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Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1864 > Junho > Algumas refutações
Algumas refutações
A história registrará a lógica singular dos contraditores do Espiritismo, da qual vamos dar alguns exemplos.
Do departamento de Haute-Marne mandam-nos a ordenação do Sr. Bispo de Langres, onde se nota a seguinte passagem:
“...A fé, eis o que os homens que se dizem amigos da Humanidade, da liberdade e do progresso, mas que, na realidade, a Sociedade deve contar entre seus mais perigosos inimigos, se esforçam, por todos os meios, para arrancar do coração das populações cristãs. Porque, é preciso dizer, nossos caríssimos irmãos, e é nosso dever, a nós que somos encarregado de velar pela guarda de vossas almas, disso vos advertir, a fim de que os nossos avisos vos tornem prudentes e precavidos, que talvez jamais se tenha visto uma conspiração mais odiosa, mais vasta, mais perigosa, mais sabiamente, isto é, mais satanicamente organizada contra a fé católica do que aquela que hoje existe. Conspiração de sociedades secretas que trabalham na sombra para aniquilar o Catolicismo, se elas pudessem; conspiração do Protestantismo que, por uma propaganda ativa, busca insinuar-se por toda parte; conspiração dos filósofos racionalistas e anticristãos, que rejeitam, sem razão e contra toda razão, o sobrenatural e a religião revelada, e que se esforçam por fazer prevalecer no mundo letrado sua falsa e funesta doutrina; conspiração das sociedades espíritas que, pela superstição prática da evocação dos Espíritos, entregam-se e incitam os outros a entregar-se à pérfida maldade do espírito de mentira e de erro; conspiração de uma literatura ímpia ou corruptora; conspiração dos maus jornais e dos maus livros, que se propagam de modo apavorante, à sombra de uma tolerância ou de uma liberdade gabada como progresso do século, como conquista do que chamam espírito moderno, e que não é senão encorajamento para o gênio do mal, um justo motivo de dor para uma nação católica, uma cilada e um perigo muito evidente para todos os fiéis de qualquer classe, não suficientemente instruídos na religião, cujo número infelizmente é grande; conspiração, enfim, desse materialismo prático que não vê, que não busca, que não persegue senão o interesse do corpo e o bem-estar físico; que não mais se ocupa da alma e de seu destino, como se ele não existisse, e cujo exemplo pernicioso seduz e arrasta facilmente as massas. Tais são, à primeira vista, caríssimos irmãos, os perigos que hoje corre a fé... etc.”
Estamos de perfeito acordo com o senhor bispo no que toca às funestas consequências do materialismo, mas é de admirar vê-lo confundir na mesma reprovação o materialismo, que tudo nega: a alma, o futuro, Deus, a Providência, com o Espiritismo, que vem combatê-lo e dele triunfa pelas provas materiais que ele dá, da existência da alma, precisamente com o auxílio dessas mesmas evocações supostamente supersticiosas. Será talvez por que ele triunfa onde a Igreja é impotente? Partilharia o senhor bispo da opinião daquele eclesiástico que dizia do púlpito: “Prefiro saber-vos fora da Igreja do que vos ver entrar para o Espiritismo!” E deste outro que dizia: “Prefiro um ateu, que em nada crê, a um espírita que crê em Deus e em sua alma.” É uma opinião como qualquer outra, e gostos não se discutem. Seja qual for a opinião do senhor bispo sobre este ponto, ficaríamos encantados se ele se dignasse responder às duas questões seguintes: “Como é que com o auxílio dos poderosos meios de ensino que a Igreja possui para fazer brilhar a verdade aos olhos de todos, não pôde ela deter o materialismo, ao passo que o Espiritismo, nascido ontem, diariamente converte incrédulos endurecidos? ─ O meio pelo qual se atinge um objetivo é pior do que aquele com cujo auxílio não se consegue?”
O senhor bispo enumera grande número de conspirações que se erguem ameaçadoras contra a religião. Certamente ele não refletiu que, por esse quadro tão ameaçador para os fiéis, ele vai precisamente contra o seu objetivo, e pode até provocar nestes últimos reflexões prejudiciais. Escutando-o, deduz-se que em breve os conspiradores seriam mais numerosos.
Ora, o que aconteceria num Estado se toda a nação conspirasse? Se a religião se vê atacada por tão numerosas coortes, isto não deporia a favor das simpatias que ela encontra. Dizer que a fé ortodoxa está ameaçada é confessar a fraqueza de seus argumentos. Se ela é fundada na verdade absoluta, ela não pode temer nenhum argumento contrário. Dar alarme em tal caso é falta de habilidade.
Do departamento de Haute-Marne mandam-nos a ordenação do Sr. Bispo de Langres, onde se nota a seguinte passagem:
“...A fé, eis o que os homens que se dizem amigos da Humanidade, da liberdade e do progresso, mas que, na realidade, a Sociedade deve contar entre seus mais perigosos inimigos, se esforçam, por todos os meios, para arrancar do coração das populações cristãs. Porque, é preciso dizer, nossos caríssimos irmãos, e é nosso dever, a nós que somos encarregado de velar pela guarda de vossas almas, disso vos advertir, a fim de que os nossos avisos vos tornem prudentes e precavidos, que talvez jamais se tenha visto uma conspiração mais odiosa, mais vasta, mais perigosa, mais sabiamente, isto é, mais satanicamente organizada contra a fé católica do que aquela que hoje existe. Conspiração de sociedades secretas que trabalham na sombra para aniquilar o Catolicismo, se elas pudessem; conspiração do Protestantismo que, por uma propaganda ativa, busca insinuar-se por toda parte; conspiração dos filósofos racionalistas e anticristãos, que rejeitam, sem razão e contra toda razão, o sobrenatural e a religião revelada, e que se esforçam por fazer prevalecer no mundo letrado sua falsa e funesta doutrina; conspiração das sociedades espíritas que, pela superstição prática da evocação dos Espíritos, entregam-se e incitam os outros a entregar-se à pérfida maldade do espírito de mentira e de erro; conspiração de uma literatura ímpia ou corruptora; conspiração dos maus jornais e dos maus livros, que se propagam de modo apavorante, à sombra de uma tolerância ou de uma liberdade gabada como progresso do século, como conquista do que chamam espírito moderno, e que não é senão encorajamento para o gênio do mal, um justo motivo de dor para uma nação católica, uma cilada e um perigo muito evidente para todos os fiéis de qualquer classe, não suficientemente instruídos na religião, cujo número infelizmente é grande; conspiração, enfim, desse materialismo prático que não vê, que não busca, que não persegue senão o interesse do corpo e o bem-estar físico; que não mais se ocupa da alma e de seu destino, como se ele não existisse, e cujo exemplo pernicioso seduz e arrasta facilmente as massas. Tais são, à primeira vista, caríssimos irmãos, os perigos que hoje corre a fé... etc.”
Estamos de perfeito acordo com o senhor bispo no que toca às funestas consequências do materialismo, mas é de admirar vê-lo confundir na mesma reprovação o materialismo, que tudo nega: a alma, o futuro, Deus, a Providência, com o Espiritismo, que vem combatê-lo e dele triunfa pelas provas materiais que ele dá, da existência da alma, precisamente com o auxílio dessas mesmas evocações supostamente supersticiosas. Será talvez por que ele triunfa onde a Igreja é impotente? Partilharia o senhor bispo da opinião daquele eclesiástico que dizia do púlpito: “Prefiro saber-vos fora da Igreja do que vos ver entrar para o Espiritismo!” E deste outro que dizia: “Prefiro um ateu, que em nada crê, a um espírita que crê em Deus e em sua alma.” É uma opinião como qualquer outra, e gostos não se discutem. Seja qual for a opinião do senhor bispo sobre este ponto, ficaríamos encantados se ele se dignasse responder às duas questões seguintes: “Como é que com o auxílio dos poderosos meios de ensino que a Igreja possui para fazer brilhar a verdade aos olhos de todos, não pôde ela deter o materialismo, ao passo que o Espiritismo, nascido ontem, diariamente converte incrédulos endurecidos? ─ O meio pelo qual se atinge um objetivo é pior do que aquele com cujo auxílio não se consegue?”
