Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1864

Allan Kardec

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Instruções do Espíritos

(Comunicação espontânea - sociedade de Paris, 19 de fevereiro de 1864 - Médium: Sr. Leymarie)

No século quinze é que foi inventada a imprensa. Como tantos outros inventos conhecidos e desconhecidos, foi-lhe preciso tomar a taça e beber o fel. Não venho a vós, espíritas, vos contar meus dissabores ou sofrimentos, porque naqueles tempos de ignorância e de tristeza em que os vossos pais tinham no peito o pesadelo chamado feudalidade e uma teocracia cega e ciosa de seu poder, todo homem de progresso tinha a cabeça demais. Quero apenas dizer-vos algumas palavras sobre a minha invenção, sobre seus resultados e a sua afinidade espiritual convosco, com os elementos que fazem a vossa força expansiva.

A revolução mãe, aquela que trazia no flanco o modo de expressão da Humanidade, o pensamento humano despojando-se do passado, de sua pele simbólica, é a invenção da imprensa. Sob essa forma, o pensamento mistura-se no ar, espiritualiza-se, será indestrutível. Senhora dos séculos futuros, ela alça seu voo inteligente para ligar todos os pontos do espaço e, a partir desse dia, domina a velha maneira de falar.

Para os povos primitivos eram necessários monumentos representando um povo, montanhas de pedra dizendo aos que sabem ver: Eis a minha religião, minha lei, minhas esperanças, minha poesia.

Com efeito, a imprensa substitui o hieróglifo. Sua linguagem a todos é accessível, sua atração é leve. É que um livro apenas pede um pouco de papel e de tinta e algumas mãos, enquanto uma catedral exige várias vidas de um povo e toneladas de ouro.

Permiti, aqui, uma digressão. O alfabeto dos primeiros povos foi composto de lascas de rocha que o ferro não havia tocado. As pedras erguidas pelos celtas também se encontram na Sibéria e na América. Eram as confusas lembranças humanas, escritas em monumentos duráveis. O galgal hebreu, os crombels, os dolmens, os túmulos, mais tarde exprimiram palavras.

Depois vieram a tradição e o símbolo. Não mais bastando esses primeiros monumentos, criaram o edifício, e a arquitetura tornou-se monstruosa; fixou-se como um gigante, repetindo às gerações novas os símbolos do passado. Tais foram os pagodes, as pirâmides, o templo de Salomão.

Era o edifício que encerrava o Verbo, essa ideia mãe das nações. Sua forma e sua situação representavam todo um pensamento, e é por isso que todos os símbolos têm suas grandes e magníficas páginas de pedra.

A maçonaria é a ideia escrita, inteligente, pertencente a esses homens que se tornaram unidos por um símbolo, tomando Iram por patrono e constituindo essa franco-maçonaria tão conspurcada que levou em si o germe da liberdade. Ela soube semear seus monumentos e os símbolos do passado no mundo inteiro, substituindo a teocracia das primeiras civilizações pela democracia, essa lei da liberdade.

Depois dos monumentos teocráticos da Índia e do Egito, vêm suas irmãs, as arquiteturas grega e romana, depois o estilo românico, tão sombrio, representando o absoluto, a unidade, o sacerdote. As cruzadas nos trazem a ogiva, e o senhor quer partilhar, esperando o povo que saberá tomar o seu lugar. O feudalismo vê nascer a comuna e a face da Europa muda, porque a ogiva destrona o românico; o pedreiro torna-se artista e poetiza a matéria: dá-lhe o privilégio da liberdade na arquitetura, porque então o pensamento só tinha esse modo de expressão. Quantas sedições escritas na fachada dos monumentos! E é por isto que os poetas, os pensadores, os deserdados, tudo quanto era inteligente cobriu a Europa de catedrais!

Como vedes, até o pobre Guttemberg, a arquitetura é a escrita universal. Por sua vez, a imprensa derruba o gótico; a teocracia é o horror do progresso, a conservação mumificada dos tipos primitivos; a ogiva é a transição da noite para o crepúsculo, em que cada um pode ler a pedra facilmente e compreender, mas a imprensa é o pleno dia, derrubando o manuscrito, pedindo mais espaço, que daí em diante nada poderia restringir.

