autenticidade dessa comunicação, e sabendo que o Espírito do Sr. Jobard se manifesta frequentemente na Sociedade, pediu-nos que a submetêssemos a um exame crítico.

Para mais segurança, dirigimos imediatamente estas simples palavras a seis médiuns: “Tende a bondade de perguntar ao Espírito do Sr. Jobard se ele ditou à Sra. X..., em sonambulismo magnético, uma comunicação para outro médium, que ele aconselha a explorar a sua faculdade. Eu teria necessidade dessa resposta para amanhã.” Tivemos o cuidado de não preveni-los desta espécie de concurso, de sorte que cada um se julgou o único chamado a resolver a questão.

Contamos com a elevação do Espírito do Sr. Jobard para se prestar à circunstância, e não se ofender ou se impacientar com essa pergunta, que lhe devia ser dirigida quase simultaneamente em seis pontos diferentes.

No dia seguinte recebemos as respostas abaixo, às quais fazemos acompanhar algumas reflexões.


(20 DE OUTUBRO DE 1864 ─ MÉDIUM: SR. LEYMARIE)

Mas quê, meus caros amigos, então o meu nome serve de plastrão a toda espécie de gente! Há muito tempo estou habituado a esses plagiários sem-vergonha, que me fazem, de vez em quando, mudar de cor como camaleão; tomam-me por um papalvo[1]. Entretanto, minha vida passada, meus trabalhos e as numerosas provas de identidade dadas à Sociedade Espírita de Paris não permitem enganos quanto aos meus sentimentos. Eu era, como simples encarnado, tal qual sou no estado de Espírito livre, e minha missão junto a todos vós, amigos, é de devotamento, e sobretudo de desinteresse.

O Espiritismo é uma ciência positiva. Os fatos sobre os quais ele repousa ainda não estão completos, mas tende paciência, vós que sabeis esperar, e esta ciência, que nada inventou, porque ela é uma força da Natureza, provará aos menos clarividentes que seu objetivo inteiramente moral é a regeneração da Humanidade, e que fora de todas as ciências especulativas, seu ensino é o contrário do materialismo, que procede por hipótese. Proceder com análise; estabelecer fatos para remontar às causas; proclamar o elemento espiritual, depois da constatação, tal é a sua maneira clara e sem subterfúgios. É a linha reta, aquela que deve ser o guia de todo espírita convicto.

Eu separo, portanto, o joio do bom trigo e rejeito todos os interesses mesquinhos, os devotamentos pela metade, os compromissos malsãos, que são a chaga de nossa fé.

Desde que vos dizeis espíritas, tenho o direito de vos perguntar o que sois, o que quereis ser. Pois bem! Se tendes fé, sois, antes de tudo, caridosos. Aos vossos olhos, todos os encarnados sofrem uma provação; como espectadores, assistis a muitos desfalecimentos, e nesse rude combate da vida, no qual os vossos irmãos buscam a luz, vosso dever, de privilegiados que vistes e sabeis, é dar generosamente o que, também generosamente, Deus vos concedeu.

Médiuns, vós não deveis orgulhar-vos, porque a mão que dispensa pode afastar-se de vós. Quando, por vosso intermédio, um Espírito vem consolar, encorajar, ensinar, deveis ficar felizes e agradecer a Deus, que vos permite ser a boa fonte, onde aqueles que têm sede vêm saciar-se. Essa água, no entanto, não vos pertence. Ela é a provisão de todo mundo. Não podeis vendê-la nem cedê-la, porque seu domínio não é deste mundo. Quereríeis que vos expulsassem como vendedores do templo?

Ricos ou pobres, acorrei e pedi. Cada um de vós tem seu sofrimento secreto; os andrajos de um tornar-se-ão a púrpura de outro em outra vida, e é por isto que a mediunidade não é a usura. Todos os encarnados são iguais perante ela.

Olhai em torno de vós. São ricos, são pobres os que fazem profissão do dom providencial? Eles vendem a ciência dos Espíritos, e o óbolo que recolhem é a gangrena do seu espiritualismo. Eles fizeram bem em dizer espiritualismo, porque os espíritas reprovam, bem sabeis, toda venda moral. A venalidade não é o seu caso. Repelimos do nosso seio todas essas escórias vergonhosas, que fazem rir os assistentes introduzidos em sua loja.

Quanto a mim, caro mestre, responderei àqueles ou àquelas que querem comerciar com o meu nome que, por mais paspalhão que eu pudesse ser, jamais o seria bastante para apor minha assinatura em títulos falsificados sacados contra o vosso devotado

JOBARD

(MÉDIUM: SRA. COSTEL)


Venho reclamar e protestar contra o abuso que fazem de meu nome. Os pobres de espírito ─ e há muitos desses entre os Espíritos ─ têm o feio hábito de apoderarse de nomes que lhe servem de passaporte junto a médiuns orgulhosos e crédulos.

Certamente eu teria dificuldade em defender a nobreza de meu pobre nome, sinônimo de ingênuo. Contudo, espero tê-lo colocado bem alto no julgamento dos que me conheceram para temer ter-me tornado solidário com as trivialidades debitadas à minha assinatura. É, pois, apenas por temor à verdade que eu afirmo não ter adormecido nenhuma sonâmbula, nem exaltado nenhum médium. Comunico-me muito raramente, pois tenho muita coisa que aprender para servir de guia e instrutor dos outros.

Em princípio, reprovo a exploração da mediunidade, pela simples razão que o médium, não gozando de sua faculdade senão de maneira intermitente e incerta, jamais pode algo prejulgar ou fundar sobre ela. Assim, as pessoas pobres erram ao abandonar sua profissão para exercerem a mediunidade no sentido lucrativo do vocábulo. Sei que muitas entre elas dissimulam sob o título de missão o abandono do lar, desertado por orgulhosas satisfações, e pela importância efêmera que lhes concede a curiosidade mundana. Espero que esses médiuns se enganem de boa-fé, mas, enfim, enganam-se. A mediunidade é um dom sagrado e íntimo, que não pode ter consultório aberto. Os médiuns muito pobres para se consagrarem ao exercício de sua faculdade devem subordiná-la ao trabalho que lhes permite viver. Com isto, o Espiritismo nada perderá, ao contrário, e a dignidade deles muito ganhará.

Não quero desencorajar ninguém, nem condenar aqueles que agem de boavontade, mas é fundamental que nossa cara doutrina seja mantida ao abrigo de toda acusação malsã. A mulher de César não deve ser objeto de suspeita, tampouco os espíritas.

Eis o que se diz, e desejo que não fique o menor equívoco quanto às palavras do vosso amigo

JOBARD

(MÉDIUM: SR. RUL.)


Como poderiam crer que aquele que em todas as suas comunicações recomendou a caridade e o desinteresse, hoje viria contradizer-se?

É uma provação para a sonâmbula, e eu a aconselho a não se deixar seduzir pelos maus Espíritos que querem, por essa pequena especulação de além-túmulo, lançar o desfavor sobre os médiuns em geral, e em particular sobre este, de que se trata. Penso que não preciso fazer de novo minha profissão de fé. Não é àquele que, encarnado e tantas vezes roubado, sempre teve como regra de conduta a direitura e a lealdade, que se podem atribuir semelhantes comunicações! Ele ficaria feliz se, à maneira do que se faz com certas mercadorias da Terra, se pudessem afixar sobre as comunicações de além-túmulo o selo que atestaria a identidade do autor.

Ainda não estais suficientemente adiantados para isso, mas, na falta do selo, servi-vos de vossa razão. Ela não vos pode enganar, e eu desafio a todos os Espíritos, por mais numerosos que sejam, a me fazerem passar, aos olhos dos meus antigos colegas, por mais bobo do que sou. Adeus.

JOBARD

(MÉDIUM: SR. VÉZY)


Por que ainda tanta tolice entre os que creem de boa-fé? E dizer que se se lhes puser ante os olhos os verdadeiros princípios da coisa, eles mudam de repente e tornam-se mais incrédulos que São Tomé!

Ide dizer àquela gentil senhora que eu jamais me comuniquei com ela. Ela vos dirá que é possível, e em vossa presença fingirá concordar. Mas, no seu foro íntimo, dirá que sois insensatos. Proibir um louco de fazer loucuras, dizem que é ser ainda mais louco do que ele. Entretanto, seria preciso achar um remédio para curar tantos pobres Espíritos que se desgarram sozinhos, persuadidos que estão de ser guiados por maravilhas.

Na verdade, meu caro presidente, julgais-me capaz de escrever as frivolidades que vos leram? Então seria realmente o caso de me aplicar o nome que eu tinha, por ter ousado escrever semelhantes bobagens. O Espiritismo não se ensina a tanto por lição. Que aquele que não pode levar nossas palavras a seus irmãos senão em detrimento de seu próprio salário, fique em casa e peça à sua ferramenta ou à sua agulha que continue lhe dando o pão de cada dia. Mas assimilar-se a um apresentador de espetáculos é patinar sob o domínio do explorador e do charlatão. Que aquele que é pobre e sente coragem para tornar-se apóstolo de nossa doutrina cubra-se com o manto da sua fé e sua coragem, pois a Providência virá na devida hora lhe dar o pão que lhe falta. Mas não estenda a mão a todos os esforços, porque seríamos os primeiros a lhe gritar: Retira-te daqui, mendigo, e deixa o lugar aos que podem fazer o trabalho. Sempre encontramos muitos homens de boa vontade para desempenhar a tarefa que lhes pedimos.

