Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1864

Allan Kardec

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Novembro

Alocução do Sr. Allan Kardec aos Espíritas de Bruxelas e Antuérpia, em 1864

Publicamos esta alocução a pedido de muitas pessoas que nos testemunharam o desejo de conservá-la, e porque ela tende a fazer encarar o Espiritismo sob um aspecto de certo modo novo. A Revista Espírita de Antuérpia a reproduziu integralmente.

Senhores e caros irmãos espíritas,

Apraz-me dar-vos este título porque, posto eu não tenha a vantagem de conhecer todas as pessoas presentes a esta reunião, quero crer que aqui estamos em família e todos em comunhão de pensamentos e de sentimentos. Admitindo, mesmo, que nem todos os assistentes fossem simpáticos à nossas ideias, não os confundira menos no sentimento fraterno que deve animar os verdadeiros espíritas para com todos os homens, sem distinção de opinião.

Contudo, é aos nossos irmãos em crença que me dirijo mais especialmente, para lhes exprimir a satisfação que experimento de me achar entre eles, e de lhes oferecer, em nome da Sociedade de Paris, a saudação de fraternidade espírita.

Eu já havia tido a prova de que o Espiritismo conta nesta cidade com numerosos adeptos sérios, devotados e esclarecidos, perfeitamente imbuídos do objetivo moral e filosófico da doutrina; sabia que aqui encontraria corações simpáticos, e isto foi o motivo determinante para que eu correspondesse ao insistente e grato convite que me foi feito por vários dentre vós, para uma curta visita este ano. A acolhida tão amável e cordial que recebi permitirá que leve de minha estada aqui a mais agradável lembrança.

Certamente eu teria o direito de orgulhar-me com o acolhimento que recebo nos diversos centros que visito, se não soubesse que esses testemunhos se dirigem muito menos ao homem do que à doutrina, da qual sou apenas o humilde representante, e devem ser considerados como uma profissão de fé, uma adesão aos nossos princípios. É assim que os encaro, no que pessoalmente me concerne.

Aliás, se as viagens que de tempos em tempos faço aos centros espíritas só devessem ter como resultado uma satisfação pessoal, eu as consideraria inúteis e me absteria de fazê-las. Mas, além de contribuírem para apertar os laços de fraternidade entre os adeptos, elas também têm a vantagem de me fornecer assuntos de observação e de estudo que jamais são perdidos para a doutrina. Independentemente dos fatos que podem servir ao progresso da ciência, aí recolho os materiais da história futura do Espiritismo; os documentos autênticos sobre o movimento da ideia espírita; os elementos mais ou menos favoráveis ou contrários que ela encontra, conforme as localidades; a força ou a fraqueza e as manobras de seus adversários; os meios de combater estes últimos; o zelo e o devotamento de seus verdadeiros defensores.

Entre estes últimos deve-se colocar na primeira linha todos os que militam pela causa com coragem, perseverança, abnegação e desinteresse, sem segunda intenção pessoal, que buscam o triunfo da doutrina pela doutrina e não pela satisfação de seu amor-próprio, aqueles que, enfim, por seu exemplo, provam que a moral espírita não é palavra vã, e se esforçam por justificar essa notável afirmação de um incrédulo: Com uma tal doutrina, não se pode ser espírita sem ser homem de bem.

Não há centro espírita onde eu não tenha encontrado um número mais ou menos grande desses pioneiros da obra, desses desbravadores do terreno, desses lutadores infatigáveis que, sustentados por uma fé sincera e esclarecida, pela consciência de cumprir um dever, não desanimem ante nenhuma dificuldade, encarando seu devotamento como uma dívida de reconhecimento pelos benefícios morais que eles receberam do Espiritismo. É justo que os nomes daqueles de que se honra a doutrina fiquem perdidos para os nossos descendentes e que não possam eles um dia ser inscritos no panteão espírita?

Infelizmente, ao lado deles por vezes se acham os meninos travessos da causa, os impacientes que, não calculando o alcance de suas palavras e de seus atos, podem comprometê-la; aqueles que, por um zelo irrefletido, por ideias intempestivas e prematuras, sem querer fornecem armas aos nossos adversários. Depois vêm aqueles que, considerando o Espiritismo apenas superficialmente, sem serem tocados no coração, por seu próprio exemplo dão uma falsa ideia de seus resultados e de suas tendências morais.

Eis aí, sem contradita, o maior escolho que encontram os sinceros propagadores da doutrina, pois muitas vezes eles veem a obra que penosamente esboçaram desfeita por aqueles que deveriam secundá-los. É um fato comprovado que o Espiritismo é mais entravado pelos que o compreendem mal do que pelos que absolutamente não o compreendem, e mesmo por seus inimigos declarados. E é de notar que aqueles que o compreendem mal geralmente têm a pretensão de compreendê-lo melhor que os outros, e não é raro ver noviços pretenderem, ao cabo de alguns meses, dar lições àqueles que adquiriram experiência em estudos sérios. Tal pretensão, que revela o orgulho, é uma prova evidente da ignorância dos verdadeiros princípios da doutrina.

Que os espíritas sinceros, entretanto, não desanimem, pois esse é um resultado do momento de transição que vivemos. As ideias novas não podem estabelecer-se de repente e sem estorvos. Como lhes é preciso varrer as ideias antigas, forçosamente encontram adversários que as combatem e as repelem, e depois, as criaturas que as tomam pelo avesso, que as exageram ou querem acomodá-las a seus gostos ou a suas opiniões pessoais. Mas chega o momento em que, conhecidos e compreendidos os verdadeiros princípios pela maioria, as ideias contraditórias caem por si mesmas. Já vedes o que aconteceu com todos os sistemas isolados, surgidos na origem do Espiritismo. Todos caíram ante a observação mais rigorosa dos fatos, ou só encontram ainda uns poucos desses partidários tenazes que em tudo se aferram às suas primeiras ideias, sem dar um passo à frente. A unidade se estabeleceu na crença espírita com muito mais rapidez do que era dado esperar. É que os Espíritos vieram confirmar em todos os pontos os princípios verdadeiros, de sorte que hoje há entre os adeptos do mundo inteiro uma opinião predominante que, se ainda não conta com a unanimidade absoluta, conta, incontestavelmente, com a da imensa maioria, do que se segue que aquele que quer marchar ao arrepio dessa opinião, encontrando pouco ou nenhum eco, se condena ao isolamento. Aí está a experiência para demonstrá-lo.

Para remediar o inconveniente que acabo de assinalar, isto é, para prevenir as consequências da ignorância e das falsas interpretações, é preciso cuidar da divulgação das ideias justas, de formar adeptos esclarecidos cujo número crescente neutralizará a influência das ideias erradas.

Minhas visitas aos centros espíritas, naturalmente, têm por objetivo principal ajudar os irmãos em crença em suas tarefas. Aproveito, assim, para lhes dar as instruções de que possam necessitar, como desenvolvimento teórico ou aplicação prática da doutrina, tanto quanto me é possível fazê-lo. A finalidade dessas visitas é séria e exclusivamente no interesse da doutrina, assim, não busco ovações, que não são do meu gosto nem do meu caráter. Minha maior satisfação é a de me encontrar com amigos sinceros, devotados, com os quais a gente pode entreter-se sem constrangimento e se esclarecer mutuamente, por uma discussão amistosa, à qual cada um leva o contributo de suas próprias observações.

Nessas excursões, não vou pregar aos incrédulos e jamais convoco o público para catequizá-lo. Numa palavra, não vou fazer propaganda. Só apareço em reuniões de adeptos, nas quais meus conselhos são desejados e podem ser úteis. Eu os dou de boa vontade aos que julgam deles necessitar e abstenho-me com os que se julgam bastante esclarecidos para dispensá-los. Só me dirijo aos homens de boa vontade.

Se nessas reuniões, excepcionalmente, se insinuarem pessoas atraídas apenas pela curiosidade, elas ficariam desapontadas, pois aí nada encontrariam que pudesse satisfazê-las, e se estivessem animadas de um sentimento hostil ou difamatório, o caráter eminentemente sério, sincero e moral da assembleia e dos assuntos aí tratados tiraria qualquer pretexto plausível para a sua malevolência. Tais são os pensamentos que exprimo nas diversas reuniões a que sou chamado a assistir, a fim de que não se equivoquem quanto às minhas intenções.