O senhor bispo enumera grande número de conspirações que se erguem ameaçadoras contra a religião. Certamente ele não refletiu que, por esse quadro tão ameaçador para os fiéis, ele vai precisamente contra o seu objetivo, e pode até provocar nestes últimos reflexões prejudiciais. Escutando-o, deduz-se que em breve os conspiradores seriam mais numerosos.
Ora, o que aconteceria num Estado se toda a nação conspirasse? Se a religião se vê atacada por tão numerosas coortes, isto não deporia a favor das simpatias que ela encontra. Dizer que a fé ortodoxa está ameaçada é confessar a fraqueza de seus argumentos. Se ela é fundada na verdade absoluta, ela não pode temer nenhum argumento contrário. Dar alarme em tal caso é falta de habilidade.
Num catecismo de perseverança da diocese de Langres, ao tratar da ordenação relatada no artigo acima, foi dada uma instrução sobre o Espiritismo, como assunto a ser tratado pelos alunos.
Eis a narração textual de um deles:
“O Espiritismo é obra do diabo, que o inventou. Entregar-se a isto é pôr-se em contacto direto com o demônio. Superstição diabólica! Por vezes Deus permite essas coisas para reavivar a fé dos fiéis. O demônio faz-se bom, faz-se santo, cita palavras das Escrituras sagradas.”
Esse meio de reanimar a fé nos parece muito mal escolhido.
“Tertuliano, que viveu no segundo século, conta que faziam falar as cabras e as mesas; é a essência da idolatria. Essas operações satânicas eram raras em certos países cristãos e hoje são muito comuns. Esse poder do demônio mostrou-se em todo o seu brilho com o aparecimento do protestantismo.”
Eis crianças bem convencidas do grande poder do demônio. Não seria o caso de temer que isto lhes fizesse duvidar um pouco do poder de Deus, quando se vê o demônio tantas vezes levar a melhor sobre ele?
“O Espiritismo nasceu na América, no seio de uma família protestante, chamada Fox. A princípio o demônio apareceu com batidas que sobressaltavam. Por fim, impacientados com as batidas, procuraram o que podia ser. Um dia a filha do Sr. Fox pôs-se a dizer: ‘Bata aqui, bata ali’, e ele batia onde ela queria.”
Sempre a excitação contra os protestantes! Assim, eis crianças educadas pela religião no ódio contra uma parte de seus concidadãos, por vezes contra membros de sua própria família! Felizmente o espírito de tolerância que reina em nossa época o contrabalança, sem o que veríamos a renovação das cenas sangrentas dos séculos passados.
“Em breve essa heresia vulgarizou-se; em breve tinha quinhentos mil sectários. Os Espíritos invisíveis se permitiam fazer toda sorte de coisas. Ao simples pedido de uma criatura, moviam-se mesas cobertas por centenas de livros; viam-se mãos sem corpo. Eis o que se passou na América, e isto veio para a França pela Espanha. Logo o Espírito foi forçado por Deus e os anjos a dizer que ele era o diabo, a fim de que ele não apanhasse em suas armadilhas as pessoas direitas.”
Julgamo-nos bem ao par da marcha do Espiritismo e jamais ouvimos dizer que tivesse chegado à França pela Espanha. Seria um ponto a retificar na história do Espiritismo?
Pela confissão dos adversários do Espiritismo, vê-se com que rapidez a ideia nova ganhava terreno. Uma ideia que, apenas surgida, conquista quinhentos mil partidários não é sem valor, e prova o caminho que fará mais tarde. Assim, dez anos depois, um deles eleva a cifra para vinte milhões só na França, e prediz que em pouco a heresia terá ganho os outros vinte milhões. (Vide a Revista Espírita de junho de 1863). Mas então, se todo o mundo é herético, que restará para a ortodoxia? Não seria o caso de aplicar a máxima: Quando todo mundo está errado, todo o mundo tem razão? Que teria respondido o instrutor se um menino terrível de seu auditório juvenil lhe tivesse feito a pergunta:
─ Como é que na primeira pregação de São Pedro ele converteu apenas três mil judeus, enquanto o Espiritismo, que é obra de Satã, fez imediatamente quinhentos mil adeptos? Seria Satã mais poderoso do que Deus?
Talvez ele lhe tivesse respondido:
─ É porque eles eram protestantes.
“Satã diz que é um bom Espírito, mas é um mentiroso. Um dia quiseram que a mesa falasse; ela não quis responder; pensaram que a presença de padres a impedia.
Por fim, vieram duas batidas, advertindo que o Espírito lá estava. Perguntaram-lhe:
─ “Jesus Cristo é filho de Deus?
─ “Não.
─ “Reconheces a santa eucaristia?
─ “Sim.
─ “A morte de Jesus Cristo aumentou os teus sofrimentos?
─ “Sim.”
Então há padres que assistem a essas sessões diabólicas. O menino terrível poderia ter perguntado por que, quando eles vêm, eles não fazem o diabo fugir?
“Eis uma cena diabólica.” Eis o que dizia o Sr. Allan Kardec: “A libertinagem dos Espíritos mistificadores ultrapassa tudo quanto se possa imaginar. Havia dois Espíritos, um representando o bom, outro, o mau. Ao cabo de alguns meses disse um deles:
“─ Estou farto de vos repetir palavras melosas, que não aceito.
“─ Então és o Espírito do mal?
“─ Sim.
“─ Não sofres falando de Deus, da virgem e dos Santos?
“─ Sim.
“─ Queres o bem ou o mal?
“─ O mal.
“─ Não és o Espírito que falava há pouco?
“─ Não.
“─ Onde estás?
“─ No inferno.
“─ Sofres?
“─ Sim.
“─ Sempre?
“─ Sim.
“─ Estás submetido a Jesus Cristo?
“─ Não, a Lúcifer.
“─ Ele é eterno?
“─ Não.
“─ Gostas do que tenho na mão? (eram medalhas da santa Virgem)
“─ Não. Julguei inspirar-vos confiança; o inferno me reclama; adeus!”
Sem dúvida esse relato é dramático, mas seria muito hábil aquele que provasse que temos algo com isso. É triste ver a que expedientes são obrigados a recorrer para dar fé. Eles esquecem que essas crianças crescerão e refletirão. A fé que repousa sobre tais provas tem razão de temer as conspirações.
“Acabamos de ver o Espírito do mal forçado a confessar o que é. Eis outra frase que o lápis na mão do médium escrevia: ‘Se queres entregar-te a mim, alma, espírito e corpo, satisfarei os teus desejos; se queres estar comigo, escreve teu nome embaixo do meu’; e ele escrevia: Giefle ou Satã. O médium tremia e não escrevia.
Ele tinha razão. Todas as sessões terminam por estas palavras:
“─ Queres aderir?
“O demônio queria que fizessem um pacto com ele. Um dia ele disse a alguém:
“─ Entrega-me a tua alma!
“─ Quem és tu?
“─ Sou o demônio.
“─ Que queres?
“─ Possuir-te. O purgatório não existe. Os celerados, os maus, tudo isto no Céu.”
Que dirão essas crianças quando testemunharem algumas evocações e, em vez de um pacto infernal, ouvirem isto dos Espíritos: “Amai a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a vós mesmos; praticai a caridade ensinada pelo Cristo; sede bons para com todos, mesmo os vossos inimigos; orai a Deus e segui os seus mandamentos para serdes felizes neste mundo e no outro?”
“Todos esses prodígios, todas essas coisas extraordinárias vêm dos Espíritos das trevas. O Sr. Home, espírita fervoroso, nos diz que por vezes o solo trepida sob os seus pés, os apartamentos tremem, as pessoas se arrepiam; uma invisível mão apalpa-vos os joelhos e os ombros; uma mesa pula. Perguntam: “─ Estás aí?
“─ Sim.
“─ Dá provas.
“E a mesa se ergue duas vezes!”
Uma vez mais, isto tudo é muito dramático. No entanto, entre os jovens ouvintes, mais de um sem dúvida desejou ver e não perderá a primeira oportunidade. Também serão encontradas mocinhas impressionáveis, de organização delicada, que, ao menor prurido, julgarão sentir a mão do diabo e sentir-se-ão mal.