Mulheres ou homens que deixais o tear ou os utensílios para vos fazerdes pregador ou médium e pedis um salário, só o orgulho vos guia. Quereis um pouco de glória em torno de vosso nome? O metal só tem reflexos vis e que o tempo enferruja, ao passo que a verdadeira glória tem mais brilho na abnegação. Prefiro Malfilatre, Gilbert e Moreau cantando sua agonia num leito de hospital ao poeta mendigo que vende o próprio coração para conservar algumas franjas douradas em torno de seu leito de morte. Os desinteressados serão mais bem recompensados; uma duradoura felicidade os aguarda e seus nomes serão tanto mais poderosos quanto mais lágrimas tiverem derramado e quanto mais suas frontes tiverem sido cobertas de suor e poeira.

Eis tudo quanto vos posso dizer a tal respeito, caro presidente, e aproveito a ocasião que se me apresenta para vos apertar a mão e vos reiterar todos os meus votos e os meus sinceros cumprimentos. Mantende-vos sempre valente e disposto na tarefa que vos impusestes. Fazei calar os invejosos e os palradores que vos cercam por essa firmeza e essa simplicidade que vos assentam tão bem. Hoje é preciso ser positivo. Não vos deixeis arrastar à conquista da Lua quando a Terra está aos vossos pés e aí tendes com que completar o vosso trabalho. Todos os materiais sobejam em torno de vós. Provai vossa teoria pelos fatos, e que os vossos exemplos não se apoiem em teoremas algébricos, que nem todos poderiam compreender, mas sobre axiomas matemáticos. Uma criança sabe que dois e dois são quatro. Deixai correr na frente os que têm pernas muito compridas; eles quebrarão o pescoço e é inútil que os acompanheis na queda. Apressemo-nos suavemente, pois o mundo ainda é novo e os homens têm o tempo diante deles para se instruírem.

O sol se põe à tarde porque a obscuridade é necessária para fazer compreender o seu brilho. Por vezes a verdade se cobre de trevas para não cegar os que a olham muito de frente.

P. ─ Jamais vos comunicastes com aquela senhora? Entretanto, ela diz que vós a magnetizastes!

R. ─ Pobre mulher! Ela atribui a seres inteligentes o que só a tolice pode ditar, ou então algumas palavras muito boas e muito simples a grandes oráculos. É uma doença que não se pode contrariar: ela está sediada nos nervos e se cura pela prudência e por duchas frias.

JOBARD

(MÉDIUM: SRA. DELANNE)


Saudações fraternas a todos, meus bons amigos, que trabalhais com ardor para enxertar a Humanidade. Deveis redobrar a atenção porque neste momento uma incrível revolução se opera entre os desencarnados. Também tendes entre eles adversários que se empenham em vos suscitar entraves, mas Deus vela por sua obra. Ele colocou à vossa frente um chefe vigilante, que tem sangre-frio, perspicácia e uma vontade enérgica para vos fazer triunfar dos obstáculos que os vossos inimigos visíveis e invisíveis erguem a cada instante sob vossos passos. Assim, ele não se enganou lendo esta comunicação. Ele compreendeu muito bem que Jobard não podia falar assim, nem aprovar semelhante linguagem. Não, meus amigos, o Espiritismo não deve ser explorado por Espíritos sinceros e de boa-fé. Pregais contra os abusos desta natureza, que desacreditam a religião. Não podeis praticar aquilo que condenais, porque afastais aqueles que o vosso desinteresse poderia trazer a vós.

Jamais refletistes seriamente nas funestas consequências das reuniões pagas? Compreendei bem que se Allan Kardec autorizasse semelhantes ideias por seu silêncio ou por sua aprovação tácita, em menos de dois anos o Espiritismo seria vítima de uma multidão de exploradores, e esta coisa santa e sagrada seria desacreditada pelo charlatanismo. Eis a minha opinião. Assim, repilo hoje, como sempre, toda ideia de especulação, sob qualquer pretexto, que possa entravar a doutrina em vez de ajudá-la.

Dedicai-vos, no momento e antes de tudo, em reformar os homens por vosso ensino e vosso exemplo. Que vosso desinteresse e vossa moderação falem tão alto que nenhum de vossos adversários vos possa fazer censuras. Estando cada um de vós colocado em posições diferentes, cada um deve trabalhar conforme as suas forças. Deus não pede o impossível. Tende confiança nele, e deixai que cada coisa venha a seu tempo. Se ele tivesse querido que o Espiritismo marchasse ainda mais rapidamente, ele teria enviado mais cedo os grandes Espíritos que estão encarnados e que surgirão quase ao mesmo tempo em todos os pontos do globo, no seu devido tempo. Enquanto esperais, preparai os caminhos com prudência e sabedoria.

Coragem, caro presidente! A cada dia as rédeas se tornam mais difíceis, mas aqui estamos para vos sustentar, e Deus vela sobre vós.

JOBARD

(MÉDIUM: SR. D’AMBEL)


Ora! Isto vos admira! Mas há tantos bobos no mundo dos Espíritos, como entre vós, sem vos ofender, que um bobo pôde dar a outro a comunicação sonambúlica em questão.

Quanto ao médium, é preciso inquietar-se além da medida? Dai tempo ao tempo, que é um grande reformador. Os que estabelecem preço para a sua mediunidade fazem como essas pessoas que dizem aos consulentes, abrindo um baralho aos seus olhos: “Eis um homem da cidade, ou um homem do campo; há uma carta a caminho, eis o ás de ouros.” Quem sabe se, nalguns, não é uma volta ao passado, um resto de hábitos antigos? Então, tanto pior para os que caem na mesma armadilha! Eles não obterão seu lucro e lamentarão um dia terem tomado o caminho errado.

Tudo o que vos posso dizer é que não estando absolutamente nesse negócio, como bem o sabeis, lavo as mãos e lamento a pobre Humanidade porque ainda recorre a semelhantes expedientes.

Adeus.

JOBARD



[1] Aqui o Espírito de Jobard faz um trocadilho. Jobard, em francês, é um substantivo e adjetivo que significa papalvo, estúpido, paspalhão, bobo. N. do T.



A necessidade do desinteresse nos médiuns, atualmente, passou a ser de tal modo um princípio, que teria sido supérfluo publicar o fato acima, se ele não oferecesse, além da questão principal, um notável exemplo de coincidência e uma prova manifesta de identidade, pela similitude dos pensamentos e pelo cunho de originalidade que carregam, em geral, todas as comunicações do nosso antigo colega Jobard, a tal ponto que quando ele se manifesta espontaneamente na Sociedade, é raro que, desde as primeiras linhas, não se adivinhe o autor. Assim, não se ergueu nenhuma dúvida quanto à autenticidade das que acabamos de dar, ao passo que, na que nos haviam pedido que examinássemos, a trapaça salta aos olhos de quem conheça a linguagem e o caráter do Sr. Jobard, bem como os princípios que ele havia professado constantemente, como homem e como Espírito. Teria sido irracional admitir que subitamente ele tivesse mudado, em benefício dos interesses materiais de um indivíduo. A charlatanice era canhestra.

Quanto à questão do desinteresse, seria inútil repetir tudo quanto foi dito sobre esse ponto, e que se encontra admiravelmente resumido nas respostas do Sr. Jobard. Apenas acrescentaremos uma consideração, que não é sem importância.

Certos médiuns exploradores julgam salvar as aparências cobrando somente dos ricos, ou só aceitando uma contribuição voluntária. Em primeiro lugar, isto não é menos um ofício, a exploração de uma coisa santa, e um lucro tirado do que se recebe gratuitamente. Quando Jesus e os seus apóstolos ensinavam e curavam, não marcavam preço às suas palavras nem aos seus cuidados, posto não tivessem renda para viver. Por outro lado, esta maneira de operar não é garantia de sinceridade e não afasta a suspeita de charlatanismo. Sabe-se como considerar a filantropia no caso de consultas gratuitas oferecidas por certos médicos, bem como no caso de certos negociantes que vendem alguns artigos por preço muito baixo ou que os dão de graça. Em certas ocasiões a gratuidade é um meio de atrair a clientela produtiva.

Há, porém, outra consideração, ainda mais forte. Como reconhecer quem pode e quem não pode pagar? A aparência por vezes é enganadora, e muitas vezes uma roupa limpa oculta necessidade maior do que o macacão de um operário. Então é preciso declinar sua pobreza, seus títulos à caridade, ou exibir um atestado de indigência? Aliás, quem diz que o médium, mesmo admitindo de sua parte a mais completa sinceridade, terá para com aquele que não paga, ou que paga menos, a mesma solicitude que tem para com aquele que paga largamente, e que não dará a cada um conforme o dinheiro? Que, se um rico e um pobre a ele se dirigirem ao mesmo tempo, ele não receberá primeiro o rico, que apenas queria satisfazer uma curiosidade vã, ao passo que o atendimento do pobre que talvez esperasse uma suprema consolação será adiado? Involuntariamente, sua consciência estará sujeita à tentação da preferência. Ele será levado a olhar melhor para o que paga, mesmo que este lhe atirasse com desdém uma moeda de ouro como a um mercenário, ao passo que olhará no mínimo com indiferença as parcas moedas que lhe apresentará timidamente o pobre envergonhado. São tais sentimentos compatíveis com o Espiritismo? Não é manter entre o rico e o pobre essa demarcação humilhante que já fez tanto mal, e que o Espiritismo deve fazer desaparecer, provando a igualdade do rico e do pobre perante Deus, que não mede os raios de seu Sol pela fortuna, e que não pode a ela subordinar mais as consolações do coração que ele dá aos homens pelos bons Espíritos, seus mensageiros?