Eu disse inicialmente que eu não era senão o representante da doutrina. Algumas explicações sobre o seu verdadeiro caráter naturalmente chamarão a vossa atenção para um ponto essencial que até agora não foi suficientemente considerado. Certamente, vendo a rapidez do progresso desta doutrina, haveria mais glória em dizer-me seu criador; meu amor-próprio aí encontraria sua compensação, mas não devo considerar a minha parte maior do que ela é. Longe de lamentar, eu me felicito por isso, porque, então, a doutrina não passaria de uma concepção individual, que poderia ser mais ou menos justa, mais ou menos engenhosa, mas que, por isso mesmo, perderia sua autoridade. Ela poderia ter partidários, talvez fazer escola, como muitas outras, mas certamente não teria adquirido, em poucos anos, o caráter de universalidade que a distingue.

Eis um fato capital, senhores, que deve ser proclamado bem alto. Não, o Espiritismo não é uma concepção individual, um produto da imaginação; não é uma teoria, um sistema inventado para a necessidade de uma causa. Ele tem sua fonte nos fatos da própria Natureza, em fatos positivos, que se produzem aos nossos olhos a cada instante, mas cuja origem não se suspeitava. É, pois, resultado da observação, numa palavra, uma ciência, a ciência das relações entre os mundos visível e invisível, ciência ainda imperfeita, mas que diariamente se completa por novos estudos e que, tende certeza, tomará posição ao lado das ciências positivas. Digo positivas porque toda ciência que repousa sobre fatos é uma ciência positiva, e não puramente especulativa.

O Espiritismo nada inventou, porque não se inventa o que está na Natureza. Newton não inventou a lei da gravitação, pois essa lei universal existia antes dele; cada um a aplicava e lhe sentia os efeitos, entretanto, ela não era conhecida.

Por sua vez, o Espiritismo vem mostrar uma nova lei, uma nova força da Natureza: a que reside na ação do Espírito sobre a matéria, lei tão universal quanto a da gravitação e a da eletricidade, contudo ainda desconhecida e negada por certas pessoas, como o foram todas as outras leis no momento de sua descoberta. É que os homens geralmente sentem dificuldade em renunciar às suas ideias preconcebidas e, por amor-próprio, custa-lhes concordar que estavam enganados, ou que outros tenham podido encontrar o que eles próprios não encontraram.

Mas como, definitivamente, esta lei repousa sobre fatos, e contra os fatos não há negação que possa prevalecer, eles terão que render-se à evidência, como os mais recalcitrantes tiveram que fazê-lo quanto ao movimento da Terra, à formação do globo e aos efeitos do vapor. Por mais que taxem os fenômenos de ridículos, não podem impedir a existência daquilo que existe.

Assim, o Espiritismo procurou a explicação dos fenômenos de uma certa ordem, e que em todas as épocas se produziram de maneira espontânea. Mas o que, sobretudo, o favoreceu nessas pesquisas, é que lhe foi dado o poder de produzi-los e de provocá-los, até certo ponto. Ele encontrou nos médiuns, instrumentos adequados a tal efeito, como o físico encontrou na pilha e na máquina elétrica os meios de reproduzir os efeitos do raio. Entenda-se que isto é uma comparação e que não pretendo estabelecer uma analogia.

Há aqui, entretanto, uma consideração de alta importância. É que, em suas pesquisas, ele não procedeu por via de hipóteses, como o acusam. Ele não supôs a existência do mundo espiritual para explicar os fenômenos que tinha sob as vistas. Ele procedeu pela via da análise e da observação. Dos fatos remontou à causa e o elemento espiritual a ele se apresentou como força ativa; ele só o proclamou depois de havê-lo constatado.

Como força e como lei da Natureza, a ação do elemento espiritual abre, assim, novos horizontes à Ciência, dando-lhe a chave de uma porção de problemas incompreendidos.

Mas, se a descoberta de leis puramente materiais produziu no mundo revoluções materiais, a do elemento espiritual nele prepara uma revolução moral, porque ela muda totalmente o curso das ideias e das crenças mais arraigadas; ela mostra a vida sob um outro aspecto; ela mata a superstição e o fanatismo; ela engrandece o pensamento, e o homem, em vez de se arrastar na matéria, de circunscrever sua vida entre o nascimento e a morte, eleva-se ao infinito; ele sabe de onde vem e para onde vai; ele vê um objetivo para o seu trabalho, para os seus esforços, uma razão de ser para o bem; ele sabe que nada do que aqui adquire em saber e moralidade fica perdido, e que o seu progresso continua indefinidamente no além-túmulo; ele sabe que há sempre um futuro para si, sejam quais forem a insuficiência e a brevidade da presente existência, ao passo que a ideia materialista, circunscrevendo a vida à existência atual, dá-lhe como perspectiva o nada, que nem mesmo tem por compensação a duração, que ninguém pode aumentar à sua vontade, desde que podemos cair amanhã, dentro de uma hora, e então o fruto de nossos labores, de nossas vigílias, dos conhecimentos adquiridos estarão para nós perdidos para sempre, muitas vezes sem termos tido tempo de desfrutá-los.

O Espiritismo, eu o repito, demonstrando, não por hipótese, mas por fatos, a existência do mundo invisível e o futuro que nos aguarda, muda completamente o curso das ideias; dá ao homem a força moral, a coragem e a resignação, porque ele não mais trabalha apenas pelo presente, mas pelo futuro; ele sabe que se não gozar hoje, gozará amanhã. Demonstrando a ação do elemento espiritual sobre o mundo material, ele alarga o domínio da Ciência e abre, por isto mesmo, uma nova via ao progresso material. Então terá o homem uma base sólida para o estabelecimento da ordem moral na Terra. Ele compreenderá melhor a solidariedade que existe entre os seres deste mundo, porquanto essa solidariedade se perpetua indefinidamente; a fraternidade deixa de ser palavra vã; ela mata o egoísmo, em vez de ser morta por ele e, muito naturalmente, imbuído destas ideias, o homem a elas conformará as suas leis e suas instituições sociais.

O Espiritismo conduz inevitavelmente a essa reforma. Assim, pela força das coisas, realizar-se-á a revolução moral que deve transformar a Humanidade e mudar a face do mundo, e isto simplesmente pelo conhecimento de uma nova lei da Natureza que dá um outro curso às ideias, uma significação a esta vida, um objetivo às aspirações do futuro, e faz encarar as coisas de outro ponto de vista.

Se os detratores do Espiritismo ─ eu falo dos que militam pelo progresso social, dos escritores que pregam a emancipação dos povos, a liberdade, a fraternidade e a reforma dos abusos ─ conhecessem as verdadeiras tendências do Espiritismo, seu alcance e seus inevitáveis resultados, em vez de atacá-lo, como o fazem, e de lançar incessantemente obstáculos no seu caminho, nele veriam a mais poderosa alavanca para chegar à destruição dos abusas que combatem; em vez de lhe serem hostis, eles o aclamariam como um socorro providencial. Infelizmente, a maioria acredita mais em si do que na Providência. Mas a alavanca age sem eles e apesar deles, e a força irresistível do Espiritismo será tanto melhor constatada quanto mais ele tiver a combater. Um dia, deles dirão ─ e isto não será para sua glória ─ o que eles próprios dizem dos que combateram o movimento da Terra e dos que negaram a força do vapor. Todas as negações, todas as perseguições não impediram que estas leis naturais seguissem o seu curso, como todos os sarcasmos da incredulidade não impedirão a ação do elemento espiritual, que é, também, uma lei da Natureza.

Considerado desta maneira, o Espiritismo perde o caráter de misticismo que lhe censuram seus detratores, pelo menos aqueles que não o conhecem. Não é mais a ciência do maravilhoso e do sobrenatural ressuscitada, é o domínio da Natureza, enriquecido por uma lei nova e fecunda, uma prova a mais do poder e da sabedoria do Criador. São, enfim, os limites recuados do conhecimento humano.