Como o sol, a imprensa fecundará o mundo com seus raios benéficos. A arquitetura não representará mais a Sociedade, porque será clássica e renascentista, e esse mundo de artistas, divorciando-se do passado, abre grandes brechas nas teogonias humanas para seguir a via traçada por Deus; cansa-se de ser simples artífice dos monumentos da Renascença, para se fazer estatuário, pintor, músico. A força da harmonia se gasta em livros, e já no século dezesseis é tão robusta, tão forte essa imprensa de Nuremberg, que é o advento de um século literário. Ela é, ao mesmo tempo, Lutero, Jean Goujon, Rousseau, Voltaire. À velha Europa, ela dá esse combate lento, mas seguro, que sabe reconstruir depois de haver destruído.

E agora que o pensamento está emancipado, qual o poder que poderia escrever o livro arquitetural de nossa época? Todos os milhões de nosso planeta não bastariam e ninguém poderá reerguer o que está no passado e lhe pertence exclusivamente.

Sem desdenhar o grande livro da arquitetura que é o passado e o seu ensino, agradeçamos a Deus que sabe, nas épocas adequadas, pôr em nosso poder uma arma tão forte que se torna o pão do Espírito, a emancipação do corpo, o livre-arbítrio do homem, a ideia comum a todos, a Ciência, um á-bê-cê que fecunda a Terra, tornando-nos melhores. Mas se a imprensa vos emancipou, a eletricidade vos fará verdadeiramente livres e destronará a imprensa de Guttemberg para pôr em vossas mãos um poder muito mais temível, e isto em breve.

A ciência espírita, essa salvaguarda da Humanidade, vos ajudará a compreender a nova força de que vos falo. Guttemberg, a quem Deus deu missão providencial, sem dúvida fará parte da segunda, isto é, da que vos guiará no estudo dos fluidos.

Em breve estareis prontos, caros amigos. Mas também não se trata somente de ser Espíritos fervorosos. Também é preciso estudar, para que tudo o que foi ensinado sobre a eletricidade e todos os fluidos em geral seja para vós uma gramática sabida de cor. Nada é estranho à ciência dos Espíritos. Quanto mais sólida for a vossa bagagem intelectual, menos vos admirareis com as novas descobertas. Devendo ser os iniciadores de novas formas de pensamento, deveis ser fortes e seguros de vossas faculdades espirituais.

Portanto, eu tinha razão de vos falar da minha missão, irmã da vossa. Sois os eleitos entre os homens. Os bons Espíritos vos dão um livro que dá a volta à Terra, mas sem a imprensa nada seríeis. Para vós, a obsessão que vela a verdade aos homens desaparecerá. Mas, repito, preparai-vos e estudai para não serdes indignos do novo benefício, e para, ao contrário, saberdes mais inteligentemente que os outros a espalhá-lo e torná-lo aceito.

GUTTEMBERG


OBSERVAÇÃO: Pela difusão das ideias que ela tornou imperecíveis e que espalha aos quatro cantos do mundo, a imprensa produziu uma revelação intelectual que ninguém pode ignorar. Porque tal resultado era entrevisto, ela foi inicialmente qualificada por alguns de invenção diabólica. É uma afinidade a mais que ela tem com o Espiritismo, e da qual Guttemberg deixou de falar.

Se se desse ouvidos a certas pessoas, na verdade pareceria que o diabo tem o monopólio de todas as grandes ideias, porquanto todas as que fazem a Humanidade dar um passo lhe são atribuídas.

Sabe-se que o próprio Jesus foi acusado de agir por intermédio do demônio que, na verdade, deve orgulhar-se de todas as boas e belas coisas que retiram de Deus para lhe atribuir. Não foi ele que inspirou Galileu e todas as descobertas científicas que fizeram a Humanidade progredir? Conforme isto, seria preciso que ele fosse muito modesto para não se julgar dono do Universo. No entanto, o que pode parecer estranho é a sua inabilidade, pois não há um só progresso da Ciência que não tenha por efeito a ruína do seu império. Este é um detalhe sobre o qual não pensaram o bastante.

Se tal foi o poder desse meio de propagação absolutamente material, quão maior não será o do ensino dos Espíritos que se comunicam em toda parte, penetrando onde é defeso o acesso dos livros, fazendo-se ouvir até pelos que não querem escutar! Que poder humano poderia resistir a tal força?

Esta notável dissertação provocou no seio da Sociedade as reflexões seguintes, por parte outro Espírito.