“Todas essas coisas são ridículas. A Santa Igreja, mãe de todos nós, nos faz ver que isto não passa de mentira.”
Se tudo isto for ridículo e mentiroso, por que então dar tanta importância? Por que apavorar as crianças com quadros sem nenhuma realidade? Se há mentira, não é nesses mesmos quadros?
“Por exemplo, a evocação dos mortos. Não se deve crer que sejam os nossos parentes que nos falam: é Satã que fala e se dá por um morto. Certamente estamos em comunicação pela comunhão dos santos. Na vida dos santos temos exemplos de aparições de mortos, mas é um milagre da sabedoria divina, e esses milagres são raros. Eis o que se diz: Às vezes os demônios se manifestam como se fossem os mortos, e às vezes também como se fossem os santos.”
Às vezes não é sempre, portanto, pode acontecer que o Espírito que se comunica não seja um demônio.
“Eles podem fazer muitas outras coisas. Um dia um médium que não sabia desenhar reproduziu, com a mão conduzida por um Espírito, as figuras de Jesus Cristo e da Santa Virgem que, apresentadas a alguns dos nossos melhores artistas, foram julgadas dignas de ser expostas.”
Ouvindo isto, um aluno bem poderia pensar: Ah! Se um Espírito pudesse guiar a minha mão para fazer meu dever e ganhar um prêmio! Tentemos!
“Saul consultou a Pitoniza de Endor e Deus permitiu que Samuel lhe aparecesse para dizer: Por que perturbas o meu repouso? Amanhã estarás comigo no túmulo. Nossos Saúis de salão bem deveriam pensar nesta história. São Felipe de Neri nos diz: Se a Santa Virgem vos aparecesse, ou mesmo Nosso Senhor Jesus Cristo, cuspi-lhe no rosto, pois seria apenas uma trapaça do demônio para vos induzir em erro.”
A que se reduz, então, a aparição de Nossa Senhora da Salete a duas pobres crianças? Conforme essa instrução do catecismo, deveriam ter-lhe cuspido no rosto.
“Nosso santo padre o Papa Pio IX proibiu expressamente dar-se a essas coisas. O Sr. Bispo de Langres, e ainda muitos outros fizeram o mesmo. Há perigo de vida. Dois velhos suicidaram-se porque os Espíritos lhes haviam dito que depois da morte gozariam de uma felicidade infinita. Perigo para a razão. Vários médiuns enlouqueceram e numa casa de alienados contavam-se mais de quarenta indivíduos que o Espiritismo havia enlouquecido.”
Ainda não conhecemos a bula papal que proíbe expressamente de ocupar-se com essas coisas. Se ela existisse, o Sr. Bispo de Langres e os outros não teriam deixado de mencioná-la. A história dos dois velhos, a que se faz alusão, é inexata. Foi provado, por documentos oficiais apresentados ao tribunal, e notadamente por cartas por eles escritas antes da morte, que se suicidavam em consequência de perdas de dinheiro e do medo de cair na miséria (Vide a Revista espírita de abril de 1863). A história dos quarenta indivíduos fechados numa casa de alienados não é mais verdadeira. Seria muito difícil justificar pelos nomes desses pretensos loucos, que um primeiro jornal fixou em quatro, um segundo em quarenta, um terceiro em quatrocentos e um quinto disse que trabalhavam na ampliação do hospício. Um instrutor de catecismo deveria colher seus dados históricos em fonte outra que os boatos dos jornais. As crianças a quem contam seriamente essas coisas as aceitam com confiança. Entretanto, quanto maior a confiança, mais forte a reação contrária quando, mais tarde, vierem a saber a verdade. Isto é dito em sentido geral e não exclusivamente quanto ao Espiritismo.
Se analisamos este trabalho de um rapazinho, fique bem entendido que não é a opinião dessa criança que refutamos, mas aquela da qual essa narração é um resumo. Se fossem investigadas com cuidado todas as instruções dessa natureza, ficaríamos menos admirados dos frutos colhidos mais tarde. Para instruir a infância é necessário grande tato e muita experiência, porque não se imagina o alcance que poderá ter uma só palavra imprudente que, como um grão de erva daninha, germina nessas jovens imaginações como em terra virgem.
Parece que os adversários do Espiritismo não acham que a ideia esteja bastante espalhada. Dir-se-ia que, malgrado seu, são impelidos a engendrar meios de divulgála ainda mais. Depois dos sermões, cujo resultado é conhecido, não se podia achar um meio mais eficaz do que fazê-lo tema de instruções e deveres de catecismo. Os sermões atuam sobre a geração que se vai. As instruções predispõem a geração que chega. Erraríamos se as víssemos com desagrado.
Eis a narração textual de um deles:
“O Espiritismo é obra do diabo, que o inventou. Entregar-se a isto é pôr-se em contacto direto com o demônio. Superstição diabólica! Por vezes Deus permite essas coisas para reavivar a fé dos fiéis. O demônio faz-se bom, faz-se santo, cita palavras das Escrituras sagradas.”
Esse meio de reanimar a fé nos parece muito mal escolhido.
“Tertuliano, que viveu no segundo século, conta que faziam falar as cabras e as mesas; é a essência da idolatria. Essas operações satânicas eram raras em certos países cristãos e hoje são muito comuns. Esse poder do demônio mostrou-se em todo o seu brilho com o aparecimento do protestantismo.”
Eis crianças bem convencidas do grande poder do demônio. Não seria o caso de temer que isto lhes fizesse duvidar um pouco do poder de Deus, quando se vê o demônio tantas vezes levar a melhor sobre ele?
“O Espiritismo nasceu na América, no seio de uma família protestante, chamada Fox. A princípio o demônio apareceu com batidas que sobressaltavam. Por fim, impacientados com as batidas, procuraram o que podia ser. Um dia a filha do Sr. Fox pôs-se a dizer: ‘Bata aqui, bata ali’, e ele batia onde ela queria.”
Sempre a excitação contra os protestantes! Assim, eis crianças educadas pela religião no ódio contra uma parte de seus concidadãos, por vezes contra membros de sua própria família! Felizmente o espírito de tolerância que reina em nossa época o contrabalança, sem o que veríamos a renovação das cenas sangrentas dos séculos passados.
“Em breve essa heresia vulgarizou-se; em breve tinha quinhentos mil sectários. Os Espíritos invisíveis se permitiam fazer toda sorte de coisas. Ao simples pedido de uma criatura, moviam-se mesas cobertas por centenas de livros; viam-se mãos sem corpo. Eis o que se passou na América, e isto veio para a França pela Espanha. Logo o Espírito foi forçado por Deus e os anjos a dizer que ele era o diabo, a fim de que ele não apanhasse em suas armadilhas as pessoas direitas.”
Julgamo-nos bem ao par da marcha do Espiritismo e jamais ouvimos dizer que tivesse chegado à França pela Espanha. Seria um ponto a retificar na história do Espiritismo?
Pela confissão dos adversários do Espiritismo, vê-se com que rapidez a ideia nova ganhava terreno. Uma ideia que, apenas surgida, conquista quinhentos mil partidários não é sem valor, e prova o caminho que fará mais tarde. Assim, dez anos depois, um deles eleva a cifra para vinte milhões só na França, e prediz que em pouco a heresia terá ganho os outros vinte milhões. (Vide a Revista Espírita de junho de 1863). Mas então, se todo o mundo é herético, que restará para a ortodoxia? Não seria o caso de aplicar a máxima: Quando todo mundo está errado, todo o mundo tem razão? Que teria respondido o instrutor se um menino terrível de seu auditório juvenil lhe tivesse feito a pergunta:
─ Como é que na primeira pregação de São Pedro ele converteu apenas três mil judeus, enquanto o Espiritismo, que é obra de Satã, fez imediatamente quinhentos mil adeptos? Seria Satã mais poderoso do que Deus?
Talvez ele lhe tivesse respondido:
─ É porque eles eram protestantes.
“Satã diz que é um bom Espírito, mas é um mentiroso. Um dia quiseram que a mesa falasse; ela não quis responder; pensaram que a presença de padres a impedia.