Tal é, em resumo, senhores, o ponto de vista sob o qual se deve encarar o Espiritismo. Nesta circunstância, qual foi o meu papel? Não é nem o de inventor, nem o de criador. Eu vi, observei, estudei os fatos com cuidado e perseverança; eu os coordenei e lhes deduzi as consequências: eis toda a parte que me cabe. Aquilo que fiz, outro poderia ter feito em meu lugar. Em tudo isto fui apenas um instrumento da Providência, e dou graças a Deus e aos bons Espíritos por terem querido servir-se de mim. É uma tarefa que aceitei com alegria, e da qual me esforço por me tornar digno, pedindo a Deus me dê as forças necessárias para realizá-la segundo a sua santa vontade. Essa tarefa, entretanto, é pesada, mais pesada do que podem supor, e se tem para mim algum mérito, é que tenho a consciência de não haver recuado ante nenhum obstáculo e nenhum sacrifício; será a obra de minha vida, até meu último dia, pois ante um objetivo tão importante, todos os interesses materiais e pessoais se apagam, como pontos diante do infinito.

Termino esta curta exposição, senhores, dirigindo sinceras felicitações aos nossos irmãos da Bélgica, presentes ou ausentes, cujo zelo, devotamento e perseverança contribuíram para a implantação do Espiritismo naquele país. As sementes que foram plantadas nos grandes centros populacionais como Bruxelas, Antuérpia e outros, tenho certeza, não terão sido lançadas em solo estéril.


Num artigo biográfico sobre Méry, publicado pelo Journal Littéraire de 25 de setembro de 1864, encontra-se a seguinte passagem:

“Há teorias singulares que para ele são convicções.

“Assim, ele crê firmemente que viveu várias vezes; lembra-se das menores circunstâncias de suas existências precedentes e as detalha com uma nota de certeza que impõe como uma autoridade.

“Assim, ele foi um dos amigos de Virgílio e de Horácio, conheceu Augustus Germanicus e fez a guerra nas Gálias e na Germânia. Era general e comandava as linhas romanas quando estas atravessaram o Reno. Reconhecia nas montanhas lugares onde havia acampado, e nos vales os campos de batalha onde combateu. Ele se lembra de conversas em casa de Mecenas, que são o eterno objeto de seus pesares. Chamava-se Minius.

“Um dia, na sua vida atual, ele estava em Roma e visitava a biblioteca do Vaticano. Ali foi recebido por gente moça, noviços em longas vestes escuras, que se puseram a lhe falar no latim mais puro. Méry era bom latinista, no que se refere à teoria e às coisas escritas, mas ainda não havia experimentado conversar familiarmente na língua de Juvenal. Ouvindo esses romanos de hoje, admirando esse magnífico idioma, tão harmonizado com aqueles monumentos, com os costumes da época em que era usado, pareceu-lhe que um véu caía de seus olhos; pareceu-lhe que ele próprio havia conversado, em outros tempos, com amigos que se serviam dessa linguagem divina. Frases feitas e impecáveis saiam-lhe da boca; ele encontrou imediatamente a elegância e a correção; enfim, falou latim como fala francês; teve em latim o espírito que tem em francês. Nada disso podia fazer-se sem um aprendizado, e se ele não tivesse sido um súdito de Augusto, se não tivesse atravessado aquele século de todos os esplendores, não teria improvisado uma ciência, impossível de adquirir em poucas horas.

“Sua outra passagem na Terra aconteceu na Índia, por isso ele a conhece tão bem. Eis por que, quando ele publicou Guerre du Nizam, nenhum de seus leitores duvidou que ele tivesse morado muito tempo na Ásia. Suas descrições são vivas, seus quadros são originais, ele toca com o dedo os mínimos detalhes e é impossível não tenha visto o que conta, pois lá está o cunho da verdade.

“Ele afirma ter entrado naquele país com uma expedição muçulmana em 1035. Viveu lá durante cinquenta anos, viveu ali belos dias e ali se fixou para não mais sair. Lá ele ainda era poeta, mas menos letrado do que em Roma e em Paris. Inicialmente guerreiro e depois sonhador, guardou na alma as imagens empolgantes das margens do Rio Sagrado e dos ritos hindus. Ele tinha várias moradas, na cidade e no campo; orou nos templos dos elefantes; conheceu a civilização avançada de Java; viu de pé as esplêndidas ruínas que assinala e que ainda são tão pouco conhecidas.

É preciso ouvi-lo contar esses poemas, pois são verdadeiros poemas essas lembranças à maneira de Swedenborg. Ele é muito sério, não tenhais dúvida. Isto não é uma mistificação arranjada à custa dos ouvintes, é uma realidade de que ele consegue vos convencer.

“E suas doutrinas sobre a história, que ele possui admiravelmente! E suas pilhérias tão finas, que lançam uma luz nova sobre tudo quanto elas tocam! E seus relatos, que são romances, que quase nos fazem chorar, depois de não termos podido conter o riso! Tudo isto faz de Méry um dos mais maravilhosos homens dos tempos em que viveu, e mesmo daqueles em que sua alma errante esperava a vez para entrar num corpo e novamente fazer que dela falassem as gerações sucessivas.

“PIERRE DANGEAU”


O autor do artigo não acompanha este fato de nenhuma reflexão. Depois de ter exaltado o alto mérito de Méry e sua grande inteligência, teria sido inconsequente taxá-la de loucura. Se, pois, Méry é um homem de bom senso, de alto valor intelectual; se a crença de já ter vivido é nele uma convicção; se essa convicção nele não é produto de um sistema à sua maneira, mas o resultado de uma lembrança retrospectiva e de um fato material, não há aí alguma coisa que possa despertar a atenção de todo homem sério? Vejamos a que incalculáveis consequências nos conduz este simples fato.

Se Méry já viveu, não deve isto ser exceção, porque as leis da Natureza são as mesmas para todos, e assim, todos os homens também devem ter vivido; se se viveu, não é certamente o corpo que renasce, é, entretanto, o princípio inteligente, a alma, o Espírito, portanto, temos uma alma. Considerando-se que Méry conservou a lembrança de várias existências, porquanto os lugares lhe trazem à lembrança o que já viu outrora, com a morte do corpo a alma não se perde no todo universal. Ela conserva, pois, a sua individualidade, a consciência do seu eu.

Lembrando-se Méry do que ele foi há aproximadamente dois mil anos, em que se tornou sua alma no intervalo? Abismou-se no oceano do infinito ou perdida nas profundezas do espaço? Não, porque assim ela não reencontraria sua individualidade de outrora. Então deve ter ficado na esfera da atividade terrestre, vivendo a vida espiritual, em nosso meio ou no espaço que nos rodeia, até tomar um novo corpo. Considerando-se que Méry não está sozinho no mundo, deve haver em torno de nós uma população inteligente invisível.

Renascendo para a vida corpórea, após um intervalo mais ou menos longo, a alma renasce no estado primitivo, no estado de alma nova, ou aproveita as ideias adquiridas em suas existências anteriores? A lembrança retrospectiva resolve a questão por um fato: se Méry tivesse perdido as ideias adquiridas, não teria readquirido a língua que falava outrora; a visão dos lagares nada lhe teria trazido à lembrança.

Mas se já vivemos, por que não viveríamos novamente? Por que esta existência seria a última? Se renascemos com o desenvolvimento intelectual realizado, a intuição que trazemos das ideias adquiridas é um fundo que ajuda na aquisição de novas ideias, que tornam o estudo mais fácil. Se um homem for medianamente matemático numa existência, menos trabalho lhe será preciso em nova existência para ser um matemático completo. É uma consequência lógica. Se se tornou bom pela metade, se se corrigiu de alguns defeitos, necessitará de menos esforço para tornar-se melhor, e assim por diante.

Nada do que adquirimos em inteligência, em saber e em moralidade fica perdido. Quer morramos jovens ou velhos; quer tenhamos ou não tempo de desfrutar da existência presente, colheremos os seus frutos em existências subsequentes. As almas que animam os franceses civilizados de hoje podem, portanto, ser as mesmas que animavam os bárbaros francos, ostrogodos, visigodos, os gauleses selvagens, os conquistadores romanos, os fanáticos da idade média, mas que, a cada existência, deram um passo à frente, apoiando-se nos passos anteriores, e que avançarão ainda mais.

Eis, pois, resolvido o grande problema do progresso da Humanidade, esse problema contra o qual se chocaram tantos filósofos. Ele está resolvido pelo simples fato da pluralidade das existências. Mas quantos outros problemas vão encontrar a sua solução na solução deste! Que horizontes novos isto não abre! É toda uma revolução nas crenças e nas ideias.