(Sociedade espírita de Paris - Médium: Sr. A. Didier)

O Espírito de Guttemberg definiu muito poeticamente os efeitos positivos e tão universalmente progressivos da imprensa e do futuro da eletricidade. Nada obstante, permito-me, como antigo construtor de castelos, torreões, terraços e catedrais, expor certas teorias sobre o caráter e o objetivo da arquitetura da Idade Média.

Todos sabem, e em nossos dias ilustres arqueólogos ensinaram que a religião, a fé ingênua, ergueu com o gênio do homem esses soberbos monumentos góticos espalhados por toda a superfície da Europa, e aqui, mais do que nunca, a ideia expressa por Guttemberg é cheia de elevação.

Contudo, sentimo-nos na obrigação de emitir a nossa opinião, não contra, mas a favor.

A ideia, essa luz da alma, centelha real que infunde a vontade e o movimento ao organismo humano, manifesta-se de diversas maneiras, quer pela arte, quer pela filosofia, etc. A arquitetura, essa arte elevada que talvez melhor exprima a índole e o gênio de um povo, nas nações impressionáveis e crentes foi consagrada ao culto de Deus e às cerimônias religiosas.

A Idade Média, sustentáculo do feudalismo e da crença, teve a glória de fundar duas artes essencialmente diferentes em seu objetivo e sua consagração, mas que exprimem perfeitamente o estado de sua civilização: o castelo fortificado, habitado pelo senhor ou pelo rei; a abadia, o mosteiro e a igreja; numa palavra, a arte arquitetônica militar e a religiosa.

Os Romanos, essencialmente administradores, guerreiros, civilizadores e colonizadores universais, forçados que eram pela extensão de suas conquistas, jamais tiveram uma arquitetura inspirada por sua fé religiosa. Só a avidez, o amor ao ganho e ao poder executivo lhes fizeram construir esses formidáveis montes de pedras, símbolo de sua audácia e de sua capacidade intelectual.

A poesia do Norte, contemplativa e nebulosa, unida à suntuosidade da arte oriental, criou o gênero gótico, a princípio austero e discretamente florido. Com efeito, vemos na arquitetura a realização das tendências religiosas e do despotismo feudal.

Essas ruínas famosas de muitas das revoluções humanas, mais do que o tempo, ainda se impõem por seu aspecto grandioso e formidável. Parece que o século que as viu erguer-se era duro, sombrio e inexorável como elas. Mas daí não se deve concluir que a descoberta da imprensa, por mais que distenda o pensamento, tenha simplificado a arte da arquitetura.

Não, a Arte, que é uma parte da ideia, será sempre uma manifestação religiosa ou política, ou militar, ou democrática, ou principesca.

A Arte tem o seu papel, a imprensa tem o dela. Sem ser exclusivamente especialista, não se deve confundir o objetivo de cada coisa. É preciso dizer apenas que não se deve misturar as diferentes faculdades e as diversas manifestações da ideia humana.

ROBERT DE LUZARCHES


(Sociedade espírita de Paris, 25 de fevereiro de 1864)


NOTA: Nesta sessão foram dirigidos agradecimentos ao Espírito de Guttemberg, com o pedido de participar de nossas conversas, quando julgasse oportuno.

Na mesma sessão, a presença de vários dignitários estrangeiros da Ordem Maçônica motivou esta pergunta: Que concurso pode o Espiritismo encontrar na Franco-Maçonaria?

Várias dissertações foram obtidas sobre o assunto.



I



Senhor Presidente, agradeço o vosso amável convite. É a primeira vez que uma de minhas comunicações é lida na Sociedade Espírita de Paris, e espero que não seja a última.

Talvez tenhais achado as minhas reflexões um pouco longas sobre a imprensa, alguns pensamentos que não aprovais completamente, mas, refletindo sobre a dificuldade que experimentamos ao nos pormos em relação com os médiuns e utilizar as suas faculdades, tereis a bondade de relevar certas expressões ou certas formas de linguagem que nem sempre dominamos. Mais tarde a eletricidade fará a sua revolução mediúnica, e como tudo será mudado na maneira de reproduzir o pensamento do Espírito, não mais encontrareis essas lacunas por vezes lamentáveis, sobretudo quando as comunicações são lidas diante de estranhos.