Sinceramente, se houvesse uma escolha a fazer, preferiríamos ainda o médium que cobrasse sempre, porque ao menos não há hipocrisia; sabe-se imediatamente como considerá-lo.

Além do mais, a multiplicidade sempre crescente dos médiuns em todas as camadas sociais e no seio da maioria das famílias, tira à mediunidade remunerada toda utilidade e toda razão de ser. Essa multiplicidade dará fim à exploração, quando mais não fosse pelo sentimento de repulsa que a ela se liga.

Assinalam-nos o encerramento das atividades, numa cidade provinciana, de um grupo antigo e numeroso, organizado com propósitos interesseiros. O chefe desse grupo, assim como sua família, tinha abandonado seu ofício sob o especioso pretexto de devotamento à causa, à qual queria consagrar todo o seu tempo. Ela a havia substituído pelos recursos que esperava tirar do Espiritismo. Infelizmente, a exploração da mediunidade está de tal modo desacreditada no interior que, na maior parte das cidades, quem a transformasse em profissão, ainda que tivesse as mais transcendentes faculdades, nenhuma confiança inspiraria. Ele aí seria muito mal visto e todos os grupos sérios lhe fechariam as portas. A especulação não correspondeu à expectativa, e o chefe desse grupo ter-se-ia lamentado junto aos seus frequentadores, ao que se diz, por seu estado precário, e teria pedido ajuda, ao que ter-lhe-iam respondido que se estava em dificuldades a culpa era sua; que ele tinha errado em fechar a sua oficina para viver do Espiritismo e cobrar pelas instruções que os Espíritos lhe davam de graça. A isto ele respondeu culpando os Espíritos. Em nove médiuns presentes aos quais a questão foi apresentada, oito receberam comunicações censurando sua maneira de agir; só um o aprovou: era a sua esposa. Submetendo-se de boa vontade ao conselho dos Espíritos, o chefe do grupo anunciou que a partir daquele momento seu grupo estaria fechado. Sem dúvida teria sido mais sábio escutar mais cedo os conselhos que há muito tempo lhe eram dados por amigos sinceros do Espiritismo.

Um outro grupo, em condições mais ou menos idênticas, se viu aos poucos abandonado por seus frequentadores e finalmente forçado a se dissolver.

Assim, eis dois grupos que sucumbem sob a pressão da opinião. Escrevem-nos que o texto da Imitação do Evangelho em seus itens 392 e seguintes sem dúvida não é estranho a esse resultado. Aliás, é impossível que um espírita sincero, compreendendo a essência e os verdadeiros interesses da doutrina, se torne defensor e suporte de um abuso que inevitavelmente tenderia a desacreditá-la. Nós os convidamos a desconfiarem das armadilhas que os inimigos do Espiritismo lhes tentassem armar sob tal propósito. Sabe-se que em falta de boas razões para combatê-lo, uma de suas táticas é buscar arruiná-lo por si mesmo. Assim, vê-se com que ardor espiam as ocasiões de pilhá-lo em falta ou em contradição consigo mesmo. É por isto que os Espíritos nos dizem, sem cessar, que vigiemos e nos mantenhamos em guarda.

Quanto a nós, não ignoramos que nossa persistência em combater o abuso de que falamos não transformou em nossos amigos aqueles que viram no Espiritismo um objeto de exploração, nem aqueles que os sustentam. Mas, que nos importa a oposição de alguns indivíduos?! Defendemos um princípio verdadeiro, e nenhuma consideração pessoal nos fará recuar ante o cumprimento de um dever. Nossos esforços tenderão sempre a preservar o Espiritismo da invasão da venalidade. O momento presente é o mais difícil, mas à medida que a doutrina for melhor compreendida, essa invasão será menos temível. A opinião das massas opor-lhe-á uma barreira intransponível. O princípio do desinteresse, que satisfaz ao mesmo tempo o coração e a razão, terá sempre as mais numerosas simpatias e o levará à vitória, pela força das coisas, sobre o princípio da especulação.

Estudo moral

Lê-se no Siècle de 12 de outubro de 1864:

“Num horrível casebre da passagem Saint-Pierre, em Clichy, vivia um homem chamado Luís Henrique, de sessenta e quatro anos, mas parecendo ter noventa. Ele tinha descido ao último degrau da vida social. Diziam que outrora tinha sido belo e folgazão; que tinha transtornado muitas cabeças femininas e que tinha levado uma existência agitada.

“Com efeito, às vezes lhe escapavam maneiras de falar que evocavam a Sociedade refinada, e em sua casa viam-se duas deliciosas miniaturas representando encantadoras mulheres. As molduras desses medalhões há muito tinham sido vendidas e a pintura tinha-se tornado muito gasta para que dela se pudesse tirar proveito.

“Luís Henrique exercia o ofício de trapeiro, mas estava tão fraco, tão quebrado, tão trêmulo, que não recolhia quase nada. Sem tirar os trapos, deitava-se sobre imundícies, que lhe serviam de leito. Outros trapeiros, quase tão pobres quanto ele, se cotizavam para lhe dar alguns alimentos, tais como casca de pão e restos de cozinha provenientes de suas cestas. Estava coberto de chagas e roído por vermes. Já por várias vezes, diz a Opinion Nationale, os soldados da brigada de Clichy tinham feito uma coleta entre si para lhe pagar banhos sulfurosos. Ele não sabia que fim tinha levado sua família e havia esquecido o próprio nome. Só lhe havia ficado a lembrança dos prenomes Luís Henrique.

“Desde alguns dias o leproso, como o chamavam, não mais fora visto. Um odor infecto exalava de seu alojamento, atraindo a atenção dos locatários. Avisaram o comissário de polícia, que veio ao lugar, acompanhado pelo Dr. Massart, e fez um serralheiro abri-lo. Entre as imundícies encontraram os restos do trapeiro, roído pelos ratos e decomposto, que tinha se extinguido em meio às suas enfermidades e seus males.”

É um triste revés da fortuna e uma prova de que a justiça de Deus nem sempre espera a vida futura para abater-se sobre o culpado. Dizemos o culpado por hipótese, porque uma tal degradação não pode ser resultado senão do vício no seu mais alto grau. O homem mais rico e mais altamente colocado pode cair na última faixa da escala social, mas se a honra nele não foi abafada na mais profunda miséria, ele conserva sua dignidade.

Presumindo que a vida desse homem poderia oferecer um ensinamento, a Sociedade de Paris julgou que deveria evocá-lo, na esperança de, ao mesmo tempo, lhe ser útil.


(SOCIEDADE DE PARIS, 28 DE JULHO DE 1864 MÉDIUM: SR. VÉZY)

Pergunta. ─ Os detalhes que lemos de vossa vida e vossa morte nos interessaram, primeiro por vós, porque todos os que sofrem têm direito às nossas simpatias, e depois para nossa instrução. Do ponto de vista moral, seria útil saber como e por que, de uma existência que parece ter sido brilhante, caístes em tal abjeção, e qual a vossa situação atual. Rogamos a um bom Espírito que vos assista na comunicação que nos dareis.

Resposta. ─ Não paguei bastante minha dívida de sofrimentos na Terra para que me sejam concedidas algumas horas de lucidez no além-túmulo? É porque meu corpo está infecto e roído pelos vermes, em disputa com a podridão que o destrói, que meu Espírito está perturbado? Deixai que me reconheça um pouco.

A vós, que conheceis as leis divinas da imigração das almas, não preciso explicar o porquê desse estado abjeto a que desci. Contudo, desde que tal me é ordenado, vou contar-vos minha história... Aliás, uma anedota no meio de vossas sábias discussões e sábios argumentos vos divertirá. Tendes aqui um certo público a que isto distrairá mais que a vossa moral e a vossa filosofia. Começo, pois.


OBSERVAÇÃO: Nesse dia a Sociedade tinha uma sessão geral, na qual são admitidos uns tantos ouvintes estranhos. É a isto que o Espírito faz alusão.

Por que eu não vos revelaria o nome que tinha e que, em meus últimos anos, sobretudo, eu mesmo parecia ter esquecido? Não adivinhastes que o charco que me devorava era a causa única de meu silêncio a respeito? Eu fingia esquecer. Eu me lembro... mas não. Não quero lançar lama sobre os fraques e os vestidos de seda e veludo dos que foram meus parentes e meus amigos, com os quais vivi na mocidade e que ainda vivem. Também não quero que algumas velhas damas, que mudaram de endereço, passando do toucador para o oratório, vejam no medalhão que elas ainda conservam pendurado no friso de suas alcovas, sob as vestes de galante gentil homem, o infeliz abandonado. Para umas, morri na América, durante as guerras que se seguiram ao despertar de seus povos; para outras fui dos últimos a morrer nas escaramuças sangrentas da Vendeia, gritando: Viva o Rei!