Assim raciocinará o pensador sério, o homem refletido. Um fato é um ponto de partida, do qual ele tira consequências. Ora, quais são os pensamentos que o caso de Méry desperta no autor do artigo? Ele próprio os resume nestas palavras: “Há teorias singulares, que para ele são convicções.”

Mas se esse autor nisto vê apenas uma coisa bizarra, pouco digna de sua atenção, o mesmo não se daria com todo mundo. Uma pessoa encontra em seu caminho um diamante bruto, que não se digna apanhar, porque desconhece o seu valor, ao passo que outra saberá apreciá-lo e dele tirar proveito.

As ideias espíritas hoje se produzem sob todas as formas; estão na ordem do dia e a imprensa, sem querer confessá-las, as registra e as semeia em profusão, acreditando que apenas enriquece suas colunas de facécias. Não é admirável que todos os adversários da ideia, sem exceção, trabalhem sem tréguas na sua propagação? Eles gostariam de calar o que a força das coisas os arrasta a falar. Assim o quer a Providência ─ para os que creem na Providência.

Dirão que argumentamos com base num fato isolado, que não constitui lei, porque, se a pluralidade das existências é uma condição inerente à Humanidade, por que nem todos os homens se recordam, como Méry? A isto respondemos: Dai-vos ao trabalho de estudar o Espiritismo e o sabereis. Não repetiremos, pois, o que cem vezes foi demonstrado relativamente à inutilidade da lembrança para aproveitar a experiência adquirida em vidas precedentes e o perigo dessa lembrança para as relações sociais.

Há, porém, uma outra causa para o esquecimento, de certo modo fisiológica, devida, ao mesmo tempo à materialidade do nosso envoltório e à identificação do nosso Espírito pouco adiantado com a matéria. À medida que o Espírito se depura, os laços materiais são menos tenazes e o véu que obscurece o passado é menos opaco. A faculdade da lembrança retrospectiva é consequência, portanto, do desenvolvimento do Espírito. O fato é raro em nossa Terra, porque a Humanidade ainda é muito material, mas seria um erro supor que Méry seja um exemplo único. Deus permite, de vez em quando, que ele se apresente, a fim de conduzir os homens ao conhecimento da grande lei da pluralidade das existências, a única que explica a origem das qualidades boas ou más, mostra-lhe a justiça das misérias que suporta aqui e lhe traça a rota do futuro.

A inutilidade da lembrança para tirar proveito do passado é o que têm mais dificuldade de compreender os que não estudaram o Espiritismo. Para os espíritas é uma questão elementar. Sem repetir o que a respeito foi dito, a seguinte comparação poderá facilitar a compreensão.

O estudante percorre a série de classes, desde a oitava até a filosofia. O que aprendeu na oitava lhe serve para aprender o que ensinam na sétima. Suponhamos agora que no fim da oitava ele tenha perdido a lembrança do tempo passado nessa classe; nem por isso seu espírito será menos desenvolvido e equipado com os conhecimentos adquiridos; apenas não se lembrará nem onde nem como os adquiriu, mas, à vista do progresso realizado, estará apto a aproveitar as lições da sétima. Suponhamos, ainda, que na oitava tenha sido preguiçoso, colérico, indócil, mas que, tendo sido castigado e moralizado, seu caráter se tenha transformado, tornando-se laborioso, manso e obediente; ele levará essas qualidades para a nova classe, que lhe parecerá ser a primeira. De que lhe serviria saber que foi fustigado pela preguiça, se agora ele não é mais preguiçoso? O essencial é que ele chegue à sétima classe melhor e mais capaz do que era na oitava. Assim será de classe em classe.

Pois bem! O que não acontece ao escolar, nem ao homem nos diversos períodos de sua vida atual, existe para ele como lembrança de uma existência anterior: eis toda a diferença, mas o resultado é exatamente o mesmo, posto que em maior escala.

(Vide outro exemplo de lembrança do passado relatado na Revista de julho de 1860).


(Passy, 4 de outubro de 1864 - Médium: Sr. Rul)

NOTA: O médium tinha tido a intenção de evocar Latour desde o momento do suplício. Tendo perguntado a seu guia espiritual se poderia fazê-lo, foi-lhe respondido que esperasse o momento que lhe seria indicado. A autorização foi dada somente no dia 3 de outubro, depois que ele leu o artigo da Revista que tratava do caso.

P. ─ Ouvistes as minhas preces?

R. ─ Sim, apesar de minha perturbação, eu as ouvi e vo-las agradeço. Fui evocado pouco após a minha morte e não me pude comunicar logo, mas muitos Espíritos levianos tomaram meu nome e meu lugar. Aproveitei em Bruxelas a presença do Presidente da Sociedade de Paris e, com a permissão dos Espíritos superiores, comuniquei-me.

Irei comunicar-me na Sociedade, e farei revelações que serão um começo de reparação das minhas faltas e que poderão servir de ensinamento a todos os criminosos que me lerem e refletirem no relato de meus sofrimentos.

Os discursos sobre as penas do inferno produzem pouco efeito sobre o espírito dos culpados, que não acreditam em todas essas imagens, que são apavorantes para as crianças e para os homens fracos. Ora, um grande malfeitor não é um Espírito pusilânime, e o medo da polícia age mais sobre ele que o relato dos tormentos do inferno. Eis por que todos os que me lerem serão tocados por minhas palavras, por meus sofrimentos, que não são suposições. Não há um só sacerdote que possa dizer: “Eu vi o que vos digo; eu assisti às torturas dos danados.” Mas quando eu vier dizer: “Eis o que se passou após a morte de meu corpo; eis o que foi o meu desencanto, ao reconhecer que não estava morto, como tinha esperado, e o que eu havia considerado como o fim dos meus sofrimentos era o começo de torturas impossíveis de descrever”, então mais de um parará à borda do precipício onde ia cair. Cada infeliz que eu parar assim na via do crime servirá para resgatar uma das minhas faltas. É assim que o bem sai do mal, e que a bondade de Deus se manifesta por toda parte, na Terra como no espaço.

Foi-me permitido libertar-me da visão de minhas vítimas, que se tornaram meus carrascos, a fim de me comunicar convosco. Mas em vos deixando, eu as verei novamente, e este simples pensamento me faz sofrer mais do que vos posso dizer. Sou feliz quando me evocam, porque então deixo o meu inferno por alguns instantes. Orai sempre por mim; pedi ao Senhor que me liberte da visão de minhas vítimas.

Sim, oremos juntos. A prece faz tanto bem!... Estou mais aliviado; já não sinto tanto o peso do fardo que me esmaga. Vejo um clarão de esperança brilhar aos meus olhos, e cheio de arrependimento exclamo: Bendita seja a mão de Deus. Que seja feita a sua vontade!

J. LATOUR


O guia espiritual do médium dita o seguinte:

“Não tomes os primeiros gritos do Espírito que se arrepende como sinal infalível de suas resoluções. Ele pode estar de boa-fé em suas promessas, porque a primeira impressão que ele sente ao se ver mergulhado no mundo dos Espíritos é de tal modo fulminante que, ao primeiro testemunho de caridade que recebe de um Espírito encarnado, entrega-se às efusões do reconhecimento e do arrependimento. Mas, por vezes, a reação é igual à ação, e muitas vezes esse Espírito culpado, que a um médium ditou tão boas palavras, pode voltar à sua natureza perversa, a seus pendores criminosos. Como uma criança que tenta caminhar, ele precisa ser ajudado para não cair.”

No dia seguinte foi novamente evocado o Espírito de Latour.

O médium. ─ Em vez de pedir a Deus que vos liberte da visão de vossas vítimas, eu vos concito a orar comigo para lhe pedir a força para suportar essa tortura expiatória.

Latour. ─ Eu preferiria ser libertado da visão de minhas vítimas. Se soubésseis o que sofro! O homem mais insensível ficaria comovido se pudesse ver, impressos em meu rosto como se fosse com fogo, os sofrimentos de minha alma. Farei o que me aconselhais. Compreendo que é um meio um pouco mais rápido de expiar minhas faltas. É como uma operação dolorosa, que deve dar a saúde ao meu corpo muito doente.

Ah! Se os culpados da Terra pudessem ver-me, como ficariam apavorados com as consequências de seus crimes que, ocultos aos olhos dos homens, são vistos pelos Espíritos! Como a ignorância é fatal a tanta pobre gente!