Falastes da franco-maçonaria, e tendes razão de esperar nela encontrar bons elementos. O que é que se pede a todo maçom iniciado? Que ele creia na imortalidade da alma e no Divino Arquiteto; que ele seja benevolente, devotado, sociável, digno e humilde. Ali se pratica a igualdade na mais larga escala. Há, pois, nessas sociedades, uma afinidade com o Espiritismo de tal modo evidente que salta aos olhos.

A questão do Espiritismo foi posta na ordem do dia em várias lojas, e eis o resultado: Leram volumosos relatórios muito confusos a esse respeito, mas não o estudaram a fundo, o que fez que ali, como em muitos outros lugares, discutissem matéria que não conheciam, julgando por ouvir dizer, mais do que pela realidade. Contudo, muitos maçons são espíritas e trabalham muito na propagação desta crença. Todos escutam, e se o hábito diz não, a razão diz sim.

Esperai, então, porque o tempo é um recrutador sem igual. Por ele as impressões se modificam e, necessariamente, no vasto campo dos estudos abertos nas lojas, o estudo espírita entrará como complemento, porque isto já está no ar. Riram e falaram, mas não riem mais. Agora meditam.

Assim, então, tereis uma seara espírita nessas sociedades essencialmente liberais. Por elas entrareis plenamente neste segundo período, que deve preparar as vias prometidas. Os homens inteligentes da maçonaria vos bendirão, por sua vez, pois a moral dos Espíritos dará um corpo a essa seita tão comprometida, tão temida, mas que fez mais bem do que se pensa.

Tudo tem um parto laborioso, uma afinidade misteriosa, e se isto existe para o que perturba as camadas sociais, é muito mais verdadeiro para o que conduz ao progresso moral dos povos.

GUTTEMBERG

(Médium, SR. LEYMARIE)



II

Meu caro irmão em doutrina (o Espírito se dirige a um dos franco-maçons espíritas presentes), venho com felicidade responder ao benévolo apelo que fazes aos Espíritos que amaram e fundaram as instituições franco-maçônicas.

Para cimentar essa instituição generosa, duas vezes derramei o meu sangue; duas vezes as praças públicas desta cidade ficaram tintas de sangue do pobre Jacques Molé. Caros irmãos, seria preciso dá-lo uma terceira vez? Direi, feliz: não. Já vos foi dito: Quanto mais sangue, mais despotismo e mais carrascos! Uma sociedade de irmãos, de amigos, de homens cheios de boa vontade que só desejam conhecer a verdade para fazer o bem!

Eu não me havia ainda comunicado nesta assembleia. Enquanto falastes de ciência espírita, de filosofia espírita, cedi o lugar aos Espíritos que são mais aptos a vos dar conselhos sobre esses vários pontos e esperava pacientemente, sabendo que chegaria a minha vez. Há tempo para tudo, como há um momento para cada um. Assim, creio que soou a hora e é o momento oportuno. Posso, portanto, dar-vos a minha opinião acerca do Espiritismo e da franco-maçonaria.

As instituições maçônicas foram para a Sociedade um encaminhamento à felicidade. Numa época em que toda ideia liberal era considerada um crime, os homens necessitavam de uma força que, inteiramente submissa às leis, não fosse menos emancipada por suas crenças, por suas instituições e pela unidade de seu ensino.

Nessa época a religião ainda era, não mãe consoladora, mas força despótica que pela voz de seus ministros ordenava, feria, fazia tudo curvar-se à sua vontade. Ela era motivo de pavor para quem quisesse, como livre pensador, agir e dar aos homens sofredores alguma coragem e ao infeliz, algum consolo moral.

Unidos pelo coração, pela fortuna e pela caridade, nossos templos foram os únicos altares onde não se havia ignorado o verdadeiro Deus; onde o homem ainda podia dizer-se homem; onde a criança podia esperar encontrar, mais tarde, um protetor, e o abandonado, amigos.

Vários séculos se passaram e todos acrescentaram algumas flores à coroa maçônica. Foram mártires, homens letrados, legisladores que aumentaram a sua glória, tornando-se seus defensores e conservadores.

No século dezenove o Espiritismo vem, com seu facho luminoso, dar a mão aos comendadores, aos rosa-cruzes, e com voz trovejante lhes diz: Vamos, meus irmãos! Eu sou verdadeiramente a voz que se faz ouvir no Oriente e à qual o Ocidente responde: Glória, honra, vitória aos filhos dos homens! Ainda alguns dias, e o Espiritismo terá transposto o muro que separa a maioria do recinto do templo dos segredos, e nesse dia a Sociedade verá florescer em seu seio a mais bela flor espírita que, deixando suas pétalas caírem, dará uma semente regeneradora da verdadeira liberdade.