Não toquemos nesses louros, sobre os quais repouso em seus corações!... Há muito que morri para todas!... Também morri para ela!... Ah! Não falemos mais nisto!... Sim, para ti estou bem morto! Morto para a eternidade! E contudo, na Terra, que horas de êxtase e de ebriez não passamos! Quantas vezes teu olhar encontrou meu olhar, meus sorrisos teu sorriso! Não vives ainda senão para me mostrar tuas rugas e teus cabelos brancos. Mas quando, por sua vez, a morte te tocar, não te verei mais!... Não, não! Maldição! Ouço vozes que me gritam: Maldito!... Não, não a verei mais. A ela, um dia a luz e o brilho, a mim a noite e as trevas! Arranquei as asas do anjo na Terra, mas suas lágrimas lhe devolverão sua pureza, e o perdão de Deus destacará para ela asas brancas de serafim.

Ah! Por que a mocidade assim joga com o seu coração? Por que quer colher todas as flores à sua passagem, para depois calcá-las aos pés? Entretanto, quando seu coração fala a linguagem da alma a outra alma, não mente. Por que é necessário que o sopro das paixões impuras se estiole e atire seu corpo na abjeção?... Deixai que eu também derrame algumas lágrimas. Elas são suaves para os que sofrem!

Como gostaria de poder reviver minha vida de outrora, para utilizar melhor as horas de juventude! Oh! Como gostaria de possuir meu coração dos vinte anos! Eu o daria inteirinho a um coração irmão do meu; daria minha alma inteirinha a uma alma irmã da minha, e nas mesmas aspirações pediria a Deus que nos fizesse desfrutar todas as alegrias do Céu!... Mas está feito. Por que minhas lágrimas e meus pesares? Homem degradado, o que sonhas? Tudo está perdido para aquele que não soube aproveitar o tempo que lhe foi dado! Tudo está perdido para o miserável que não soube aproveitar as qualidades que possuía!

Ó vós que me ouvis, sim, aquele que vos fala era dotado de belas faculdades. Para que lhe serviram? Para enganar com astúcia e conhecimento de causa! Para cometer crimes! Depois, eu abafava os remorsos na orgia para não ouvir os gritos da minha consciência. Eu era um gentil-homem; manejava a palavra e a espada com audácia, e se as mulheres me chamassem de refinado, enquanto acariciavam-me a fronte e os cabelos em seu toucador, os homens me chamavam o invencível e o bravo!... Orgulho! Por que essas lembranças de outros tempos?... Desgraça!... Danação!... Vejo sangue em volta de mim! Por que esta espada, com a qual feri, não se voltou contra o meu peito?... Entre esses mortos, vedes este cadáver?... É meu filho!... Ironia!... Eis a consequência dos costumes de uma Sociedade na qual riem de tudo!... Era eu o culpado e sabia que era meu filho? Sabia eu que a amante abandonada há vinte anos lançaria em meu caminho um fruto adulterino, que eu não reconhecia e que viria disputar uma presa ao novo D. Juan?... E queríeis que não tivesse esquecido o meu nome depois de tais erros? Ah! Para mim a taça de vergonha e infâmia! Eu devia morrer como morri, na lama. Sinto o frio do túmulo! Sinto os vermes que me roem! Sinto as imundícies que me cobrem! Sinto as úlceras que cobriam meu corpo! Mas nada disto me faz sofrer tanto quanto a vista dessa ferida horrível feita por minha espada... Meu filho, graça! Se teu pai não te deu o nome, apagou o seu mundo; se te deu a morte, também ele morreu na lama. Ah! Abre-me os teus braços! Ensina a teu pai o caminho de Deus pelo perdão.

Que história lúgubre! Eu que acreditava, tomando esta mão para escrever, que iria reencontrar meus sorrisos de outrora! Sedutor! Então é o meio em que me encontro que me penetra e me transforma?... Por que me evocastes? Por que retirarme da noite para me mostrar um pouco de luz e em seguida lançar-me novamente nas trevas? Por minha vez, eu vos interrogo. Respondei-me.

P. ─ Nós vos chamamos para vos sermos úteis e porque nos compadecemos de vosso sofrimento. Que podemos fazer por vós?

R. ─ Eh! Que sei eu? Cabe-vos instruir-me. Não me atireis de volta na obscuridade... Vós levantastes os mortos. Eu os vejo na noite. Tenho medo! P. ─ Oraremos por vós.

R. ─ Ah! Orai. Dizem que a prece faz muito bem aos que sofrem.

P. ─ Quereis assinar o vosso nome?

R. ─ Não, não! Orai por mim.

Alguns dias depois um outro médium, o Sr. Rul, de Passy, fez em particular a evocação do mesmo Espírito e obteve as três comunicações seguintes. Julgamos supérfluo reproduzir os conselhos dados pelo médium ao Espírito. São os de um espírita sincero, animado de verdadeira caridade para com os seus irmãos sofredores.─ Sim, orai por mim, porque as preces de vossos irmãos já me fizeram bem. Se soubésseis o que é o sofrimento de um desencarnado! Se pudésseis ler em meu rosto espiritual os traços das paixões que o trabalharam, seríeis tomado de piedade e vossa mão fraterna, apertando a minha, sentiria a febre que me agita. Quanto sofro desde que fui evocado por vosso presidente! Eu conheço a justiça divina. Só, errando entre os mortos, eu acreditava ser o único a conhecer os meus sofrimentos, e eis que em plena luz da publicidade sou chamado a fazer a confissão de meus erros! Oh! Quantos erros a paixão me fez cometer! Eu não disse tudo ao vosso irmão, porque o pudor e a vergonha me refreavam; eu preferia ocultar as confissões que eu fazia, e apagar esses caracteres indeléveis que me punham no pelourinho de vossas consciências. Mas oraram por mim e hoje reconheço o bem que me fizeram vossos corações caridosos, e para melhor merecer a vossa compaixão, porque sois espíritas, o que quer dizer indulgentes e compassivos, eu me acuso de não ter recuado ante nenhuma falta para satisfazer minhas paixões. Não cometi nenhum dos crimes punidos pela lei dos homens, mas os vícios que vossa sociedade tolera e desculpa, sobretudo quando se tem nome e fortuna, são justiçáveis por Deus, que jamais os deixa impunes. Eu os expiei cruelmente na Terra; caí no último degrau da miséria, do aviltamento e do desprezo, eu que outrora brilhava e fazia invejosos e ciumentos, e o castigo me perseguiu no além-túmulo. Não matei como um vil assassino; não roubei, porque o meu orgulho de gentil-homem ter-se-ia revoltado ao só pensamento de ser confundido com os criminosos. Contudo, matei, mas salvaguardando a honra segundo o mundo. Levei a ruína, a vergonha e o desespero às famílias, e chamavamme o feliz, o homem de sorte! Quantas vítimas gritam por vingança em volta de mim! Oh! Por quanto tempo suportarei o fardo desses crimes! Orai por mim, porque sofro a ponto de sentir minha alma se partir!─ O remorso me persegue; sofro muito, mas compreendo a necessidade de sofrer; compreendo que a impureza só se pode tornar pura depois de transformada ao contacto do fogo.─ Obrigado, obrigado, irmão. Estou sob a impressão das palavras que acabas de pronunciar. Estou mais forte; vejo o objetivo e, sem tentar medir a distância que dele me separa, digo de mim para mim: Eu conseguirei, porque eu quero e tenho confiança nos bons Espíritos que me dizem para esperar. Na Terra não duvidei do sucesso, quando fazia o mal. Como poderia duvidar hoje, quando quero fazer o bem? Obrigado, obrigado, caro irmão. Quero dar-te o nome que me dás; agradeço tuas lágrimas, pois me aliviaram; agradeço a tua prece, pois atraiu para junto de mim Espíritos cheios de glória, que me dizem: Espera, tu que foste tão culpado; espera a misericórdia de Deus, que perdoa a todos os seus filhos que se arrependem. Persevera nas boas resoluções e serás mais forte para suportar teus sofrimentos.

Obrigado a ti que me tiras da bruma que me envolvia. Possa eu te provar um dia que o reconhecimento de teu irmão é para a eternidade!

Os bons Espíritos me dizem que espere, e eu espero; que ore, e orei, mas necessito de um amigo que me dê a mão para me sustentar e me impedir de sucumbir sob o fardo que é muito pesado. Sê para mim esse irmão caridoso, esse amigo devotado. Escutarei teus conselhos; orarei contigo; prostrar-me-ei contigo aos pés do Eterno.

Quantas vezes vi minha espada tinta de sangue de um do meus irmãos! Fui implacável em minhas vinganças, e quando o aguilhão da carne, a vaidade, o desejo de executá-la sobre os meus rivais me exaltavam, eu precisava da vitória a qualquer preço. Triste vitória, manchada pelas mais baixas paixões! Eu era cruel quando meu orgulho estava excitado. Sim, fui um grande culpado, mas quero tornar-me um filho do Senhor, por isto vim dizer-te: Sê meu irmão para me ajudar a purificar-me.

Irmão! Oremos juntos.

Obrigado, irmão, por tua caridade, por tuas boas preces, por teus ensinamentos, porque sinto ganhar força e sinto crescer o meu arrependimento. Se o arrependimento duplica o sofrimento, sei que esse sofrimento durará apenas algum tempo, e que a felicidade me espera após a depuração. Então, eu quero sofrer, sofrer muito, para merecer mais rapidamente ter essa felicidade que experimentam os Espíritos radiantes que vejo perto de ti.

Até breve, irmão, pois vejo que tens outro Espírito sofredor para consolar e fortalecer em seu arrependimento. Pensa em mim, e durante a tua prece da noite, estarei junto de ti.