Que responsabilidade assumem os que recusam a instrução às classes pobres da Sociedade! Eles pensam que com a polícia e os guardas podem prevenir os crimes. Como estão errados! Se dobrassem ou quadruplicassem o número de agentes da autoridade, os mesmos crimes seriam cometidos, porque é preciso que os maus Espíritos encarnados cometam crimes.

Eu me recomendo à vossa caridade.


OBSERVAÇÃO: Sem dúvida é por um resto de preconceitos terrenos que Latour diz: “É preciso que os maus Espíritos encarnados cometam crimes.” Seria a fatalidade nas ações dos homens, doutrina que a todos excusaria. Aliás, é muito natural que ao sair de semelhante existência, o Espírito não compreenda ainda a liberdade moral, sem a qual o homem estaria no nível dos animais. A gente pode admirar-se de que ele não diga coisas piores.

A comunicação seguinte, do mesmo Espírito, foi obtida espontaneamente em Bruxelas, pela Sra. C..., a mesma médium que havia servido de instrumento à cena relatada no número de outubro.

“Nada mais temais de mim. Estou mais tranquilo, contudo ainda sofro. Deus teve piedade de mim, porque viu o meu arrependimento. Agora sofro esse arrependimento que me mostra a enormidade de minhas faltas.

“Se eu tivesse sido bem guiado na vida, não teria feito todo o mal que fiz, mas os meus instintos não foram reprimidos, e a eles obedeci, pois não conhecia freios. Se todos os homens pensassem bastante em Deus, ou, pelo menos, se todos os homens nele acreditassem, semelhantes atrocidades não mais seriam cometidas.

“Mas a justiça dos homens é mal compreendida. Por uma falta, às vezes leve, um homem é metido numa prisão que é sempre um lugar de perdição e de perversão. Dali ele sai completamente perdido pelos maus conselhos e pelos maus exemplos colhidos. Contudo, se sua natureza é suficientemente boa e bastante forte para resistir ao mau exemplo, ao sair da prisão todas as portas lhe são fechadas, todas as mãos dele se distanciam, todos os corações honestos o repelem. O que lhe resta? O desprezo e a miséria. O desprezo, o desespero, se ele sentir em si boas resoluções para voltar ao bem; a miséria o impele a tudo. Então ele também despreza o seu semelhante, odeia-o, e perde toda a consciência do bem e do mal, porque se vê repelido, ele, que entretanto havia tomado a resolução de tornar-se honesto. Para conseguir o necessário, ele rouba, ele mata, às vezes. Depois o guilhotinam!

“Meu Deus, no momento em que minhas alucinações me vão retomar, sinto vossa mão estender-se sobre mim; sinto vossa bondade que me envolve e me protege. Obrigado, meu Deus! Em minha próxima existência empregarei minha inteligência e todos os meus esforços para socorrer os infelizes que sucumbiram e para preservá-los da queda.

“Obrigado, a vós que não vos repugnais em comunicar-se comigo. Não temais, pois vedes que não sou mau. Quando pensardes em mim, não mentalizeis a imagem que de mim vistes, mas tende em mente uma pobre alma desolada, agradecida por vossa indulgência.

“Adeus. Evocai-me novamente, e rogai a Deus por mim.

“LATOUR”


OBSERVAÇÃO: O Espírito alude ao medo que sua presença inspirava ao médium.

Além disso, ele diz: “Eu sofro esse arrependimento que me mostra o enormidade de minhas faltas.” Há nisto um pensamento profundo. O Espírito não compreende, realmente, a gravidade de seus erros senão quando se arrepende. O arrependimento traz o pesar, o remorso, sentimento doloroso que é a transição do mal para o bem, da doença moral para a saúde moral. É para escapar disto que os Espíritos perversos resistem à voz da consciência, como esses doentes que repelem o remédio que deve curá-los. Eles procuram iludir-se e atordoar-se, persistindo no mal. Latour chegou à fase em que o endurecimento acaba cedendo, e o remorso entrou em seu coração. Em seguida veio o arrependimento. Ele compreende a extensão do mal que fez, vê a sua abjeção e a sofre. Eis por que ele diz: “Eu sofro esse arrependimento.” Em sua existência precedente, ele deve ter sido pior que nesta, porque se se tivesse arrependido como faz agora, sua vida teria sido melhor. As resoluções que ele toma agora influirão sobre sua futura existência terrena. A que ele acaba de deixar, por mais criminosa que tenha sido, marcou-lhe uma etapa do progresso. É mais do que provável que antes de iniciá-la ele fosse, na erraticidade, um desses maus Espíritos rebeldes, obstinados no mal, como se veem tantos.

Muitas pessoas perguntaram que proveito poderia ser tirado das existências passadas, levando-se em consideração que a gente nem se lembra do que foi, nem do que fez.

Esta questão está completamente resolvida pelo fato que, se o mal que praticamos é apagado; se nenhum traço resta em nossos coração, sua lembrança seria inútil, pois com eles não mais temos que nos preocupar. Quanto àquilo de que não nos corrigimos completamente, conhecemos por nossas tendências atuais; é para estas que devemos voltar toda a nossa atenção. Basta saber o que somos, sem que seja necessário saber o que fomos.

Quando se considera a dificuldade, durante a vida, da reabilitação do culpado mais arrependido, da reprovação de que ele é objeto, deve-se agradecer a Deus por haver lançado um véu sobre o passado. Se Latour tivesse sido condenado em tempo hábil, e mesmo que tivesse sido resgatado, seus antecedentes teriam feito com que ele fosse repelido pela Sociedade. Malgrado o seu arrependimento, quem o teria admitido na intimidade? Os sentimentos que hoje manifesta como Espírito nos dão a esperança que, na próxima existência terrena, será um homem honesto, estimado e considerado. Mas suponde que se saiba que ele foi Latour! A reprovação ainda o perseguirá. O véu lançado sobre o passado lhe abre a porta da reabilitação. Ele poderá assentar-se sem receio e sem acanhamento entre as mais decentes pessoas. Quantas pessoas não gostariam de apagar da memória dos homens, a todo custo, certos anos de sua existência!

Onde se encontra uma doutrina que melhor se harmonize com a justiça e a bondade de Deus? Aliás, esta doutrina não é uma teoria, mas resultado da observação. Não foram os espíritas que a imaginaram; eles viram e observaram as diversas situações em que se apresentam os Espíritos; eles procuraram a sua explicação, e dessa explicação saiu a doutrina. Se eles a aceitaram é porque ela resulta dos fatos, e porque ela lhes pareceu mais racional que todas as emitidas até hoje sobre o futuro da alma.

Latour foi evocado muitas vezes, o que era muito natural, mas, como acontece em casos semelhantes, houve muitas comunicações apócrifas, e os Espíritos levianos não perderam essa ocasião. A própria situação de Latour impedia que ele pudesse manifestar-se quase simultaneamente em tantos pontos ao mesmo tempo, porquanto a ubiquidade só é possível a Espíritos superiores.

As comunicações que relatamos são mais autênticas? Julgamos que sim e o desejamos, sobretudo para o bem desse Espírito. Na falta de provas materiais que atestem a identidade de modo absoluto, como muitas vezes são obtidas, pelo menos temos as provas morais, que tanto resultam das circunstâncias em que ocorrem as manifestações quanto da concordância. Sobre as comunicações que conhecemos, vindas de fontes diversas, pelo menos três quartas partes são coerentes quanto ao fundo; entre as outras, algumas não resistem a um exame, tão evidente é o erro de situação, e em flagrante contradição com o que nos ensina a experiência sobre o estado dos Espíritos no mundo espiritual.

Seja como for, não se pode recusar àquelas que citamos um alto ensino moral. O Espírito pode ter sido, deve mesmo ter sido ajudado em suas reflexões, e sobretudo na escolha das expressões, por Espíritos mais adiantados. Mas, em casos semelhantes, estes últimos só assistem na forma, e não no fundo, e jamais põem o Espírito inferior em contradição consigo mesmo. Em Latour puderam poetizar a forma do arrependimento, mas não o teriam levado a exprimir o arrependimento contra a sua vontade, porque o Espírito tem o seu livre-arbítrio. Eles viam nele o germe dos bons sentimentos, por isso ajudaram-no a exprimi-los, e dessa forma contribuíram para desenvolvê-los, ao mesmo tempo que para ele atraíram a comiseração.