O Espiritismo fez progressos, mas no dia em que tiver dado a mão à francomaçonaria, todas as dificuldades serão vencidas; todo obstáculo será retirado; a verdade brilhará e o maior progresso moral será realizado. Ele terá transposto os primeiros degraus do trono, onde em breve deverá reinar.

A vós, saudação fraterna e amizade.

JACQUES DE MOLÉ

(Médium: SRTA. BÉGUET)



III

Foi com grande encanto que participei das discussões deste centro tão profundamente espiritualista, e retorno atraído por Guttemberg, como o fora outro dia por Jacquard.

A maior parte da dissertação do grande tipógrafo tratou da questão de um ponto de vista do ofício, e singularmente ele não viu nessa bela invenção senão o lado prático, material, utilitário. Alarguemos o debate e examinemos a questão de mais alto.

Seria um erro crer que a imprensa veio substituir a arquitetura, pois esta permanecerá para continuar seu papel de historiógrafo, por meio de monumentos característicos marcados pelo espírito de cada século, de cada geração, de cada revolução humanitária. Dizemos bem alto que não, a imprensa nada veio derrubar. Ela veio para completar, por sua obra especial, grande e emancipadora. Ela chegou à sua hora, como todas as descobertas que nascem providencialmente aqui na Terra. Contemporâneo do monge que inventou a pólvora, e que com isso transformou a velha arte das batalhas, Guttemberg trouxe uma nova alavanca à expressão das ideias. Não o esqueçamos: A imprensa não podia ter sua legítima razão de ser senão pela emancipação das massas e pelo desenvolvimento intelectual dos indivíduos. Sem essa necessidade a satisfazer, sem esse alimento, esse maná espiritual a distribuir, longamente a imprensa ainda se teria debatido no vazio e não teria sido considerada senão um sonho de louco ou uma utopia sem importância. Não é assim que foram tratados os primeiros inventores, ou melhor, os primeiros que descobriram e constataram as propriedades do vapor? Fazei Guttemberg nascer nas ilhas de Andamã e a imprensa fatalmente aborta.

A ideia, portanto, eis a alavanca primordial a considerar. Sem a ideia, sem o trabalho fecundo dos pensadores, dos filósofos, dos ideólogos, e até mesmo dos monges sonhadores da Idade Média, a imprensa teria ficado letra morta. Guttemberg pode, pois, acender mais de uma vela em honra aos dialéticos da escola que fizeram germinar a ideia e desbastar as inteligências.

A ideia febril, que reveste uma forma plástica no cérebro humano, é e sempre continuará sendo o maior motor das descobertas e das invenções. Criar uma necessidade nova no meio das sociedades modernas é abrir um novo caminho à ideia perpetuamente inovadora; é impelir o homem inteligente à busca do que satisfaça essa nova necessidade da Humanidade. Eis por que, por toda parte onde a ideia for soberana, onde for acolhida com respeito, enfim, onde os pensadores forem honrados, têm-se certeza de progredir para Deus.

A franco-maçonaria, contra a qual tanto gritaram, contra a qual a Igreja romana não teve bastante anátemas, e que nem por isto deixou de sobreviver, a francomaçonaria abriu de par em par as portas de seus templos ao culto emancipador da ideia. Em seu seio, todas as questões mais sérias foram levantadas, e antes que o Espiritismo tivesse aparecido, os veneráveis e os grão-mestres sabiam e professavam que a alma é imortal e que os mundos visível e invisível se intercomunicam. Foi ali, nos santuários onde os profanos não são admitidos, que os Swedenborg, os Pasqualis, os Saint-Martin obtiveram resultados fulminantes. Foi ali que a grande Sofia, essa etérea inspiradora, veio ensinar aos primogênitos da Humanidade os dogmas emancipadores onde o ano de 1789 bebeu seus princípios fecundos e generosos. Foi ali, muito antes dos vossos médiuns contemporâneos, que precursores da vossa mediunidade, grandes desconhecidos, tinham evocado e feito aparecerem os sábios da Antiguidade e dos primeiros séculos desta era. Foi ali... Mas eu me detenho. O quadro restrito de vossas sessões, o tempo que se escoa, não me permitem alongar-me, como desejava, sobre esse assunto interessante. A ele voltaremos mais tarde.