É evidente que esse Espírito está no bom caminho; há nele uma luta de bom augúrio, pois só pede para ser esclarecido.

Contudo, suas ideias se ressentem de certos preconceitos. Como muitos que creem neles encontrar uma desculpa, ele se prende à Sociedade. Mas, que é o que torna a Sociedade má, senão a gente viciosa? Sem dúvida a Sociedade muito deixa a desejar, no tocante às suas instituições, mas desde que nela se encontram pessoas decentes e que cumprem os seus deveres, todos poderiam fazer o mesmo, pois ela não obriga ninguém a fazer o mal. Era a Sociedade que obrigava Luís Henrique a abandonar aquela mulher e seu filho? Se não reconheceu este, por que o perdeu de vista, sem se inquietar com sua existência? Foram os preconceitos sociais que o impediram de dar seu nome àquela mulher? Não, porque ele tinha por motivação apenas as suas paixões. Era a instrução que lhe faltava? Não, pois pertencia a classe alta. Não é a Sociedade a culpada em relação a ele; ela nada lhe recusou, pois era um de seus favoritos em tudo. Ele, pois, é que foi culpado para com a Sociedade, porque agiu livremente, voluntariamente e com conhecimento de causa. Quem lançou seu filho no caminho dos desbordamentos? O acaso? Não. Foi a Providência, a fim de que o remorso, que mais tarde deveria ser a sua consequência, servisse ao seu adiantamento.

A verdadeira chaga da Sociedade, a causa primeira de todas as desordens, é a incredulidade. A negação do princípio espiritual, a crença no nada após a morte, as ideias materialistas, numa palavra, altamente preconizadas por homens influentes, se infiltram na juventude que as suga, por assim dizer, com o leite. O homem que só acredita no presente quer gozar a todo o preço e é consequente consigo mesmo, pois nada espera no além-túmulo. Ele não espera nada e, consequentemente, nada teme. Se Luís Henrique tivesse tido fé em sua alma e no futuro, teria compreendido que a vida corporal é fugidia e precária e não a teria estabelecido como objetivo único; sabendo que nada do que aqui se adquire é perdido, ter-se-ia preocupado com sua sorte futura, ao passo que agiu como aquele que come o seu capital e joga a última cartada.

Quantas desordens, quantas misérias, quantos crimes têm sua fonte nessa maneira de encarar a vida! Quais os primeiros culpados? Os que a erigem em dogma, em crença, troçando e tratando como loucos os que acreditam que nem tudo está na matéria e no mundo visível. Luís Henrique não foi bastante forte para resistir a essa corrente de ideias; sucumbiu, vítima de suas paixões, que encontravam uma justificação no materialismo, ao passo que uma fé sólida e raciocinada lhe teria posto um freio mais poderoso que todas as leis repressivas, que não podem atingir todos os erros. O Espiritismo dá essa fé, por isso opera tão numerosas transformações morais.

As três últimas comunicações confirmam a primeira, obtida por outro médium; evidentemente o fundo do pensamento é o mesmo. Aí se nota o progresso operado nesse Espírito, e nelas se podem colher vários ensinamentos.

Na primeira, fazendo a confissão de suas faltas, ainda não há arrependimento sério, nem resolução tomada; ele quase se lamenta por ter sido evocado.

Na segunda, diz: “Como sofro desde que fui evocado por vosso presidente!” Estas palavras justificariam o dito de certas pessoas, que pretendem que a evocação perturba o repouso dos mortos? Por certo que não, porque, em primeiro lugar, eles só vêm quando lhes convém; em segundo lugar, porque, em sua maioria, testemunham satisfação por serem chamados, quando o são por um sentimento simpático e benevolente. Certos culpados só vêm com repugnância e, neste caso, a isto não são constrangidos pelo evocador, mas por Espíritos superiores, com vistas a seu adiantamento. Sua repugnância é a do criminoso conduzido ao tribunal. A evocação dos Espíritos culposos tem como objetivo e resultado a sua melhora. A contrariedade momentânea que lhes causa lhes é vantajosa, porque excitando-os ao arrependimento, abrevia os sofrimentos que suportam no mundo dos Espíritos. Seria, então, mais caridoso deixá-los na abjeção em que se acham, do que dali tirálos? O sofrimento que disso resulta é como o que o médico causa ao doente para curá-lo. Tirai da lama um homem embrutecido e ele lamentar-se-á. Dá-se o mesmo com os Espíritos.

Nas comunicações desse Espírito encontra-se um pensamento análogo ao que exprimia Latour sobre o sofrimento causado pelo arrependimento. Explicamos a causa de tal sentimento na Revista de novembro de 1864; é o mesmo que leva este a dizer: “Sofro a partir de quando fui evocado”, e “O remorso me persegue; sofro muito”. É, pois, o remorso que o faz sofrer, mas é esse remorso que deve salvá-lo, e foi a evocação que o provocou. Mas ele acrescenta estas palavras notáveis: “Compreendo a necessidade de sofrer; compreendo que a impureza só se torna pura depois de transformada ao contacto do fogo.” E depois: “Se o arrependimento duplica o sofrimento, sei que esse sofrimento apenas durará algum tempo, e que a felicidade me aguarda após a depuração.”

Esta certeza o faz dizer: “Quero sofrer, sofrer muito, para merecer mais depressa ser feliz.” Depois disto, é de admirar que um Espírito escolha terríveis provações em nova existência? Não é o caso de um doente que se resigna a uma operação dolorosa para ficar bom, ou de um homem que se expõe a todos os perigos, que suporta todas as misérias, todas as fadigas e todas as privações, visando a fortuna ou a glória? Assim, nada há de irracional no princípio da livre escolha das provas da vida. Para aproveitá-las, a condição é não recuar. Ora, não suportá-las com coragem e resignação é recuar.

Qual será a sorte de Luís Henrique em nova existência? Como expiou cruelmente suas faltas em sua última existência; como no estado de Espírito seu arrependimento é sincero e suas boas resoluções sérias, é provável que seja posto em condições de reparar os erros, fazendo o bem. Mas como ele pagou sua dívida de sofrimentos corporais, não terá mais que passar pelas mesmas vicissitudes.

É o que lhe almejamos, em vista do que oramos por ele.


A Sociedade de Paris acaba de perder um de seus membros na pessoa do Sr. Bruneau, falecido a 13 de novembro de 1864, aos setenta anos, morte anunciada nestes termos pela Opinion nationale:

“A morte dá redobrados golpes nos membros sobreviventes da missão sansimonista no Egito. Depois de Enfantin, de Lambert Bey, temos hoje a deplorar a perda do Sr. Bruneau, antigo coronel de artilharia, que fundou no Egito a escola de cavalaria, enquanto Lambert Bey, seu genro, organizou uma escola politécnica. O Sr. Bruneau morreu como homem livre, cheio de esperanças no progresso físico, intelectual e moral, cheio de fé nas doutrinas religiosas e sociais de juventude.”

O Sr. Bruneau, antigo aluno da Escola Politécnica, há vários anos era membro da Sociedade Espírita de Paris. Ignoramos a fé que tinha nas doutrinas religiosas e sociais de sua juventude, mas sabemos que tinha uma confiança absoluta no futuro do Espiritismo, do qual era adepto fervoroso e esclarecido. Ele tinha adquirido uma fé inabalável na vida futura e nas reformas humanitárias, que serão a sua consequência. Acrescentaremos que seus colegas tinham podido apreciar suas excelentes qualidades, sua extrema modéstia, sua brandura, sua benevolência e sua caridade. Ele comunicou-se na Sociedade poucos dias após a sua morte e deu prova da elevação de seu Espírito, pela justeza e profundidade de suas apreciações. Para ele o mundo invisível não teve nenhuma surpresa, pois o compreendia de antemão. Assim, ele veio confirmar-nos tudo o que a doutrina nos ensina a respeito. Encontrou com alegria os parentes, amigos e colegas que o haviam precedido e aguardavam sua chegada entre eles.

A Sociedade Espírita de Paris esteve representada nas exéquias do Sr. Bruneau

por uma delegação de vinte membros. Teríamos considerado um dever exprimir na ocasião os sentimentos da Sociedade, mas sabendo que a família não era simpática às nossas ideias, tivemos que nos abster de qualquer manifestação.

O Espiritismo não se impõe. Ele quer ser aceito livremente, por isso respeita todas as crenças e, por espírito de tolerância e de caridade, evita o que possa chocar as opiniões contrárias às suas.

Aliás, o justo tributo de elogios e pesares que lhe não pôde ser pago ostensivamente, ante um público indiferente ou hostil, o foi com muito mais recolhimento no seio da Sociedade. Na sessão seguinte às exéquias, foi pronunciada uma alocução, e todos os seus colegas se uniram de coração às preces que foram ditas em sua intenção.

Na sessão da Sociedade consagrada à memória do Sr. Bruneau, o Sr. Allan Kardec pronunciou a alocução seguinte:

Senhores e caros irmãos espíritas,

Um de nossos colegas acaba de deixar a Terra, para entrar no mundo dos Espíritos. Consagrando-lhe especialmente esta sessão, cumprimos para com ele um dever de confraternidade, ao qual cada um de nós, não tenho dúvida, associar-se-á de coração e por santa comunhão de pensamentos.