Há algo de mais empolgante, de mais moral, de natureza a impressionar mais vivamente que o quadro desse grande criminoso arrependido, manifestando seu desespero e seu remorso, que, em meio às torturas, perseguido pelo olhar incessante de suas vítimas, eleva o pensamento a Deus para implorar misericórdia? Não está aí um salutar exemplo para os culpados? Tudo é sensato em suas palavras; tudo é natural em sua situação, ao passo que o que lhe é atribuído por certas comunicações é ridículo. Compreende-se a natureza de suas angústias; elas são racionais, terríveis, posto que simples e sem aparato fantasmagórico. Por que não se teria arrependido? Por que não haveria nele uma corda sensível vibrando? Está precisamente aí o lado moral de suas comunicações; é a compreensão que ele tem da situação; são seus pesares, suas resoluções, seus projetos de reparação que são eminentemente instrutivos. O que teriam visto de extraordinário se ele se tivesse arrependido sinceramente antes de morrer; se ele houvesse dito antes o que disse depois?

Uma volta ao bem antes de sua morte, aos olhos da maioria de seus pares, teria passado por uma fraqueza. Sua voz de além-túmulo é a revelação do futuro que os aguarda. Ele está absolutamente certo quando diz que o seu exemplo é mais adequado a reconduzir os culpados do que as chamas do inferno, e mesmo o cadafalso. Por que, então, não lhes é dado nas prisões? Isto levaria mais de um a refletir, conforme temos vários exemplos. Mas como crer na eficácia das palavras de um morto, quando se acredita que quando se morre tudo está acabado? Dia virá, entretanto, em que se reconhecerá esta verdade: Os mortos podem vir instruir os vivos.




Palestras familiares de além-túmulo

(Paris, 16 de agosto em 1864 - Médium: Sra. Delanne)


Pierre Legay era um rico cultivador um pouco interesseiro, falecido há dois anos e parente da Sra. Delanne. Era conhecido na região com o apelido de Grande Pierrot.

A comunicação seguinte nos mostra um dos aspectos mais interessantes do mundo invisível, o dos Espíritos que se julgam ainda vivos. Foi obtida pela Sra. Delanne, que a transmitiu à Sociedade de Paris. O Espírito se exprime exatamente como o fazia em vida; a própria trivialidade da linguagem é uma prova de identidade. Tivemos que suprimir algumas expressões que lhe eram familiares, dada a sua crueza.

“Há algum tempo, diz a Sra. Delanne, ouvíamos batidas em volta de nós. Presumindo que fosse um Espírito, pedimos-lhe que se desse a conhecer. Logo ele escreveu: Pierre Legay, dito Grande Pierrot.


1. ─ Ei-vos, então, em Paris, Grande Pierrot, vós que tínheis tanta vontade de aqui vir? ─ Estou aqui, meu caro amigo; vim só porque ela veio sem mim. Entretanto, eu lhe havia dito que me prevenisse, mas, enfim, cá estou eu... Eu estava aborrecido por não me darem atenção.


OBSERVAÇÃO: O Espírito alude à mãe da Sra. Delanne, que há algum tempo tinha vindo morar em Paris, na casa da filha. Ele a designa por um epíteto que lhe era habitual e que substituímos por ela.

2. ─ Sois vós que bateis à noite? ─ Onde queríeis que eu fosse? Não me posso deitar em frente à porta.

3. ─ Então vos deitais em nossa casa? ─ Mas, por certo. Ontem fui passear convosco, ver a iluminação. Vi tudo. Ah! Mas aquilo é bonito! Muito bom! Pode-se dizer que fizeram coisas bonitas. Asseguro-vos que estou muito contente; não lamento o meu dinheiro.

4. ─ Por que caminho viestes a Paris? Então pudestes abandonar as vossas terras? ─ Diabos! Eu não posso cavar e estar aqui. Estou muito contente por ter vindo. Vós me perguntais como vim, mas vim pela estrada de ferro.

5. ─ Com quem viestes? ─ Bem... Palavra de honra que eu não os conhecia.

6. ─ Quem vos deu o meu endereço? Dizei-me também de onde vinha a simpatia que tínheis por mim. ─ Quando fui a casa dela (a mãe da Sra. Delanne) e não a encontrei, perguntei ao guarda onde estava ela. Ele me disse que ela estava aqui, então eu vim. E depois, vede, meu amigo, gosto de vós porque sois um bom rapaz. Vós me agradastes, sois franco e eu gosto de todas essas crianças. Vede, quando a gente gosta dos parentes a gente gosta das crianças.

7. ─ Dizei-me o nome da pessoa que guarda a casa de minha sogra, pois ela tem as chaves em seu bolso. ─ Quem eu encontrei lá? Mas eu encontrei o pai Colbert, que me disse que ela lhe havia dito que prestasse atenção.

8. ─ Vedes aqui o meu sogro, papai Didelot? ─ Como quereis que o veja se ele não está aqui? Sabeis muito bem que ele morreu.

(2.ª CONVERSA, A 18 DE AGOSTO DE 1864)

Tendo ido passar o dia em Châtillon, o Sr. e a Sra. Delanne ali evocaram Pierre Legay.

9. ─ Mas, então viestes a Châtillon? ─ Ora, eu vos sigo por toda parte.

10. ─ Como viestes para cá? ─ Sois engraçados! Eu vim na carruagem.

11. ─ Eu não vos vi pagar a passagem. ─ Subi com Mariana e depois vossa mulher. Pensei que a tínheis pago. Eu estava na parte de cima; nada me pediram. Não a pagastes? Por que o condutor não reclamou?

12. ─ Quanto pagastes na estrada de ferro de Ligny a Paris? ─ Na estrada de ferro não é a mesma coisa. Fui de Tréveray a Ligny a pé e depois tomei o ônibus, que obviamente paguei ao condutor.

13. ─ Foi mesmo ao condutor que pagastes? ─ A quem queríeis que eu tivesse pago? Mas, meu primo, então credes que eu não tenha dinheiro? Há muito tempo eu havia separado meu dinheiro para vir. Não é por não ter eu pago a passagem aqui que devam pensar que não tenho dinheiro. Sem isto eu não teria vindo.

14. ─ Mas não me respondestes quanto gastastes no percurso em estrada de ferro de Nançois-le-Petit até Paris. ─ Mas b... eu paguei como os outros. Dei 20 francos e me devolveram 3,60 francos. Vede quanto dá.

OBSERVAÇÃO: A soma de 16,40 francos é realmente a marcada no indicador, o que ignoravam o Sr. e a Sra. Delanne.

15. ─ Quanto tempo levastes na estrada de ferro de Nançois a Paris? ─ Tanto quanto os outros. Eles não fizeram a locomotiva funcionar mais depressa para mim do que para os outros. Aliás, eu não podia achar o tempo longo; jamais tinha viajado em estrada de ferro e julgava Paris muito mais longe. Não mais me admiro que essa cadela (a sogra do Sr. D...) venha tantas vezes para cá. Palavra de honra que é bom, e estou contente de poder conversar convosco. Apenas muitas vezes não me respondeis. Eu compreendo. Vossos negócios vos preocupam muito. Ontem não ousei entrar convosco pela manhã (na casa comercial onde trabalha o Sr. D...) e fui visitar o cemitério de Montmartre, creio; não é assim que o chamais? Precisais dizer-me os nomes para que possa contá-los novamente quando voltar. (O Sr. e a Sra. Delanne, com efeito, tinham ido pela manhã ao cemitério de Montmartre).

16. ─ Como nada vos prende aqui, pensais em voltar logo? ─ Quando eu tiver visto tudo, já que para isso estou aqui. Depois, palavra, eles bem que podem se virar um pouco, os outros (seus filhos); eles farão como quiserem. Quando eu não estiver mais aqui, eles terão que passar sem mim. Que dizeis, primo?

17. ─ O que achais do vinho de Paris, e da comida? ─ Mas não se compara com aquele que vos fiz beber (O Espírito alude a uma circunstância em que fez o Sr. D... beber vinho engarrafado há vinte e cinco anos); contudo não é mau. A comida, para mim, é igual. Muitas vezes pego um pouco de pão e o como ao vosso lado. Não gosto de sujar um prato. Não é difícil quando se está habituado. Por que fazer cerimônias?