Tudo o que direi é que o Espiritismo encontrará no seio das lojas maçônicas numerosa falange compacta de crentes, não de crentes efêmeros, mas sérios, resolutos e inabaláveis em sua fé.

O Espiritismo realiza todas as aspirações generosas e caridosas da francomaçonaria; sanciona as crenças que esta professa, dando provas irrecusáveis da imortalidade da alma; conduz a Humanidade ao objetivo que ela se propõe: a união, a paz, a fraternidade universal, pela fé em Deus e no futuro.

Será que os espíritas sinceros de todas as nações, cultos e classes não se olham como irmãos? Não há entre eles uma verdadeira franco-maçonaria, com a diferença que, em vez de secreta, é praticada abertamente? Homens esclarecidos, como os que ela congrega, que põem suas luzes acima dos preconceitos de camarilhas e de castas, não podem ver com indiferença o movimento que essa nova doutrina, essencialmente emancipadora, produz no mundo. Repelir um elemento tão poderoso de progresso moral seria abjurar os seus princípios e pôr-se ao nível dos retrógrados. Não, eu tenho certeza, eles não se deixarão desviar, pois vejo que, sob a nossa influência, vão encarregar-se desse grave problema.

O Espiritismo é uma irresistível corrente de ideias, que deve ganhar todo o mundo. É uma questão de tempo. Ora, seria desconhecer o caráter da instituição maçônica, crer que esta concorde em se anular e representar um papel negativo em meio ao movimento que impele a Humanidade para a frente; crer que ela apague o facho, como se temesse a luz. É bem entendido que aqui falo da alta francomaçonaria, e não dessas lojas feitas para a ilusão, onde se reúnem mais para comer e beber ou para rir da perplexidade que inocentes provas causam aos neófitos do que para discutir questões morais e filosóficas.

Era mesmo necessário, para que a franco-maçonaria pudesse continuar sua ampla missão sem entraves, que houvesse, de espaço a espaço, de raio em raio, de meridiano em meridiano, templos fora do templo, lugares profanos fora dos lugares sagrados, falsos tabernáculos fora da arca. É nesses centros que os adeptos do Espiritismo têm tentado inutilmente se fazerem entendidos.

Em resumo, a franco-maçonaria ensinou o dogma precursor do vosso, e professou em segredo o que proclamais bem alto.

Eu disse que voltarei a tratar destes problemas, se os altos Espíritos que presidem os vossos trabalhos o permitirem. Enquanto espero, eu vos afirmo que a Doutrina Espírita pode perfeitamente fundir-se à das grandes lojas do Oriente.

Agora, glória ao Grande Arquiteto.

Um antigo franco-maçon, VAUCANSON

(Médium: SR. D’AMBEL)


(Sociedade espírita de Paris, 17 de janeiro de 1864 - Médium: Sra. Costel)

Meus amigos, venho a vós, que sois os experimentados e os proletários do sofrimento. Venho saudar-vos, bravos e dignos operários, em nome da caridade e do amor.

Sois os bem-amados de Jesus, do qual fui amigo. Repousai na crença espírita, como repousei no seio do enviado divino. Operários, sois os eleitos na via dolorosa da provação, onde marchais de pés sangrentos e coração desencorajado. Esperai, irmãos! Todo sofrimento leva consigo o seu salário; toda jornada laboriosa tem sua noite de repouso. Crede no futuro, que será vossa recompensa, e não busqueis o esquecimento, que é ímpio. O esquecimento, meus amigos, é a embriagues egoísta ou brutal; é a fome para vossos filhos e o choro para vossas esposas. O esquecimento é uma covardia.

Que pensaríeis de um operário que, sob pretexto de leve fadiga, deixasse a oficina e interrompesse covardemente a jornada iniciada? Meus amigos, a vida é a jornada da eternidade. Cumpri bravamente o seu labor; não sonheis com um repouso impossível; não adianteis o relógio do tempo; tudo vem na devida hora: a recompensa pela coragem e a bênção para o coração comovido que se confia à eterna justiça.