Por fim, vieram duas batidas, advertindo que o Espírito lá estava. Perguntaram-lhe:
─ “Jesus Cristo é filho de Deus?
─ “Não.
─ “Reconheces a santa eucaristia?
─ “Sim.
─ “A morte de Jesus Cristo aumentou os teus sofrimentos?
─ “Sim.”
Então há padres que assistem a essas sessões diabólicas. O menino terrível poderia ter perguntado por que, quando eles vêm, eles não fazem o diabo fugir?
“Eis uma cena diabólica.” Eis o que dizia o Sr. Allan Kardec: “A libertinagem dos Espíritos mistificadores ultrapassa tudo quanto se possa imaginar. Havia dois Espíritos, um representando o bom, outro, o mau. Ao cabo de alguns meses disse um deles:
“─ Estou farto de vos repetir palavras melosas, que não aceito.
“─ Então és o Espírito do mal?
“─ Sim.
“─ Não sofres falando de Deus, da virgem e dos Santos?
“─ Sim.
“─ Queres o bem ou o mal?
“─ O mal.
“─ Não és o Espírito que falava há pouco?
“─ Não.
“─ Onde estás?
“─ No inferno.
“─ Sofres?
“─ Sim.
“─ Sempre?
“─ Sim.
“─ Estás submetido a Jesus Cristo?
“─ Não, a Lúcifer.
“─ Ele é eterno?
“─ Não.
“─ Gostas do que tenho na mão? (eram medalhas da santa Virgem)
“─ Não. Julguei inspirar-vos confiança; o inferno me reclama; adeus!”
Sem dúvida esse relato é dramático, mas seria muito hábil aquele que provasse que temos algo com isso. É triste ver a que expedientes são obrigados a recorrer para dar fé. Eles esquecem que essas crianças crescerão e refletirão. A fé que repousa sobre tais provas tem razão de temer as conspirações.
“Acabamos de ver o Espírito do mal forçado a confessar o que é. Eis outra frase que o lápis na mão do médium escrevia: ‘Se queres entregar-te a mim, alma, espírito e corpo, satisfarei os teus desejos; se queres estar comigo, escreve teu nome embaixo do meu’; e ele escrevia: Giefle ou Satã. O médium tremia e não escrevia.
Ele tinha razão. Todas as sessões terminam por estas palavras:
“─ Queres aderir?
“O demônio queria que fizessem um pacto com ele. Um dia ele disse a alguém:
“─ Entrega-me a tua alma!
“─ Quem és tu?
“─ Sou o demônio.
“─ Que queres?
“─ Possuir-te. O purgatório não existe. Os celerados, os maus, tudo isto no Céu.”
Que dirão essas crianças quando testemunharem algumas evocações e, em vez de um pacto infernal, ouvirem isto dos Espíritos: “Amai a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a vós mesmos; praticai a caridade ensinada pelo Cristo; sede bons para com todos, mesmo os vossos inimigos; orai a Deus e segui os seus mandamentos para serdes felizes neste mundo e no outro?”
“Todos esses prodígios, todas essas coisas extraordinárias vêm dos Espíritos das trevas. O Sr. Home, espírita fervoroso, nos diz que por vezes o solo trepida sob os seus pés, os apartamentos tremem, as pessoas se arrepiam; uma invisível mão apalpa-vos os joelhos e os ombros; uma mesa pula. Perguntam: “─ Estás aí?
“─ Sim.
“─ Dá provas.
“E a mesa se ergue duas vezes!”
Uma vez mais, isto tudo é muito dramático. No entanto, entre os jovens ouvintes, mais de um sem dúvida desejou ver e não perderá a primeira oportunidade. Também serão encontradas mocinhas impressionáveis, de organização delicada, que, ao menor prurido, julgarão sentir a mão do diabo e sentir-se-ão mal.
“Todas essas coisas são ridículas. A Santa Igreja, mãe de todos nós, nos faz ver que isto não passa de mentira.”
Se tudo isto for ridículo e mentiroso, por que então dar tanta importância? Por que apavorar as crianças com quadros sem nenhuma realidade? Se há mentira, não é nesses mesmos quadros?
“Por exemplo, a evocação dos mortos. Não se deve crer que sejam os nossos parentes que nos falam: é Satã que fala e se dá por um morto. Certamente estamos em comunicação pela comunhão dos santos. Na vida dos santos temos exemplos de aparições de mortos, mas é um milagre da sabedoria divina, e esses milagres são raros. Eis o que se diz: Às vezes os demônios se manifestam como se fossem os mortos, e às vezes também como se fossem os santos.”
Às vezes não é sempre, portanto, pode acontecer que o Espírito que se comunica não seja um demônio.
“Eles podem fazer muitas outras coisas. Um dia um médium que não sabia desenhar reproduziu, com a mão conduzida por um Espírito, as figuras de Jesus Cristo e da Santa Virgem que, apresentadas a alguns dos nossos melhores artistas, foram julgadas dignas de ser expostas.”
Ouvindo isto, um aluno bem poderia pensar: Ah! Se um Espírito pudesse guiar a minha mão para fazer meu dever e ganhar um prêmio! Tentemos!
“Saul consultou a Pitoniza de Endor e Deus permitiu que Samuel lhe aparecesse para dizer: Por que perturbas o meu repouso? Amanhã estarás comigo no túmulo. Nossos Saúis de salão bem deveriam pensar nesta história. São Felipe de Neri nos diz: Se a Santa Virgem vos aparecesse, ou mesmo Nosso Senhor Jesus Cristo, cuspi-lhe no rosto, pois seria apenas uma trapaça do demônio para vos induzir em erro.”
A que se reduz, então, a aparição de Nossa Senhora da Salete a duas pobres crianças? Conforme essa instrução do catecismo, deveriam ter-lhe cuspido no rosto.
“Nosso santo padre o Papa Pio IX proibiu expressamente dar-se a essas coisas. O Sr. Bispo de Langres, e ainda muitos outros fizeram o mesmo. Há perigo de vida. Dois velhos suicidaram-se porque os Espíritos lhes haviam dito que depois da morte gozariam de uma felicidade infinita. Perigo para a razão. Vários médiuns enlouqueceram e numa casa de alienados contavam-se mais de quarenta indivíduos que o Espiritismo havia enlouquecido.”
Ainda não conhecemos a bula papal que proíbe expressamente de ocupar-se com essas coisas. Se ela existisse, o Sr. Bispo de Langres e os outros não teriam deixado de mencioná-la. A história dos dois velhos, a que se faz alusão, é inexata. Foi provado, por documentos oficiais apresentados ao tribunal, e notadamente por cartas por eles escritas antes da morte, que se suicidavam em consequência de perdas de dinheiro e do medo de cair na miséria (Vide a Revista espírita de abril de 1863). A história dos quarenta indivíduos fechados numa casa de alienados não é mais verdadeira. Seria muito difícil justificar pelos nomes desses pretensos loucos, que um primeiro jornal fixou em quatro, um segundo em quarenta, um terceiro em quatrocentos e um quinto disse que trabalhavam na ampliação do hospício. Um instrutor de catecismo deveria colher seus dados históricos em fonte outra que os boatos dos jornais. As crianças a quem contam seriamente essas coisas as aceitam com confiança. Entretanto, quanto maior a confiança, mais forte a reação contrária quando, mais tarde, vierem a saber a verdade. Isto é dito em sentido geral e não exclusivamente quanto ao Espiritismo.
Se analisamos este trabalho de um rapazinho, fique bem entendido que não é a opinião dessa criança que refutamos, mas aquela da qual essa narração é um resumo. Se fossem investigadas com cuidado todas as instruções dessa natureza, ficaríamos menos admirados dos frutos colhidos mais tarde. Para instruir a infância é necessário grande tato e muita experiência, porque não se imagina o alcance que poderá ter uma só palavra imprudente que, como um grão de erva daninha, germina nessas jovens imaginações como em terra virgem.