18. ─ Então, onde dormis? Não notei vosso leito. ─ Chegando, Mariana foi a um quarto escuro; pensei que fosse para mim e lá me deitei. Falei várias vezes a todos.

19. ─ Em vossa idade, não temeis ser esmagado nas ruas de Paris? ─ Bem! meu primo, é o que mais me aborrece, esses diabos de carros; também não saio das calçadas.

20. ─ Há quanto tempo estais em Paris? ─ Bem! por exemplo, sabeis que cheguei quinta-feira última. Parece que são oito dias.

21. ─ Como não vi vossa bagagem, se precisardes de roupa branca não façais cerimônia. ─ Eu peguei duas camisas, e é o bastante; quando estiverem sujas eu me virarei; não gostaria de vos perturbar.

22. ─ Quereis dizer-nos o que vos disse o pai Colbert antes de vossa partida para Paris? ─ Ele está na casa de Mariana. Ele está lá há muito tempo. Vendendo-a, ele quis permanecer lá. Ele diz que não se incomoda, porque ele a cuida. 23. ─ Dissestes ontem que não víeis meu sogro Didelot, porque ele morreu. Como, então, vedes tão bem o pai Colbert, que também está morto pelo menos há trinta anos? ─ Bom! Na verdade, perguntais o que eu não sei. Eu não tinha pensado nisto. O que é certo é que ele lá está bem tranquilo. Não vos posso dizer mais nada.

OBSERVAÇÃO: O pai Colbert é o antigo proprietário da casa da mãe da Sra. Delanne. Parece que desde sua morte ficou na casa, da qual se constituiu guarda, e que, também ele, ainda se julga vivo. Assim, esses dois Espíritos, Colbert e Pierre Legay, se veem e conversam como se ainda fossem deste mundo, não se dando conta, nem um nem o outro, de sua situação.

(3.ª CONVERSA, A 19 DE AGOSTO DE 1864)

24. (Ao guia espiritual do médium). ─ Tende a bondade de dar algumas instruções relativas ao Espírito Legay, e dizer-nos se é tempo de lhe fazer compreender sua verdadeira posição. ─ Sim, meus filhos. Ele ficou perturbado com as perguntas de ontem; ele não sabe o que ele é; tudo para ele é confuso quando quer saber, porque ainda não reclama a proteção de seu anjo da guarda.

25. ─ (A Legay) Estais aqui? ─ Sim, meu primo, mas eu me sinto muito esquisito; não sei o que isto quer dizer. Não te vás sem mim, Mariana.

26. ─ Refletistes no que ontem vos pedimos que dissésseis a respeito do pai Colbert, que vistes vivo, quando ele está morto? ─ Mas não vos posso dizer como é isto. Apenas ouvi dizer há tempos que havia aparições. Palavra, creio que ele é uma das tais. Digam o que quiserem, eu o vi. Mas estou fatigado, garanto. Preciso ficar um pouco tranquilo.

27. ─ Credes em Deus e fazeis vossas preces diárias? ─ Mas, palavra que sim; se isto não faz bem, não pode fazer mal.

28. ─ Credes na imortalidade da alma? ─ Oh! Isto é diferente. Não posso me pronunciar. Eu duvido.

29. ─ Se eu vos desse uma prova da imortalidade da alma, acreditaríeis? ─ Oh! Mas os parisienses conhecem tudo. Não peço mais do que isso. Como fareis?

30. ─ (Ao guia do médium). Podemos fazer a evocação do pai Colbert, para lhe provar que ele está morto? ─ Não precisa ir tão depressa. Trazei-o muito suavemente. Ademais, esse outro Espírito vos fatigaria muito esta noite.

31. ─ (A Legay). Onde estais colocado, que não vos vejo? ─ Não me vedes? Ah! Esta é forte demais! Então ficastes cego?

32. ─ Explicai-nos a maneira pela qual nos falais, porquanto fazeis minha mulher escrever. ─ Eu? Palavra que não!

(Várias novas perguntas foram dirigidas ao Espírito e ficaram sem resposta. Evocado seu anjo da guarda, um dos guias do médium respondeu o que segue):

“Meus amigos, sou eu que venho responder, porque o anjo da guarda deste pobre Espírito não está com ele, pois só virá quando ele mesmo o chamar e rogar ao Senhor que lhe conceda a luz. Ele ainda estava sob o domínio da matéria e não tinha querido escutar a voz de seu anjo da guarda, que se havia afastado, porque ele se obstinava em ficar estacionário. “Na verdade, não era ele que te fazia escrever. Ele falava como de hábito, persuadido de que compreendíeis, mas era seu Espírito familiar que conduzia a tua mão. Do ponto de vista dele, enquanto ele falava com teu marido, tu escrevias, e isso tudo lhe parecia natural. Mas as vossas últimas perguntas e vosso pensamento o levaram a Tréveray; ele ficou perturbado; orai por ele e chamai-o mais tarde. Ele voltará depressa. Orai por ele. Nós oraremos convosco.”

Já vimos mais de um exemplo de Espíritos que se acreditam ainda vivos. Pierre Legay nos mostra essa fase da vida dos Espíritos da mais característica maneira. Parece que os que se acham neste caso são muito mais numerosos do que se pensa; em vez de constituírem exceção, de oferecerem uma variedade no castigo, isto seria quase uma regra, um estado normal para os Espíritos de uma certa categoria. Assim, teríamos em redor de nós, não só os Espíritos que têm consciência da vida espiritual, mas uma porção de outros que vivem, por assim dizer, uma vida semimaterial, julgando-se ainda deste mundo, e continuando a vagar, ou julgando ainda dedicar-se a suas ocupações terrenas. Contudo, seria erro assimilá-los em tudo aos encarnados, porque se nota em suas atitudes e em suas ideias algo de vago e de incerto que não é próprio da vida corporal. É um estado intermediário, que nos dá a explicação de certos efeitos nas manifestações espontâneas e de certas crenças antigas e modernas.

Um fenômeno que pode parecer mais original e não deixa de fazer sorrirem os incrédulos é o dos objetos materiais que o Espírito julga possuir. Compreende-se que Pierre Legay se imagine subindo no trem, porque a estrada de ferro é uma coisa real, que existe, entretanto, é menos compreensível que ele acredite ter dinheiro e ter pago a sua passagem. Esse fenômeno encontra sua solução nas propriedades do fluido perispiritual e na teoria das criações fluídicas, princípio importante, que dá a chave de muitos mistérios do mundo invisível. Pela vontade ou só pelo pensamento, o Espírito opera no fluido perispiritual, que não passa de uma concentração do fluido cósmico ou elemento universal, uma transformação parcial que produz o objeto que ele deseja. Tal objeto é para nós uma aparência, mas para o Espírito é uma realidade. É assim que um Espírito, falecido recentemente, um dia apresentou-se em uma reunião espírita, a um médium vidente, com um cachimbo na boca, fumando. À observação que lhe fizeram de que aquilo não era conveniente, ele respondeu: “Que quereis! Tenho de tal forma o hábito de fumar que não posso privar-me do cachimbo.” O que era mais singular é que o cachimbo produzia fumaça, para o vidente, bem entendido, e não para os assistentes.

Tudo deve estar em harmonia no mundo espiritual, como no mundo material. Aos homens corporais são necessários objetos materiais. Aos Espíritos, cujo corpo é fluídico, são necessários objetos fluídicos. Os objetos materiais não lhes serviriam mais do que os objetos fluídicos serviriam aos homens corporais. Querendo fumar, o Espírito fumante criava um cachimbo que para ele tinha a realidade de um cachimbo da Terra. Legay, querendo dinheiro para pagar a passagem, por pensamento criou a soma necessária. Para ele há realmente dinheiro, mas os homens não se poderiam contentar com a moeda dos Espíritos. Assim se explicam as vestimentas com que se cobrem à vontade, as insígnias que usam, as várias aparências que podem tomar, etc.

As propriedades curativas dadas ao fluido pela vontade também se explicam por essa transformação. O fluido modificado age sobre o perispírito que lhe é similar, e esse perispírito, intermediário entre o princípio material e o princípio espiritual, reage sobre a economia, na qual representa um papel importante, posto que ainda é desconhecido pela Ciência.