Sede espíritas e tornar-vos-eis fortes e pacientes, porque aprendereis que as provas são uma garantia de progresso, e que elas vos abrirão a entrada do repouso feliz, onde bendireis os sofrimentos que vos terão aberto o seu acesso.

A vós todos, operários e amigos, minhas bênçãos. Assisto às vossas reuniões, porque sois os bem-amados daquele que foi

JOÃO, O EVANGELISTA




DITADO ESPONTÂNEO, PARTE DAS INSTRUÇÕES SOBRE A TEORIA DOS FLUIDOS

(PARIS, 11 DE NOVEMBRO DE 1863 — MÉDIUM: SRTA. A. C.)


A progressão de todas as coisas conduz necessariamente à transubstanciação, e a mediunidade espiritual é uma das forças da Natureza que lá fará chegar mais rapidamente o nosso planeta, porque ele deve, como todos os mundos, sofrer a lei da transformação e do progresso.

Não só o seu pessoal humano, mas todas as suas produções minerais, vegetais e animais, seus gases e seus fluidos imponderáveis, também devem aperfeiçoar-se e se transformar em substâncias mais depuradas. A Ciência, que já trabalhou essa questão tão interessante da formação deste mundo, reconheceu que ele não foi criado por uma palavra, como diz a Gênese, numa sublime alegoria, mas que ela sofreu, numa longa série de séculos, transformações que produziram camadas minerais de diversas naturezas. Seguindo a gradação dessas camadas, vê-se aparecerem sucessivamente e se multiplicarem as produções vegetais; mais tarde encontram-se traços dos animais, o que indica que somente nessa época os corpos organizados tinham encontrado a possibilidade de ali viver.

Estudando a progressão dos seres animados, como se fez com os minerais e os vegetais, reconhece-se que esses seres, a princípio mariscos, elevaram-se gradualmente na escala animal e que a sua progressão acompanhou a das produções e da depuração do solo.

Nota-se, ao mesmo tempo, o desaparecimento de certas espécies, desde que as condições físicas necessárias à sua vida não mais existem. Foi assim que, por exemplo, os grandes sáurios, monstros anfíbios, e os mamíferos gigantes, dos quais hoje só se encontram os fósseis, desapareceram completamente da Terra com as condições de existência que as inundações haviam criado para eles.

Sendo os dilúvios um dos meios de transformação da Terra, eles foram quase gerais, isto é, durante um certo período, eles revolveram o globo e assim determinaram produções vegetais e fluidos atmosféricos diferentes.

Assim como todos os seres orgânicos, o homem apareceu na Terra quando aí pôde encontrar as condições necessárias à sua existência.

Aí a criação natural cessa, tão somente pelas forças da Natureza. Aí começa o papel do Espírito encarnado no homem para o trabalho, porque ele deve concorrer para a obra comum. Trabalhando para si próprio, ele deve trabalhar para a melhora geral. Assim, vemo-lo, desde as primeiras raças, cultivar a terra e fazê-la produzir para suas necessidades corporais, determinando, desse modo, transformações em seu solo, em seus produtos, em seus gases e em seus fluidos.

Quanto mais se povoa a Terra, tanto mais os homens a trabalham, a cultivam, a saneiam, e tanto mais abundantes e variados são os seus produtos.

A depuração de seus fluidos pouco a pouco leva ao desaparecimento das espécies vegetais e animais venenosas e nocivas ao homem, pois não podem subsistir num ar muito depurado e muito sutil para a sua organização, e que não mais lhes fornece os elementos necessários à sua manutenção.

O estado sanitário do globo melhorou sensivelmente, desde a sua origem, mas como ainda deixa muito a desejar, é o indício de que melhorará ainda mais, pelo trabalho e pela indústria do homem. Não é sem desígnio que ele é levado a estabelecer-se nas regiões mais ingratas e insalubres. Ele já tornou habitáveis regiões infestadas por animais imundos e miasmas deletérios. Pouco a pouco, as transformações a que ele submete o solo conduzirão à depuração completa.

Pelo trabalho, o homem aprende a conhecer e dirigir as forças da Natureza. Pode-se acompanhar na História o fio das descobertas e das conquistas do espírito humano, bem como a aplicação que delas fez para as suas necessidades e sua satisfação.