Parece que os adversários do Espiritismo não acham que a ideia esteja bastante espalhada. Dir-se-ia que, malgrado seu, são impelidos a engendrar meios de divulgála ainda mais. Depois dos sermões, cujo resultado é conhecido, não se podia achar um meio mais eficaz do que fazê-lo tema de instruções e deveres de catecismo. Os sermões atuam sobre a geração que se vai. As instruções predispõem a geração que chega. Erraríamos se as víssemos com desagrado.
O relato que segue é de uma carta cujo original temos em mãos, e que transcrevemos textualmente.
“Em Viviers, neste 10 de abril de 1741.
“Ninguém no mundo, meu caro de Noailles, melhor do que eu vos pode informar de tudo quanto se passou na cela da Irmã Maria, e se a descrição que fizestes nos meteu a ridículo em nossa cidade, quero partilhá-lo convosco. A força da verdade vencerá sempre em mim o medo de passar por um visionário e um homem demasiado crédulo.
“Eis, pois, um resumo de tudo o que vi e ouvi durante quatro noites que ali passei, e comigo mais de quarenta pessoas, todas dignas de fé. Só vos relatarei os fatos mais notáveis.
“A 23 de março, dia da Anunciação, eu soube, pela voz pública, que há três dias ouviam-se, todas as noites, grandes ruídos na cela da Irmã Maria; que as duas Irmãs de São Domingos, que moram com ela, tinham ficado tão apavoradas que tinham mandado chamar o Pe. Chambon, cura de Saint-Laurent, o qual, tendo vindo, uma hora depois de meia noite àquela cela, tinha ouvido os quadros batendo nas paredes, uma pia de água benta, de louça, mover-se com ruído e uma cadeira de madeira posta no meio da cela cair seis vezes. Confesso, senhor, que ao ouvir isto, não deixei de fazer troça; as devotas de todos os tipos sujeitaram-se à minha crítica, e desde então resolvi ir passar a noite seguinte junto a essa Irmã Maria, bem persuadido de que em minha presença tudo ficaria no silêncio, ou que eu descobriria a impostura. Com efeito, naquele dia, às nove horas da noite, fui para aquela casa. Interroguei muitas Irmãs, sobretudo a Irmã Maria, que me pareceu instruída da causa de todos esse ruídos, mas não nos quis comunicar. Então fiz uma busca muito cuidadosa em seu quarto. Olhei por cima e por baixo da cama, as paredes, os quadros. Tudo foi examinado com muito cuidado e nada tendo descoberto que pudesse ocasionar todos esses ruídos, determinei que todos saíssem do quarto, com ordem de que ninguém entrasse senão eu. Instalei-me perto da lareira, no quarto vizinho; deixei a porta da cela aberta, e na soleira da porta coloquei uma vela, de modo que eu via, do meu posto, a um passo do leito, a cadeira que eu havia ali colocado, e quase que toda a cela. Às 10 horas os Srs. d’Entrevaux e Archambaud vieram juntar-se a mim, e com eles dois artífices de nossa cidade.
“Pelas onze e meia ouvi a cadeira mexer-se e logo acorri. Tendo-a encontrado caída, levantei-a e a coloquei mais longe do leito da doente, pois não queria perdê-la de vista. Os Srs. d’Entrevaux e Archambaud tomaram a mesma precaução e, após um momento, nós a vimos mexer-se pela segunda vez; a pia de água benta, colocada no leito da Irmã Maria, mas a uma altura que ela não podia atingir, tiniu várias vezes e um quadro bateu três vezes na parede. No momento fui falar com a doente. Encontrei-a extremamente oprimida, e dessa opressão ela caiu num esgotamento ou perdeu o conhecimento e o uso de todos os sentidos, que se reduziram à audição. Eu próprio fui o seu médico; por meio de água de lavanda, dentro em pouco ela voltou a si. De quinze em quinze minutos ouvíamos o mesmo ruído, e achando os quadros sempre no mesmo estado, ordenei que esse barulhento, fosse quem fosse, batesse três vezes com o quadro na parede e o virasse com a frente para trás: fui obedecido nesse momento. Um instante após, ordenei-lhe que repusesse o quadro na primeira posição e obtive uma segunda prova de sua submissão às minhas ordens.
“Como me apercebei que não havia nada de barulhento na cela senão uma cadeira, dois quadros e uma pia de água benta, recolhi todas essas coisas. Então, o ruído passou para as imagens, que ouvimos mover-se várias vezes, e a um pequeno crucifixo que estava pendurado num prego, na parede. Não ouvimos nem vimos nada mais nessa noite. Tudo ficou calmo e tranquilo às cinco horas da manhã. Não fizemos segredo sobre tudo quanto tínhamos visto e ouvido e vos deixo a pensar se não fui enganado em minha visão. Induzi os mais incrédulos a acreditar. Lá fomos, três noites seguidas, e eis o que me pareceu mais surpreendente. Só vos relatarei certos fatos, pois seria longo se quisesse entrar em todos os detalhes. Deve bastar que vos diga que os Srs. Digoine, Bonfils, d’Entrevaux, Chambon, Faure, Allier, Aoust, Grange, Bouron, Bonnier, Fontenès, Robert e muitos outros os testemunharam.
“Tendo-se espalhado na cidade o boato de que a Irmã Maria podia ser a atriz dessa comédia, modifiquei a boa opinião em que a tinha; quis mesmo suspeitar de trapaça e, posto seja ela paralítica, segundo o atestado do nosso médico e de todos os que dela se aproximam e nos asseguram que há mais de três anos ela não movimenta nem a cabeça, eu quis admitir que ela pudesse mover-se e, com tal suposição, eis, senhor, de que maneira agi:
“Durante três dias seguidos, às nove da noite, fui à casa da Irmã. Preveni-a dos expedientes que ia tomar para não ser enganado, em presença de cinco ou seis dos senhores já citados. Mandei costurá-la em suas vestes. Ela estava colocada e envolvida em seu leito como uma criança de um mês em seu berço. Tomei ainda dois papelotes, colocando-os em forma de cruz sobre seu peito, de modo que ela não podia fazer qualquer movimento sem que a cruz se desarrumasse.
“Nesse mesmo dia ela havia contado o mistério ao Pe. Chambon, que a dirige na ausência do Sr. Bispo, e ao Pe. David, diretor do nosso seminário. O primeiro pediu-lhe e ela permitiu que ele me informasse da causa de todos esses ruídos. Então entrei na confidência, e ela me informou que era uma alma sofredora, cujo nome indicou, e que vinha com a permissão de Deus para que fossem aliviadas as suas penas. Assim informado e precatado contra o erro, não deixei ninguém em sua cela. Éramos oito naquela noite, todos determinados a em nada acreditar. Pelas onze horas os quadros e a pia se fizeram ouvir. Então o Sr. Digoine e eu fomos colocar-nos à porta, com uma luz à mão. É preciso notar que a cela é pequena, que do meio eu podia alcançar as quatro paredes apenas estendendo os braços. Tão logo nos colocamos, o quadro bateu contra a parede. Acorremos logo e encontramos o quadro sem movimento e a doente na mesma posição. Retomamos o nosso posto e, tendo o quadro batido uma segunda vez, acorremos à primeira pancada e vimos o quadro virar no ar e rodar sobre o leito. Coloquei-o na janela. Um momento depois ele bateu três vezes, à vista de todos aqueles senhores. Querendo convencer-me cada vez mais da veracidade do fato contado pela Irmã Maria, ordenei a esse Espírito sofredor que tomasse o crucifixo da parede e o pusesse sobre o peito da doente. Ele obedeceu imediatamente. Todos os senhores que estavam comigo foram testemunhas. Ordenei-lhe que repusesse o crucifixo no lugar e movesse a pia com força. Ele obedeceu, da mesma forma, e como então eu tinha tido o cuidado de pôr a pia à vista de todos, ouvimos o ruído e vimos o movimento. Não bastando tais sinais para me convencer, exigi novas provas. Coloquei uma mesa ao pé do leito da doente e disse a esse Espírito sofredor que de boa vontade lhe ofereceríamos nossos votos e nossas preces, mas que, sendo o sacrifício da missa o mais seguro para o alívio de suas penas, ordenei-lhe que desse tantas pancadas sobre a mesa quantas missas quisesse que fossem ditas em seu favor. Ele bateu no mesmo instante e contamos trinta e três pancadas. Então combinamos entre nós as providências para nos desincumbirmos o quanto antes dessa tarefa, e no tempo que conversávamos, os quadros, a pia e o crucifixo batiam, todos ao mesmo tempo, com mais ruído que nunca.