O Sr. Bruneau fazia parte da Sociedade desde 1.º de abril de 1862.Como membro do comitê, ele era, como sabeis, muito assíduo às nossas sessões. Todos pudemos apreciar a suavidade de seu caráter, sua extrema benevolência, sua simplicidade e sua caridade. Não há um infortúnio assinalado na Sociedade, em favor do qual não tenha ele trazido sua oferenda. Sua morte nos revelou nele outra qualidade eminente: a modéstia. Ele jamais tinha exibido seus títulos, que o recomendavam como homem de saber. Uma circunstância fortuita me tinha informado que era antigo aluno da Escola Politécnica, mas ignorávamos todos que tivesse sido coronel de artilharia e que tivesse desempenhado missão superior no Egito, onde fundou uma escola de cavalaria, ao mesmo tempo em que seu genro, Lambert Bey, ali fundava uma escola politécnica. Nós o conhecíamos como um espírita sincero, devotado e esclarecido, mas se ele se calava sobre os seus títulos, não escondia suas opiniões.

Estas circunstâncias, senhores, nos tornam sua memória ainda mais cara, e não duvidamos que tenha encontrado no mundo dos Espíritos uma posição digna de seu mérito.

O Sr. Bruneau tinha sido um dos membros ativos da escola sansimonista, o que os jornais que anunciaram a sua morte tiveram o cuidado de destacar, mas evitaram dizer que morreu na crença espírita.

Não cabe aqui discutir os princípios da escola sansimonista. Contudo, o início do artigo da Opinion nationale nos leva involuntariamente a fazer uma comparação. Diz-se ali: “A morte dá redobrados golpes nos membros sobreviventes da missão sansimonista no Egito. Depois de Enfantin, de Lambert Bey, temos hoje a deplorar a perda do Sr. Bruneau, etc.” O sansimonismo, durante alguns anos, teve um intenso brilho, quer pela originalidade de alguns de suas doutrinas, quer pelos homens eminentes ligados a ele. Sabe-se, porém, quanto esse brilho foi passageiro. Por que, então, um brilho tão efêmero, se estava de posse da verdade filosófica?

Por vezes a verdade custa a propagar-se, mas, do momento em que começa a despontar, cresce sem cessar e não perece, porque a verdade é eterna e é eterna porque emana de Deus. Só o erro é perecível, porque vem dos homens. O progresso é a lei da Humanidade. Ora, a Humanidade só progredirá à medida que descobrir a verdade. Uma vez feita a descoberta, está adquirida e é inquebrantável. Que teoria poderia hoje prevalecer contra a lei do movimento dos astros, da formação da Terra e tantas outras? A Filosofia só é mutável porque produto de sistemas criados pelos homens; só terá estabilidade quando tiver adquirido a precisão da verdade matemática. Se, pois, um sistema, uma teoria, uma doutrina qualquer, filosófica, religiosa ou social, marcha para o declínio, é prova certa de que não está com a verdade absoluta. Em todas as religiões, sem excetuar o Cristianismo, apenas o elemento divino é imperecível; o elemento humano cai se não está em harmonia com a lei do progresso. Mas como o progresso é incessante, daí resulta que, nas religiões, o elemento humano deve modificar-se, sob pena de perecer. Apenas o elemento divino é invariável. Vede-o na lei mosaica: as tábuas do Sinai ainda estão de pé, tornando-se, cada vez mais, o código da Humanidade, ao passo que o resto já se perdeu no tempo.

A verdade absoluta, não podendo estabelecer-se senão sobre as ruínas do erro, forçosamente encontra antagonistas entre aqueles que, vivendo do erro, têm interesse em combater a verdade, e lhe fazem, por isto mesmo, uma guerra encarniçada. Mas ela conquista logo as simpatias das massas desinteressadas. Foi assim com a doutrina sansimonista? Não. Como prática, ela viveu; só sobreviveu como teoria simpática e crença individual no pensamento de alguns de seus antigos adeptos. Mas, como o constata a Opinion nationale, levando diariamente alguns de seus representantes, não está longe o tempo em que todos terão desaparecido, e então ela só viverá na história, de onde se deve concluir que não possuía toda a verdade e não correspondia a todas as aspirações.

Quererá isto dizer que todas as seitas e escolas que caem estejam no falso absoluto? Não. Ao contrário. A maior parte delas entreviram uma ponta da verdade, mas a soma das verdades que possuíam não sendo bastante grande para sustentar a luta contra o progresso, elas não se acharam à altura das necessidades da Humanidade. Aliás, geralmente as seitas são muito exclusivas e, por isto mesmo, estacionárias. Disto resulta que as que puderam marcar uma etapa do progresso em certa época, acabam sendo distanciadas e se extinguem pela força das coisas. Entretanto, sejam quais forem os erros sob os quais sucumbiram, sua passagem não foi inútil, porque elas agitaram as ideias, tiraram o homem do entorpecimento, levantaram questões novas que melhor elaboradas e desprendidas do espírito de sistema e de exagero, mais tarde recebem a sua solução. Entre as ideias que semeiam, só as boas frutificam e renascem sob outra forma. O tempo, a experiência e a razão fazem justiça às outras.

O erro de quase todas as doutrinas sociais, apresentadas como a panaceia dos males da Humanidade, é o de apoiar-se exclusivamente nos interesses materiais. Disto resulta que a solidariedade que buscam estabelecer entre os homens é frágil como a vida corporal; os laços de confraternidade, sem raízes no coração e na fé no futuro, partem-se ao menor choque do egoísmo.

O Espiritismo se apresenta em condições completamente outras. Está ela com a verdade? Nós o cremos, mas estamos melhor embasados que os outros? Os motivos que nos levam a nele crer são muito simples. Eles surgem, ao mesmo tempo, da causa e dos efeitos. Como causa, ele tem a seu favor o fato de não ser uma concepção humana, produto de um sistema pessoal, o que é capital. Não há um só de seus princípios ─ e quando digo um só não faço exceção ─ que não seja baseado na observação dos fatos. Se um só dos princípios do Espiritismo fosse resultado de uma opinião individual, seria esse seu lado vulnerável. Mas, como ela nada afirma que não seja sancionado pela experiência dos fatos, e que os fatos são leis da Natureza, ele deve ser imutável como essas leis, porque por toda parte e em todos os tempos encontrará sua sanção e sua confirmação e, mais cedo ou mais tarde é preciso que, ante os fatos, todas as crenças se inclinem.

Com efeito, ele responde a todas as aspirações da alma; satisfaz, ao mesmo tempo, ao espírito, à razão e ao coração; enche o vazio deixado pela dúvida; dá uma base e uma razão de ser à solidariedade, pela ligação que estabelece entre o presente e o futuro; enfim, ele assenta em base sólida o princípio de igualdade, de liberdade e de fraternidade. Ele é, assim, o pivô sobre o qual apoiar-se-ão todas as reformas sociais sérias. Ele próprio, apoiando-se nos fatos e nas leis da Natureza, sem mistura de teorias humanas, não se arrisca a afastar-se do elemento divino. Assim, ele oferece o espetáculo único na história de uma doutrina que em poucos anos implantou-se em todos os pontos do globo e cresce incessantemente; que liga todas as crenças religiosas, ao passo que as outras são exclusivistas e ficam fechadas num círculo circunscrito de adeptos.

Tais são, em poucas palavras, as razões sobre as quais se apoia a nossa fé na verdade e na estabilidade do Espiritismo. Esperamos que nosso antigo colega e sempre irmão Bruneau tenha a bondade de nos dizer como encara a questão, hoje que pode considerá-la de um ponto de vista mais elevado.

NOTA: A comunicação do Sr. Bruneau correspondeu plenamente à nossa expectativa. Ela se liga, como as que foram recebidas nesta sessão, a um conjunto de questões que serão tratadas ulteriormente. Por isso adiamos a sua publicação.


(Antuérpia, 1º de novembro de 1864)

(Fim) .larutan iel ad medro an ol-ácoloc arap larutanerbos e ocitsátnaf retárac odot omsitiripsE oa siarit euq rop sie ;oâçiefrep a :ovitejbo omsem o somiugesrep ,sotrom són e setneviv sóv euq etnemlanif ,ziuj onarebos oa satnoc somed áj euq ed oãssim amu raunitnoc ed sueD rop sodagerracne e ,oproc odamahc ertserret orculóvni ossov on sodanoisirpa ,é otsi, sodanracne sotirípsE ,sóV.sotirípsE sodot somos euq selpmis otium oãsulcnoc à es-agehc ,amla ad edadilatromi ad odatatsnoc otaf olep ,aro ;anirtuod atse racrec ed matsog euq ed oirbmos sezev rop e osohlivaram oigítserp o riurtsed a oinícoicar selpmis olep es-agehc ,ortuo o mes mu ratiejer uo ritimda airedop es oãn euq, soipícnirp siod sessed odnitraP. amla ad edadilatromi a e sueD mu ed aicnêtsixe a :sedadrev sednarg saud anisne sov omsitiripsE O ─ (Começo).

(Fim) .edadirac ed ota mu ed adahnapmoca ecerp aob amu (mortos) arief-atxes arap e ,otium sieugitaf sov oãn :oãçadnemocer amitlú amu ,ritrap ed setnA (Começo).

.suedA

Damos acima um curioso exemplo de escrita tiptológica inversa, de que falamos no número de outubro último. Notar-se-á que não são apenas as palavras que são ditadas ao contrário, mas os parágrafos inteiros, de sorte que se tem de começar pela última letra de cada parágrafo. Deixamos aos nossos leitores o cuidado de fazer a tradução.