Mas, seguindo essa fieira, deve-se notar, também, que o homem se desbastou, se desmaterializou, e se quisermos fazer um paralelo entre o homem de hoje e os primeiros habitantes do globo, constataremos o progresso já realizado; veremos que quanto mais o homem progride, mais é excitado a progredir, e que a progressão está na razão do progresso realizado. Hoje o progresso marcha a grande velocidade e forçosamente arrasta os retardatários.

Acabamos de falar do progresso físico, material, inteligente. Mas, vejamos o progresso moral e a influência que ele deve ter sobre o primeiro.

O progresso moral despertou ao mesmo tempo que o desenvolvimento material, mas foi mais lento, porque achando-se o homem em meio a uma criação exclusivamente material, tinha necessidade e aspirações em harmonia com o que o cercava. Avançando, sentiu o espiritual desenvolver-se e crescer em si, e, ajudado pelas influências celestes, começou a compreender a necessidade da direção inteligente do Espírito sobre a matéria. O progresso moral continuou o seu desenvolvimento e, em diferentes épocas, Espíritos adiantados vieram guiar a Humanidade e dar um maior impulso à sua marcha ascensional. Tais são Moisés, os profetas, Confúcio, os sábios da Antiguidade e o Cristo, o maior de todos, posto que o mais humilde na Terra.

O Cristo deu ao homem uma ideia maior de seu próprio valor, de sua independência e de sua personalidade espiritual. Seus sucessores, entretanto, muito inferiores a ele, não compreenderam a ideia grandiosa que brilha em todos os seus ensinamentos. Eles materializaram o que era espiritual, daí a espécie de status quo moral, no qual parou a Humanidade.

O progresso científico e intelectual continua a sua marcha, mas o progresso moral arrasta-se lentamente. Não é certo que, se desde o Cristo todos os que professaram a sua doutrina a tivessem praticado, os homens teriam evitado muitos males e hoje estariam moralmente mais adiantados?

O Espiritismo vem acelerar o progresso, desvendando à Humanidade o seu destino, e já vemos a sua força pelo número de adeptos e pela facilidade com que é compreendido. Ele vai conduzir a uma transformação moral ativa e, pela multiplicidade das comunicações mediúnicas, o coração e o Espírito de todos os encarnados serão trabalhados pelos Espíritos amigos e instrutores. Dessa instrução vai surgir um novo impulso científico, porque novas vias vão ser abertas à Ciência, que orientará suas pesquisas para as novas forças da Natureza que se revelam. As faculdades humanas que já se desenvolvem, desenvolver-se-ão ainda mais pelo trabalho mediúnico.

Inicialmente acolhido pelas almas ternas e inconsoláveis pela perda de parentes e amigos, o Espiritismo foi em seguida acolhido pelos infelizes deste mundo, cujo número é grande, e que foram encorajados e sustentados em suas provações por sua doutrina ao mesmo tempo tão suave e tão confortadora. Assim, ele propagou-se rapidamente, e muitos incrédulos admirados, que a princípio o estudaram como curiosos, se convenceram quando, por si mesmos, encontraram esperanças e consolações.

Hoje os sábios começam a abalar-se, e alguns deles, que o estudam seriamente e o admitem como força natural até agora desconhecida, a ele aplicando sua inteligência e seus conhecimentos já adquiridos, farão a Humanidade dar um imenso passo científico.

Mas os Espíritos não se limitam à instrução científica. Seu dever é duplo, e eles devem, sobretudo, cultivar a vossa moral. Ao lado dos estudos da Ciência, eles vos farão, e já fazem desde agora, trabalhar o vosso próprio eu. Os encarnados inteligentes e desejosos de progredir compreenderão que sua desmaterialização é a melhor condição para o estudo progressivo, e que sua felicidade presente e futura a isso está ligada.


OBSERVAÇÃO: É assim que o mundo, depois de haver atingido um certo grau de elevação no progresso intelectual, vai entrar no período do progresso moral, cuja rota lhe é aberta pelo Espiritismo. Esse progresso realizar-se-á pela força das coisas e conduzirá naturalmente à transformação da Humanidade, pelo alargamento do círculo das idéias no sentido espiritual, e pela prática inteligente e raciocinada das leis morais ensinadas pelo Cristo. A rapidez com que as idéias espíritas se propagam no próprio meio do materialismo que domina a nossa época, é o indício certo de uma pronta mudança na ordem das coisas. Basta para isto a extinção de uma geração, pois a que se ergue já se anuncia sob auspícios muito diversos.


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