“Eram duas horas depois da meia noite, e mandei despertar o Pe. Chambon, que foi testemunha de tudo quanto lhe havíamos contado, pois em sua presença nós lhe fizemos repetir as 33 batidas. O Pe. Chambon lhe ordenou que pegasse o crucifixo e o transportasse para uma certa cadeira. Logo ouvimos uma pancada sobre essa cadeira, corremos e encontramos o crucifixo embaixo da cama, a um passo da cadeira. Pedi, um após outro, ao Cônego Digoine, ao Pe. Chambon e ao Pe. Robert que se escondessem na cela, para verificar se viam algo. Eles ouviram duas vozes diferentes no leito da doente. Distinguiram perfeitamente a da doente, que fazia muitas perguntas; quanto à outra, não puderam discernir a resposta, pois se explicava em tom muito baixo e rápido. Esses senhores me passaram essa informação, e fui conferi-la com a Irmã Maria, que confessou o fato.
“Propus àqueles senhores dizer um De profundis pelo alívio das penas dessa alma sofredora e, acabada a prece, a cadeira caiu, os quadros bateram e a pia soou. Eu disse a esse Espírito que íamos dizer cinco Pater e cinco Ave em honra das cinco chagas de Nosso Senhor, e que lhe ordenava, para provar que a prece lhe agradava, que derrubasse a cadeira uma segunda vez, mas com mais força que da primeira vez. Tão logo nos ajoelhamos, a cadeira, sob as nossas vistas e a dois passos de nós, caiu para a frente, levantou-se e caiu para trás.
“Vendo a docilidade desse Espírito e a presteza em obedecer, julguei poder tentar tudo. Pus sobre o leito da doente 40 moedas de prata e ordenei que as contasse. Imediatamente ouvimos contá-las num copo de vidro que eu havia posto perto. Tomei as moedas e coloquei sobre a mesa. Ordenei a mesma coisa e logo obedeceu. Aí pus um escudo de seis francos e mandei que com ele indicasse o número de missas de que necessitava. Ele bateu 33 vezes com o escudo na parede. Fiz entrarem os Padres Digoine, Bonfils e d’Entrevaux na cela, afastamos as cortinas do leito, colocamos a vela sobre a cama e mandei o Espírito bater e nos designar o número de missas. Os quatro víamos a Irmã Maria sempre no mesmo estado, sem movimento, e com os papelotes em forma de cruz, ainda arrumados e contamos 33 batidas na parede. É de observar que na cela vizinha, que corresponde a essa parede, não havia viva alma. Tínhamos tido o cuidado de afastar tudo quanto pudesse fazer brotar em nós a menor suspeita.
“Por fim, senhor, tentei uma outra via. Escrevi estas palavras num papel: Eu te ordeno, alma sofredora, que nos digas quem és, tanto para nossa consolação quanto para a alimentação de nossa fé. Escreve, pois, o teu nome neste papel, ou, ao menos, nele faz uma marca, e por aí conheceremos a necessidade que tens de nossas preces. Coloquei esse escrito debaixo da cama da doente, com um tinteiro e uma pena. Um instante depois ouvi a pia tilintar. Acorremos todos ao ruído, achamos o papel ao mesmo tempo e o crucifixo sobre ele. Ordenei-lhe que pusesse o crucifixo em seu lugar e marcasse o papel. Então dissemos a ladainha da Virgem e, acabada a prece, encontramos o crucifixo em seu lugar e na parte inferior do papel duas cruzes feitas com a pena. O Pe. Chambon, que estava bem perto do leito, ouviu o ruído da pena no papel. Eu poderia contar-vos muitos outros fatos igualmente surpreendentes, mas o detalhe me levaria muito longe.
“Sem dúvida perguntareis, meu caro senhor, o que penso desta aventura. Vou fazer minha profissão de fé. Estabeleço em primeiro lugar que o ruído que vi e ouvi tem uma causa. Os quadros, as cadeiras, a pia, etc., são seres inanimados, que não podem mover-se por si mesmos. Então, qual a causa que lhes deu o movimento? É preciso que ela seja necessariamente natural ou sobrenatural. Se for natural, não poderá ser senão a Irmã Maria, pois não havia senão ela no quarto. Não se pode pretender que o ruído tenha sido produzido por molas, pois examinamos tudo com a maior atenção, até desmontando os quadros, e se um simples cabelo tivesse respondido pela pia ou pela cadeira nós o teríamos percebido.
“Ora, eu digo que a Irmã Maria não é a causa. Ela não quis, digo mais, ela não nos pôde enganar. Ela não o quis, porque seria possível que uma jovem que está em odor de santidade, uma jovem cuja vida é um milagre contínuo, pois está constatado que há três anos ela não come nem bebe e que de seu corpo nada sai senão uma porção de pedras; que uma jovem que sofre há seis anos tudo quanto se pode sofrer, e sempre com uma paciência admirável; que uma jovem que só abre a boca para orar e que faz transparecer em tudo o que diz a mais profunda humildade; é possível, digo eu, que ela tenha querido nos enganar impondo assim a todo um público, ao seu bispo, ao seu confessor e a uma porção de sacerdotes que a interrogaram a respeito? Achamos em tudo quanto ela disse uma concordância maravilhosa, jamais a menor contradição, caráter único da verdade, e a mentira não se sustentaria. Não creio que os mártires tenham sofrido mais do que sofre esta santa jovem. Há épocas do ano em que o seu corpo é uma só chaga; vê-se saindo sangue e pus pelos ouvidos e muitas vezes lhe arrancam vermes muito compridos, que saem pelas narinas. Ela sofre e continuamente pede a Deus que a faça sofrer. Uma coisa maravilhosa é que todos os anos, na quinzena da Páscoa, lhe colhem um vômito de sangue; passado o vômito, a garganta fica desobstruída, ela recebe o santo viático e um instante depois se fecha totalmente. Foi o que lhe aconteceu quarta-feira última.
“Digo, em segundo lugar, que ela não nos pôde enganar. Ela não tem a menor possibilidade de agir, pois é paralítica, como eu já disse, e uma senhorita de nossa cidade ficou plenamente convencida quando lhe enterrou uma agulha na coxa. Aliás, vedes as precauções que tomamos. Costuramo-la em suas roupas, e muitas vezes mantida sob nossas vistas. Então não é ela. Que me dizeis, então? A consequência é fácil de tirar de tudo quanto tenho a honra de vos dizer neste relato.
“Assinado: †Abade DE SAINT-PONC cônego apresentador.”
OBSERVAÇÃO: Há evidente analogia entre estes fatos e os do Espírito batedor de Bergzabern e de Dibbelsdorf, referidos na Revista espírita de maio, junho, julho e agosto de 1885, salvo que, neste, o Espírito nada tinha de malévolo. São constatados por um homem cujo caráter não pode ser suspeito, e que não observou levianamente. Se, como pretendem certas pessoas, só o diabo se manifesta, como viria junto a uma moça em odor de santidade? Ora, é de notar que esta nem era apavorada nem atormentada; ela própria sabia e as experiências constataram, que era uma alma sofredora, Se não é o diabo, então outros Espíritos podem manifestar-se?
Duas circunstâncias têm uma analogia particular com o que hoje vemos. É, para começar, o primeiro pensamento que haja trapaça da parte da pessoa junto à qual se produzem os fenômenos, mau grado as impossibilidades materiais que, às vezes, existem. Na situação física e moral dessa moça, não se compreende que a suspeita de um jogo tenha podido entrar no espírito das outras religiosas.
O segundo fato é mais importante. Se alguns dos fenômenos ocorreram à vista de pessoas presentes, na maioria se produziam quando estavam ao quarto ao lado, quando de costas e na ausência de luz direta, como muitas vezes se tem observado em nossos dias. A que se deve isto? É o que não está ainda suficientemente explicado. Tendo esses fenômenos uma causa material, e não sobrenatural, poderia acontecer que, como em certas operações químicas, a luz difusa fosse mais favorável à ação dos fluidos de que se serve o Espírito. A física espiritual ainda está na infância.