Como e porque me tornei Espírita - por J. B. Borreau, de Niort (1)

O autor conta como foi levado a crer na existência dos Espíritos, em suas manifestações e em sua intervenção nas coisas deste mundo, e isto muito antes que se tratasse do Espiritismo. Ele foi conduzido por uma série de acontecimentos, quando de modo algum pensava nisso. Nas experiências que fazia com objetivo muito diverso, o mundo dos Espíritos se lhe apresentou, é verdade que pelo seu pior lado, mas, enfim, apresentou-se como parte ativa. O Sr. Borreau o encontrou sem querer, absolutamente como os que buscavam a pedra filosofal encontraram no fundo de suas retortas novos corpos que não procuravam, e que enriqueceram a Ciência, se não se enriqueceram eles próprios.

O relato detalhado e circunstanciado do Sr. Borreau é ao mesmo tempo interessante, porque verdadeiro, e muito instrutivo pelos ensinamentos que ressaltam para quem quer que, não parando na superfície das coisas, busque as deduções e as consequências que podem ser tiradas dos fatos.

O Sr. Borreau é um grande magnetizador. Por si mesmo tinha constatado a força do agente magnético e a admirável lucidez de certos sonâmbulos, que veem à distância com tanta precisão quanto com os olhos, e cuja visão não é detida pela obscuridade nem pelos corpos opacos. Para ele, esses fenômenos tinham sido a prova palpável da existência, no homem, de um princípio inteligente independente da matéria. Seu desejo ardente era propagar essa ciência nova, mas, desesperançado de vencer a incredulidade, teve a ideia de ferir as imaginações por um fato brilhante, ante o qual deveriam cair todas as denegações e as mais obstinadas dúvidas.

Considerando-se que a visão dos sonâmbulos tudo penetra, diz ele, pode penetrar as camadas terrestres. A descoberta ostensiva de algum tesouro enterrado seria um fato patente que não deixaria de fazer muito ruído e imporia silêncio aos trocistas, porque não se troça diante dos tesouros.

É a história de suas tentativas que o Sr. Borreau conta na sua brochura, tentativas penosas, perigosas, que muitas vezes lhe fizeram crer na vitória e que, após vinte anos, só levaram a decepções e mistificações. Um dos mais comovedores episódios é o da cena terrível que ocorreu quando, fazendo escavações num campo da Vendée, numa noite escura, ao pé de pedras druidas e em meio a sombrias giestas, no momento em que julgava tocar o objetivo, a sonâmbula, no paroxismo do êxtase e da excitação, caiu inanimada, como ferida por um raio, não mais dando sinal de vida, em rigidez cadavérica. Julgaram-na morta e tiveram que transportá-la, com muitas dificuldades, através de ravinas e rochas numa noite escura. Só depois de algumas léguas é que ela começou a voltar a si, sem consciência do que se havia passado. Esse choque não desencorajou o perseverante pesquisador, malgrado uma porção de outros incidentes não menos dramáticos que constantemente vieram atrapalhar, como que para adverti-lo da inutilidade e do perigo dessas tentativas.

Foi no curso de suas experiências que a existência dos Espíritos lhe foi revelada de maneira patente, quer pela sonâmbula, que os via e se entretinha com eles, quer por mais de cinquenta casos de escrita direta, cuja origem não podia ser duvidosa. Esses Espíritos tanto se apresentavam sob aspectos pavorosos e provocavam na sonâmbula crises terríveis que toda a força magnética do Sr. Borreau não conseguia acalmar, quanto sob a aparência de Espíritos benevolentes, que vinham encorajá-lo a continuar suas pesquisas, sempre prometendo sucesso, mas cujo termo sempre afastavam. Persistir em tais condições, devemos dizê-lo, era um jogo muito perigoso e incorrer em grave responsabilidade. Acrescentemos que os Espíritos prescreviam grande quantidade de novenas, das quais o Sr. Borreau acabou por se cansar, achando que ficava muito caro, o que o levou a esta reflexão: As preces ditas por ele próprio podiam ter toda a eficácia e nada custariam.

Hoje, que o Espiritismo veio esclarecer todas essas questões, cada um dos parágrafos da brochura poderiam dar lugar a um comentário instrutivo, mas dois números inteiros da Revista dificilmente bastariam. Talvez um dia empreendamos esse trabalho. Enquanto isto, qualquer pessoaversada no conhecimento dos princípios do Espiritismo poderá tirar suas próprias conclusões. Para tanto, remetemos ao Cap. XXVI do Livro dos médiuns e, notadamente aos §§ 294 e 295, bem como às reflexões que acompanham o artigo sobre a sociedade alemã dos pesquisadores de tesouros, publicado na Revista de outubro de 1864.

Diz o Sr. Borreau que o seu fim único era vencer a incredulidade no magnetismo. Entretanto, posto não tenha tido êxito, o magnetismo e o sonambulismo não deixaram de fazer o seu caminho. Malgrado a oposição sistemática de alguns cientistas, os fenômenos dessa ordem hoje passaram ao estado de fatos e aceitos pela massa e por grande número de médicos. As curas magnéticas são admitidas, mesmo no mundo oficial; alguns contestam, ainda por espírito de oposição, mas já não riem; tanto é certo que o que é verdade, mais cedo ou mais tarde deve triunfar.

O êxito das tentativas do Sr. Borreau não era, pois, necessário. Ele não atingiu o seu objetivo porque um fato isolado não pode fazer lei, e aos incrédulos não teriam faltado razões para atribuí-lo a qualquer outra causa que não a verdadeira. Dizemos mais: o êxito teria sido deplorável para o magnetismo.

Um princípio novo só é digno de crédito pela multiplicidade dos fatos. Ora, a possibilidade de uma pessoa descobrir um tesouro implicaria nessa possibilidade para todo mundo. Para melhor convencer-se, cada um teria desejado experimentar. Nada mais natural, pois teriam podido enriquecer prontamente e com muita facilidade! Os preguiçosos aí teriam achado fortuna e os ladrões também, pois, por que a lucidez teria parado ante o direito de propriedade? A cupidez, já no estado de flagelo, não precisava desse novo estimulante. A Providência não o quis. Mas como o magnetismo é uma lei da Natureza, ele triunfou pela força das coisas. Sua propagação é devida sobretudo à sua força curativa; por aí ela tem um fim humanitário e não egoísta, como o é necessariamente o interesse do lucro. Os inúmeros fatos de cura que se repetem em todos os pontos do globo, fizeram mais por seu crédito do que o teria feito a descoberta do maior tesouro, ou mesmo as mais curiosas experiências, porque todo mundo pode aproveitar os seus benefícios, ao passo que não há tesouros para todos, e a própria curiosidade se cansa. Jesus fez mais prosélitos curando doentes do que pelo milagre das bodas de Canaã. Assim é com o Espiritismo. Aqueles que ele traz a si pela consolação estão para os que recruta pela curiosidade na proporção de 100 por 1.

Essas tentativas, mesmo que infrutíferas do ponto de vista material, deixaram de ter proveito para o Sr. Borreau? Eis o que ele mesmo diz a respeito:

“Todas essas reflexões de tal modo haviam ensombreado o meu espírito, habitualmente tão alegre, que me tornei, no resto da viagem, triste, sonhador e injusto a ponto de lamentar ter dado, em meu pensamento, acolhida a essa ideia fixa que me tinha lançado em todas as tribulações desses caminhos desconhecidos. O que ganhei em tudo isto? perguntava-me amargurado. O conhecimento, é verdade, de um mundo que eu desconhecia, e a possibilidade de me pôr em contacto com os seres que o compõem. Mas, depois de tudo, esse mundo, assim como o nosso, deve ter seus bons e seus maus Espíritos. Quem me dá a certeza de que, malgrado o interesse que parece nos trazer e todas as suas belas e benevolentes palavras, aquele que parece ter-se imposto a nós não tenha senão boas intenções, e o poder, como ele diz, de conduzir-nos ao brilhante êxito que sonhei, e que talvez só me tenha inspirado para me seduzir e me induzir em erro?”

Então nada significa a constatação do mundo invisível, da coisa que interessa no mais alto grau ao futuro da Humanidade inteira, pois toda a Humanidade aí chega? Não é um resultado imenso a descoberta dessa chave de todos os problemas contra os quais até hoje se choca a Filosofia? Não é um favor imenso ter sido um dos primeiros chamados a esse conhecimento? Não é um grande serviço prestado à causa do Magnetismo, involuntariamente é verdade, ter fornecido às suas custas uma nova prova, entre outras mil, da impossibilidade de êxito em semelhantes casos, e de desviar os que fossem tentados a fazer semelhantes ensaios de alimentar esperanças quiméricas? Foi a esse resultado que chegaram as laboriosas pesquisas do Sr. Borreau. Se ele não encontrou tesouros para esta vida, encontrou outro mil vezes mais precioso para a outra, porque aquele que ele tivesse encontrado na Terra, ao partir ele teria sido forçado a deixá-lo aqui, ao passo que levará consigo um tesouro imperecível. Está ele satisfeito com isto? Nós o ignoramos.

Seja como for, não podemos deixar de estabelecer um paralelo entre este fato e o velho da fábula que disse aos seus três filhos que um tesouro estava oculto no campo que lhes deixava de herança. Então, dois deles se puseram a cavar o seu quinhão, mas não encontraram nenhum de tesouro. O terceiro, mais sábio, lavrou o seu com cuidado, tão bem que ao cabo de um ano ele lhe deu muito lucro. Daí a máxima: “Trabalhai, fazei esforços; o essencial é o que menos falta.” O Espírito fez como o velho, e, em nossa opinião, o Sr. Borreau encontrou o verdadeiro tesouro.

Nossa crítica em nada atinge a pessoa do Sr. Borreau, que de longa data conhecemos, e temos como digno de estima em todos os sentidos. Apenas quisemos mostrar a moralidade que ressalta de suas experiências, em proveito da ciência e de cada um em particular. Sob esse ponto de vista, sua brochura é eminentemente instrutiva, ao mesmo tempo que interessante, pelos notáveis fenômenos que constata. Eis por que a recomendamos aos nossos leitores.


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(1) Brochura in-8o Preço: 2 fr. – Niort: todas as livrarias; Paris: Didier & Cie, 35, quai des Augustins; Ledoyen, Palais-Royal.



Tal é o título de um novo jornal que se publica em Bruxelas, no formato dos grandes jornais, sob a direção dos Srs. Balibran e Roselli, nomes que são, ao mesmo tempo, um programa e uma recomendação para a especialidade dessa folha. Não é como órgão das Artes que queremos apreciá-lo. Nesse aspecto, recorremos a pessoas mais competentes do que nós, e que o julgam à altura de seu título. Com efeito, ele não poderia ser confundido com essas folhas levianas que, sob a bandeira da Literatura, dão aos seus leitores mais facécias do que fundo, e por vezes, mais brancos do que texto. O Monde Musical é um jornal sério, onde todas as questões de seu programa são tratadas de maneira substancial e por mãos hábeis. Esta consideração não deixa de ter importância para nós.

Esse jornal é um primeiro passo da imprensa independente na via do Espiritismo. Sem se dizer órgão e propagador da doutrina, ele fez este raciocínio judicioso:

“Verdadeiro ou falso, o Espiritismo ocupou um lugar entre os fatos da atualidade que preocupam a opinião. As tempestades que desencadeia num certo mundo provam que não é isento de importância; sua propagação, malgrado os ataques do clero, prova que não é um fogo de palha; pelo número de seus aderentes, já se torna uma potência com a qual será preciso contar, mais cedo ou mais tarde. Se for um erro, cairá por si; se for uma verdade, é inevitavelmente uma revolução nas ideias, e nada se lhe poderia opor. Numa e noutra destas duas alternativas, devemos, a título de informação, pôr os nossos leitores ao corrente do estado da questão. Entre falar disto ou de outra coisa, seria melhor, em nossa opinião, tratar deste assunto do que difundir a crônica escandalosa dos bastidores ou dos salões.

“Para pôr nossos leitores em condições de julgar com conhecimento de causa, extraímos a maior parte de nossas citações dos escritos que fazem fé entre os adeptos dessa doutrina; mas, como não devemos nem queremos forçar a opinião de ninguém, nem pró nem contra, admitiremos a controvérsia, quando não se afastar dos limites de uma discussão conveniente e honesta. Mantendo-nos no terreno da imparcialidade, cada um fica livre em suas convicções. As opiniões favoráveis ou contrárias que pudessem ser formuladas em certos artigos devem ser consideradas como pessoais aos seus respectivos autores e em nada comprometem a responsabilidade do jornal.”

Tal é o resumo do programa que nos foi apresentado e que só podemos aplaudir. Seria desejável que este exemplo tivesse imitadores na imprensa; o que nela censuramos não é a discussão dos nossos princípios, mas a crítica cega e sistematicamente malévola que deles fazem sem conhecê-los e que os desnatura de maneira pouco leal. Os jornais que entrarem francamente nesse caminho, longe de com isto perderem, só poderão ganhar materialmente, porque os espíritas hoje formam uma massa de leitores cada vez mais preponderante, e cuja simpatia irá naturalmente para o seu lado.

Sob este aspecto, o Monde Musical merece encorajamento.

NOTA: O Monde Musical aparece aos domingos, desde o dia 1.º de outubro de 1864. Preço da assinatura: 4 francos por ano para a Bélgica; 10 francos para a França. Pode-se assinar a partir do dia 1.º de cada mês; em Bruxelas, no escritório na Rua de l’Êcuyer, nº. 18; em Paris, na agência do jornal, Rua de Buffaut, 9.

Formou-se uma sociedade para a exploração desse jornal, com o capital de 60.000 francos, dividido em 2.400 ações de 25 francos cada uma.


Fotografia de um desenho do local, representando a cerimônia do auto-de-fé dos livros espíritas em Barcelona, com resumo da ata escrita de próprio punho pelo Sr. Allan Kardec.

Preço: l,25 francos, isento de porte de correio para a França e a Argélia; porte e embalagem l, 50 franco.

No escritório da Revista Espírita.


A propósito da imitação do evangelho
(Bordéus, maio de 1864. Grupo de S. João - Médium: Sr. Rul)

Um novo livro acaba de aparecer. É uma luz mais brilhante que vem clarear a vossa marcha. Há dezoito séculos vim, por ordem de meu Pai, trazer a palavra de Deus aos homens de vontade. Essa palavra foi esquecida pela maioria, e a incredulidade, o materialismo vieram abafar o bom grão que eu tinha depositado em vossa Terra. Hoje, por ordem do Eterno, os bons Espíritos, seus mensageiros, vêm a todos os pontos da Terra fazer ouvir a trombeta retumbante. Escutai suas vozes; elas são destinadas a mostrar-vos o caminho que conduz aos pés do Pai celeste. Sede dóceis aos seus ensinamentos; os tempos preditos são chegados; todas as profecias serão cumpridas.

Pelos frutos se reconhece a árvore. Vede quais são os frutos do Espiritismo: casais onde a discórdia tinha substituído a harmonia voltaram à paz e à felicidade; homens que sucumbiam ao peso de suas aflições, despertados pelos acordes melodiosos das vozes de além-túmulo, compreenderam que seguiam por um caminho errado e, envergonhados de suas fraquezas, arrependeram-se e pediram ao Senhor a força para suportar suas provações.

Provas e expiações, eis a condição do homem na Terra. Expiação do passado, provas para fortalecê-lo contra a tentação; para desenvolver o Espírito pela atividade da luta; para habituá-lo a dominar a matéria e prepará-lo para os prazeres puros que o esperam no mundo dos Espíritos.

Há várias moradas na casa de meu Pai, disse-lhes eu há dezoito séculos. Estas palavras, o Espiritismo veio fazê-las compreendidas. E vós, meus bem-amados, trabalhadores que suportais o calor do dia, que credes ter que vos lamentar da injustiça da sorte, bendizei vossos sofrimentos; agradecei a Deus, que vos dá meios de resgatar as dívidas do passado; orai, não com os lábios, mas com o coração melhorado, para vir ocupar melhor lugar na casa de meu Pai, porque os grandes serão humilhados, mas, como sabeis, os pequenos e os humildes serão exaltados.

O Espírito de Verdade



OBSERVAÇÃO: Sabe-se que assumimos menos responsabilidade pelos nomes quando pertencem a seres mais elevados. Não garantimos mais essas assinaturas do que muitas outras, limitando-nos a entregar tal comunicação à apreciação de cada espírita esclarecido. Contudo. diremos que não é possível desconhecer nela a elevação do pensamento, a nobreza e a simplicidade das expressões, a sobriedade da linguagem, a ausência de superfluidade. Se ela for comparada com as que foram inseridas na Imitação do Evangelho (prefácio e Cap. III: O Cristo Consolador), e que levam a mesma assinatura, posto obtidas por médiuns diferentes e em épocas diversas, nota-se entre elas uma analogia marcante de tom, de estilo e de pensamentos, que acusa uma origem única. De nossa parte, dizemos que pode ser do Espírito de Verdade, porque é digna dele, ao passo que temos visto muitas assinadas por este nome venerado ou o de Jesus, cuja prolixidade, verbiagem, vulgaridade, por vezes mesmo a trivialidade das ideias, traem a origem apócrifa aos olhos dos menos clarividentes. Só uma fascinação completa pode explicar a cegueira dos que se deixam apanhar, se não também o orgulho de julgar-se infalível e intérprete privilegiado dos puros Espíritos, orgulho sempre punido, mais cedo ou mais tarde, pelas decepções, pelas mistificações ridículas e por desgraças reais nesta vida. À vista desses nomes venerados, o primeiro sentimento do médium modesto é o de dúvida, porque ele não se julga digno de tal favor.


Esta subscrição encerrou-se a 1.º de dezembro, como anunciamos no último número da Revista. O montante elevou-se a 255 francos.

Faremos notar que em razão das férias da Sociedade, no momento do desastre, a subscrição não pôde ser aberta senão na reabertura e anunciada na Revista do mês de outubro. Nessa época, cada um já se tinha apressado em fazer sua oferenda aos vários centros de subscrição, o que explica a modicidade da cifra obtida que, pela subscrição ruanesa, se havia elevado a 2.833 francos. A quase totalidade dos subscritores guardou o anonimato, pelo que não publicamos lista nominativa. Contudo, mencionaremos a que inscreveu 50 francos, sob o título de Produto da jornada de um fotógrafo do interior, com a recomendação de não mencionar nem mesmo o nome da cidade. A subscrição será entregue em nome da Sociedade Espírita de Paris.



ALLAN KARDEC


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