“Em Viviers, neste 10 de abril de 1741.
“Ninguém no mundo, meu caro de Noailles, melhor do que eu vos pode informar de tudo quanto se passou na cela da Irmã Maria, e se a descrição que fizestes nos meteu a ridículo em nossa cidade, quero partilhá-lo convosco. A força da verdade vencerá sempre em mim o medo de passar por um visionário e um homem demasiado crédulo.
“Eis, pois, um resumo de tudo o que vi e ouvi durante quatro noites que ali passei, e comigo mais de quarenta pessoas, todas dignas de fé. Só vos relatarei os fatos mais notáveis.
“A 23 de março, dia da Anunciação, eu soube, pela voz pública, que há três dias ouviam-se, todas as noites, grandes ruídos na cela da Irmã Maria; que as duas Irmãs de São Domingos, que moram com ela, tinham ficado tão apavoradas que tinham mandado chamar o Pe. Chambon, cura de Saint-Laurent, o qual, tendo vindo, uma hora depois de meia noite àquela cela, tinha ouvido os quadros batendo nas paredes, uma pia de água benta, de louça, mover-se com ruído e uma cadeira de madeira posta no meio da cela cair seis vezes. Confesso, senhor, que ao ouvir isto, não deixei de fazer troça; as devotas de todos os tipos sujeitaram-se à minha crítica, e desde então resolvi ir passar a noite seguinte junto a essa Irmã Maria, bem persuadido de que em minha presença tudo ficaria no silêncio, ou que eu descobriria a impostura. Com efeito, naquele dia, às nove horas da noite, fui para aquela casa. Interroguei muitas Irmãs, sobretudo a Irmã Maria, que me pareceu instruída da causa de todos esse ruídos, mas não nos quis comunicar. Então fiz uma busca muito cuidadosa em seu quarto. Olhei por cima e por baixo da cama, as paredes, os quadros. Tudo foi examinado com muito cuidado e nada tendo descoberto que pudesse ocasionar todos esses ruídos, determinei que todos saíssem do quarto, com ordem de que ninguém entrasse senão eu. Instalei-me perto da lareira, no quarto vizinho; deixei a porta da cela aberta, e na soleira da porta coloquei uma vela, de modo que eu via, do meu posto, a um passo do leito, a cadeira que eu havia ali colocado, e quase que toda a cela. Às 10 horas os Srs. d’Entrevaux e Archambaud vieram juntar-se a mim, e com eles dois artífices de nossa cidade.
“Pelas onze e meia ouvi a cadeira mexer-se e logo acorri. Tendo-a encontrado caída, levantei-a e a coloquei mais longe do leito da doente, pois não queria perdê-la de vista. Os Srs. d’Entrevaux e Archambaud tomaram a mesma precaução e, após um momento, nós a vimos mexer-se pela segunda vez; a pia de água benta, colocada no leito da Irmã Maria, mas a uma altura que ela não podia atingir, tiniu várias vezes e um quadro bateu três vezes na parede. No momento fui falar com a doente. Encontrei-a extremamente oprimida, e dessa opressão ela caiu num esgotamento ou perdeu o conhecimento e o uso de todos os sentidos, que se reduziram à audição. Eu próprio fui o seu médico; por meio de água de lavanda, dentro em pouco ela voltou a si. De quinze em quinze minutos ouvíamos o mesmo ruído, e achando os quadros sempre no mesmo estado, ordenei que esse barulhento, fosse quem fosse, batesse três vezes com o quadro na parede e o virasse com a frente para trás: fui obedecido nesse momento. Um instante após, ordenei-lhe que repusesse o quadro na primeira posição e obtive uma segunda prova de sua submissão às minhas ordens.
“Como me apercebei que não havia nada de barulhento na cela senão uma cadeira, dois quadros e uma pia de água benta, recolhi todas essas coisas. Então, o ruído passou para as imagens, que ouvimos mover-se várias vezes, e a um pequeno crucifixo que estava pendurado num prego, na parede. Não ouvimos nem vimos nada mais nessa noite. Tudo ficou calmo e tranquilo às cinco horas da manhã. Não fizemos segredo sobre tudo quanto tínhamos visto e ouvido e vos deixo a pensar se não fui enganado em minha visão. Induzi os mais incrédulos a acreditar. Lá fomos, três noites seguidas, e eis o que me pareceu mais surpreendente. Só vos relatarei certos fatos, pois seria longo se quisesse entrar em todos os detalhes. Deve bastar que vos diga que os Srs. Digoine, Bonfils, d’Entrevaux, Chambon, Faure, Allier, Aoust, Grange, Bouron, Bonnier, Fontenès, Robert e muitos outros os testemunharam.
“Tendo-se espalhado na cidade o boato de que a Irmã Maria podia ser a atriz dessa comédia, modifiquei a boa opinião em que a tinha; quis mesmo suspeitar de trapaça e, posto seja ela paralítica, segundo o atestado do nosso médico e de todos os que dela se aproximam e nos asseguram que há mais de três anos ela não movimenta nem a cabeça, eu quis admitir que ela pudesse mover-se e, com tal suposição, eis, senhor, de que maneira agi:
“Durante três dias seguidos, às nove da noite, fui à casa da Irmã. Preveni-a dos expedientes que ia tomar para não ser enganado, em presença de cinco ou seis dos senhores já citados. Mandei costurá-la em suas vestes. Ela estava colocada e envolvida em seu leito como uma criança de um mês em seu berço. Tomei ainda dois papelotes, colocando-os em forma de cruz sobre seu peito, de modo que ela não podia fazer qualquer movimento sem que a cruz se desarrumasse.
“Nesse mesmo dia ela havia contado o mistério ao Pe. Chambon, que a dirige na ausência do Sr. Bispo, e ao Pe. David, diretor do nosso seminário. O primeiro pediu-lhe e ela permitiu que ele me informasse da causa de todos esses ruídos. Então entrei na confidência, e ela me informou que era uma alma sofredora, cujo nome indicou, e que vinha com a permissão de Deus para que fossem aliviadas as suas penas. Assim informado e precatado contra o erro, não deixei ninguém em sua cela. Éramos oito naquela noite, todos determinados a em nada acreditar. Pelas onze horas os quadros e a pia se fizeram ouvir. Então o Sr. Digoine e eu fomos colocar-nos à porta, com uma luz à mão. É preciso notar que a cela é pequena, que do meio eu podia alcançar as quatro paredes apenas estendendo os braços. Tão logo nos colocamos, o quadro bateu contra a parede. Acorremos logo e encontramos o quadro sem movimento e a doente na mesma posição. Retomamos o nosso posto e, tendo o quadro batido uma segunda vez, acorremos à primeira pancada e vimos o quadro virar no ar e rodar sobre o leito. Coloquei-o na janela. Um momento depois ele bateu três vezes, à vista de todos aqueles senhores. Querendo convencer-me cada vez mais da veracidade do fato contado pela Irmã Maria, ordenei a esse Espírito sofredor que tomasse o crucifixo da parede e o pusesse sobre o peito da doente. Ele obedeceu imediatamente. Todos os senhores que estavam comigo foram testemunhas. Ordenei-lhe que repusesse o crucifixo no lugar e movesse a pia com força. Ele obedeceu, da mesma forma, e como então eu tinha tido o cuidado de pôr a pia à vista de todos, ouvimos o ruído e vimos o movimento. Não bastando tais sinais para me convencer, exigi novas provas. Coloquei uma mesa ao pé do leito da doente e disse a esse Espírito sofredor que de boa vontade lhe ofereceríamos nossos votos e nossas preces, mas que, sendo o sacrifício da missa o mais seguro para o alívio de suas penas, ordenei-lhe que desse tantas pancadas sobre a mesa quantas missas quisesse que fossem ditas em seu favor. Ele bateu no mesmo instante e contamos trinta e três pancadas. Então combinamos entre nós as providências para nos desincumbirmos o quanto antes dessa tarefa, e no tempo que conversávamos, os quadros, a pia e o crucifixo batiam, todos ao mesmo tempo, com mais ruído que nunca.
“Eram duas horas depois da meia noite, e mandei despertar o Pe. Chambon, que foi testemunha de tudo quanto lhe havíamos contado, pois em sua presença nós lhe fizemos repetir as 33 batidas. O Pe. Chambon lhe ordenou que pegasse o crucifixo e o transportasse para uma certa cadeira. Logo ouvimos uma pancada sobre essa cadeira, corremos e encontramos o crucifixo embaixo da cama, a um passo da cadeira. Pedi, um após outro, ao Cônego Digoine, ao Pe. Chambon e ao Pe. Robert que se escondessem na cela, para verificar se viam algo. Eles ouviram duas vozes diferentes no leito da doente. Distinguiram perfeitamente a da doente, que fazia muitas perguntas; quanto à outra, não puderam discernir a resposta, pois se explicava em tom muito baixo e rápido. Esses senhores me passaram essa informação, e fui conferi-la com a Irmã Maria, que confessou o fato.
“Propus àqueles senhores dizer um De profundis pelo alívio das penas dessa alma sofredora e, acabada a prece, a cadeira caiu, os quadros bateram e a pia soou. Eu disse a esse Espírito que íamos dizer cinco Pater e cinco Ave em honra das cinco chagas de Nosso Senhor, e que lhe ordenava, para provar que a prece lhe agradava, que derrubasse a cadeira uma segunda vez, mas com mais força que da primeira vez. Tão logo nos ajoelhamos, a cadeira, sob as nossas vistas e a dois passos de nós, caiu para a frente, levantou-se e caiu para trás.
“Vendo a docilidade desse Espírito e a presteza em obedecer, julguei poder tentar tudo. Pus sobre o leito da doente 40 moedas de prata e ordenei que as contasse. Imediatamente ouvimos contá-las num copo de vidro que eu havia posto perto. Tomei as moedas e coloquei sobre a mesa. Ordenei a mesma coisa e logo obedeceu. Aí pus um escudo de seis francos e mandei que com ele indicasse o número de missas de que necessitava. Ele bateu 33 vezes com o escudo na parede. Fiz entrarem os Padres Digoine, Bonfils e d’Entrevaux na cela, afastamos as cortinas do leito, colocamos a vela sobre a cama e mandei o Espírito bater e nos designar o número de missas. Os quatro víamos a Irmã Maria sempre no mesmo estado, sem movimento, e com os papelotes em forma de cruz, ainda arrumados e contamos 33 batidas na parede. É de observar que na cela vizinha, que corresponde a essa parede, não havia viva alma. Tínhamos tido o cuidado de afastar tudo quanto pudesse fazer brotar em nós a menor suspeita.
“Por fim, senhor, tentei uma outra via. Escrevi estas palavras num papel: Eu te ordeno, alma sofredora, que nos digas quem és, tanto para nossa consolação quanto para a alimentação de nossa fé. Escreve, pois, o teu nome neste papel, ou, ao menos, nele faz uma marca, e por aí conheceremos a necessidade que tens de nossas preces. Coloquei esse escrito debaixo da cama da doente, com um tinteiro e uma pena. Um instante depois ouvi a pia tilintar. Acorremos todos ao ruído, achamos o papel ao mesmo tempo e o crucifixo sobre ele. Ordenei-lhe que pusesse o crucifixo em seu lugar e marcasse o papel. Então dissemos a ladainha da Virgem e, acabada a prece, encontramos o crucifixo em seu lugar e na parte inferior do papel duas cruzes feitas com a pena. O Pe. Chambon, que estava bem perto do leito, ouviu o ruído da pena no papel. Eu poderia contar-vos muitos outros fatos igualmente surpreendentes, mas o detalhe me levaria muito longe.
“Sem dúvida perguntareis, meu caro senhor, o que penso desta aventura. Vou fazer minha profissão de fé. Estabeleço em primeiro lugar que o ruído que vi e ouvi tem uma causa. Os quadros, as cadeiras, a pia, etc., são seres inanimados, que não podem mover-se por si mesmos. Então, qual a causa que lhes deu o movimento? É preciso que ela seja necessariamente natural ou sobrenatural. Se for natural, não poderá ser senão a Irmã Maria, pois não havia senão ela no quarto. Não se pode pretender que o ruído tenha sido produzido por molas, pois examinamos tudo com a maior atenção, até desmontando os quadros, e se um simples cabelo tivesse respondido pela pia ou pela cadeira nós o teríamos percebido.
“Ora, eu digo que a Irmã Maria não é a causa. Ela não quis, digo mais, ela não nos pôde enganar. Ela não o quis, porque seria possível que uma jovem que está em odor de santidade, uma jovem cuja vida é um milagre contínuo, pois está constatado que há três anos ela não come nem bebe e que de seu corpo nada sai senão uma porção de pedras; que uma jovem que sofre há seis anos tudo quanto se pode sofrer, e sempre com uma paciência admirável; que uma jovem que só abre a boca para orar e que faz transparecer em tudo o que diz a mais profunda humildade; é possível, digo eu, que ela tenha querido nos enganar impondo assim a todo um público, ao seu bispo, ao seu confessor e a uma porção de sacerdotes que a interrogaram a respeito? Achamos em tudo quanto ela disse uma concordância maravilhosa, jamais a menor contradição, caráter único da verdade, e a mentira não se sustentaria. Não creio que os mártires tenham sofrido mais do que sofre esta santa jovem. Há épocas do ano em que o seu corpo é uma só chaga; vê-se saindo sangue e pus pelos ouvidos e muitas vezes lhe arrancam vermes muito compridos, que saem pelas narinas. Ela sofre e continuamente pede a Deus que a faça sofrer. Uma coisa maravilhosa é que todos os anos, na quinzena da Páscoa, lhe colhem um vômito de sangue; passado o vômito, a garganta fica desobstruída, ela recebe o santo viático e um instante depois se fecha totalmente. Foi o que lhe aconteceu quarta-feira última.
“Digo, em segundo lugar, que ela não nos pôde enganar. Ela não tem a menor possibilidade de agir, pois é paralítica, como eu já disse, e uma senhorita de nossa cidade ficou plenamente convencida quando lhe enterrou uma agulha na coxa. Aliás, vedes as precauções que tomamos. Costuramo-la em suas roupas, e muitas vezes mantida sob nossas vistas. Então não é ela. Que me dizeis, então? A consequência é fácil de tirar de tudo quanto tenho a honra de vos dizer neste relato.
“Assinado: †Abade DE SAINT-PONC cônego apresentador.”
OBSERVAÇÃO: Há evidente analogia entre estes fatos e os do Espírito batedor de Bergzabern e de Dibbelsdorf, referidos na Revista espírita de maio, junho, julho e agosto de 1885, salvo que, neste, o Espírito nada tinha de malévolo. São constatados por um homem cujo caráter não pode ser suspeito, e que não observou levianamente. Se, como pretendem certas pessoas, só o diabo se manifesta, como viria junto a uma moça em odor de santidade? Ora, é de notar que esta nem era apavorada nem atormentada; ela própria sabia e as experiências constataram, que era uma alma sofredora, Se não é o diabo, então outros Espíritos podem manifestar-se?
Duas circunstâncias têm uma analogia particular com o que hoje vemos. É, para começar, o primeiro pensamento que haja trapaça da parte da pessoa junto à qual se produzem os fenômenos, mau grado as impossibilidades materiais que, às vezes, existem. Na situação física e moral dessa moça, não se compreende que a suspeita de um jogo tenha podido entrar no espírito das outras religiosas.
O segundo fato é mais importante. Se alguns dos fenômenos ocorreram à vista de pessoas presentes, na maioria se produziam quando estavam ao quarto ao lado, quando de costas e na ausência de luz direta, como muitas vezes se tem observado em nossos dias. A que se deve isto? É o que não está ainda suficientemente explicado. Tendo esses fenômenos uma causa material, e não sobrenatural, poderia acontecer que, como em certas operações químicas, a luz difusa fosse mais favorável à ação dos fluidos de que se serve o Espírito. A física espiritual ainda está na infância.