Há, pois, o mundo corporal visível com os objetos materiais, e o mundo fluídico, invisível para nós, com os objetos fluídicos. É de notar que os Espíritos de uma ordem inferior e pouco esclarecidos operam essas criações sem se dar conta da maneira pela qual neles se produz tal efeito. Eles não podem compreendê-lo, assim como um ignorante da Terra não pode compreender o mecanismo da visão, nem um camponês dizer como cresce o trigo.

As formações fluídicas se ligam a um princípio geral, que será ulteriormente objeto de um desenvolvimento completo, quando tiver sido suficientemente elaborado.

O estado dos Espíritos na situação de Pierre Legay levanta diversas questões. A que categoria pertencem precisamente os Espíritos que se julgam ainda vivos? A que se deve essa particularidade? Ela se deve a uma falta de desenvolvimento intelectual e moral? Nós vemos Espíritos muito inferiores que se dão conta perfeitamente de seu estado e a maior parte dos que temos visto nesta situação não são dos mais atrasados. É uma punição? Sem dúvida o é para alguns, como para Simon Louvet, do Havre, o suicida da torre de Francisco I, que durante cinco anos estava na apreensão de sua queda (Revista Espírita de março de 1863); mas muitos outros não são infelizes e não sofrem, testemunha Pierre Legay (Vide como resposta a dissertação que segue).


(Sociedade de Paris, 21 de julho de 1864 - Médium: Sr. Vézy)

Já vos falamos diversas vezes das várias provas e expiações, mas diariamente não descobris novas? Elas são infinitas, como os vícios da Humanidade. Como vos estabelecer a sua nomenclatura? Entretanto, vindes reclamar por um fato e eu vou tentar instruir-vos.

Nem tudo é provação na existência. A vida do Espírito continua, como já vos foi dito, desde o nascimento até o infinito. Para uns a morte é um simples acidente que em nada influi sobre o destino do que morre. Uma telha caída, um ataque de apoplexia, uma morte violenta, muitas vezes nada mais fazem além de separar o Espírito do seu envoltório material; mas o envoltório perispiritual conserva, pelo menos em parte, as propriedades do corpo que acaba de cair. Se eu pudesse, num dia de batalha, vos abrir os olhos que possuís, mas dos quais não podeis fazer uso, veríeis muitas lutas continuando, muitos soldados se atirando ainda ao assalto, defendendo e atacando trincheiras; ouvi-los-íeis mesmo soltando seus hurras e gritos de guerra, em meio ao silêncio e sob o véu lúgubre que segue um dia de matança. Terminado o combate, eles voltam aos lares para abraçar seus velhos pais e suas velhas mães que os esperam. Para alguns tal estado às vezes dura muito tempo; é uma continuidade da vida terrena, um estado misto entre a vida corporal e a vida espiritual. Por que, se foram simples e prudentes, sentiriam o frio do túmulo? Por que passariam bruscamente da vida à morte, da claridade do dia à noite? Deus não é injusto e deixa aos pobres de espírito esse prazer, esperando que eles vejam o seu estado pelo desenvolvimento de suas próprias faculdades e que passem calmamente da vida material à vida real do Espírito.

Consolai-vos, pois, vós que tendes pais, mães, irmãos ou filhos extintos sem luta. Talvez lhes seja permitido acreditar ainda que seus lábios se aproximem de vossas frontes. Enxugai vossas lágrimas: o pranto é doloroso para eles, e eles se admiram ao ver-vos derramá-lo; eles envolvem com os braços o vosso pescoço e vos pedem sorrisos. Sorri, pois, para esses invisíveis, e orai para que eles troquem o papel de companheiros pelo de guias; para que desdobrem suas asas espirituais, que lhes permitirão planar no infinito e vos trazer as suas suaves emanações.

Notai bem que não vos digo que todos os mortos de súbito caem nesse estado. Não, mas não há um só cuja matéria não tenha que lutar com o Espírito que se reencontra. Houve o duelo, a carne rasgou-se, o Espírito se obscureceu no momento da separação, e na erraticidade ele reconheceu a verdadeira vida.

Agora vou dizer-vos algumas palavras sobre aqueles para os quais este estado é uma provação. Oh! Como ela é penosa! Eles se julgam vivos e bem vivos, possuindo um corpo capaz de sentir e saborear os prazeres da Terra, e quando suas mãos querem tocá-los, as mãos se dissolvem; quando querem aproximar os lábios de uma taça ou de uma fruta, os lábios se aniquilam; eles veem, eles querem tocar, mas não podem sentir nem tocar. O paganismo oferece uma bela imagem deste suplício apresentando Tântalo sentindo fome e sede e jamais podendo tocar com os lábios na fonte de água que murmurava aos seus ouvidos, ou no fruto que parecia amadurecer para ele. Há maldições e anátemas nos gritos desses infelizes! O que fizeram eles para suportar tais sofrimentos? Perguntai a Deus. É a lei, que foi escrita por ele. Aquele que mata com a espada, morrerá pela espada; aquele que profanou o próximo, por sua vez será profanado. A grande lei de Talião estava escrita no livro de Moisés e ainda está escrita no grande livro da expiação.

Orai pois incessantemente por esses na hora final. Seus olhos fechar-se-ão, e eles dormirão no espaço, como dormiram na Terra, e, ao despertar, encontrarão não mais um juiz severo, mas um pai compassivo, lhes assinando novas obras e novos destinos.

SANTO AGOSTINHO




Variedades

Vários jornais, segundo o Sémaphore, de Marselha, de 29 de setembro, apressaram-se em reproduzir o seguinte fato:

“Anteontem à noite, uma casa de Rua Paradis foi teatro de doloroso acontecimento. Um industrial que tem naquela rua uma casa de lâmpadas, matou-se, empregando para realizar a sua realização fatal uma forte dose de um dos mais enérgicos venenos.

“Eis em que circunstâncias realizou-se o suicídio:

“Há algum tempo, esse industrial dava sinais de certo desarranjo do cérebro, talvez particularmente produzido pelo abuso de licores fortes, mas sobretudo pela prática do Espiritismo, esse flagelo moderno que já fez tão numerosas vítimas nas grandes cidades e que agora ameaça exercer a sua devastação até nos campos. A despeito de sua boa clientela, que lhe assegurava um trabalho frutífero, X... não estava muito bem de negócios e às vezes se achava em dificuldades para efetuar seus pagamentos. Em consequência, seu humor era geralmente sombrio e seu caráter desagradável.”

O artigo constata que o indivíduo abusava de licores fortes e que seus negócios estavam em má situação, circunstâncias que muitas vezes ocasionaram acidentes cerebrais e levaram ao suicídio. Contudo, o autor do artigo só admite estas causas como possíveis ou acessórias, na circunstância de que se trata, ao passo que atribui o fato sobretudo à prática do Espiritismo.

A carta seguinte, que nos é escrita de Marselha, resolve a questão e ressalta a boa-fé do redator:

“Caro mestre,

“A Gazette du Midi e o Sémaphore de Marselha de 29 de setembro publicaram um artigo sobre o envenenamento voluntário de um industrial, atribuído à prática do Espiritismo. Tendo conhecido pessoalmente esse infeliz, que era da mesma loja maçônica que eu, sei de maneira positiva que ele jamais se ocupou de Espiritismo e que não tinha lido nenhuma publicação sobre essa matéria. Autorizo-vos a usar o meu nome, pois estou pronto a provar a verdade do que afirmo; se necessário, todos os meus irmãos e os melhores amigos do finado consideram um dever atestá-lo. Que aprouvesse a Deus tivesse ele conhecido e compreendido o Espiritismo, e teria encontrado a força de resistir às funestas inclinações que o conduziram àquele ato insensato.

“Recebei, etc.

“CHAVAUX,

Doutor em medicina, Rua du Petit-Saint-Jean, 24.”


Escrevem-nos de Lyon, a 3 de outubro de 1864:

“Conheceis a reputação do capitão B... É um homem de uma fé ardente, de uma convicção comprovada. Dele já falastes em vossa Revista. Há algum tempo ele se achava nas margens do Saône, em companhia de um advogado, espírita como ele. Prolongando o passeio, aqueles senhores entraram num restaurante para almoçar e logo viram um outro passeante entrar no mesmo estabelecimento. O recém-chegado falava alto, comandava bruscamente e parecia querer atrair apenas para si o pessoal do restaurante. Vendo esse despreocupado, o capitão disse em voz alta algumas palavras um pouco severas ao recém-vindo. De repente foi tomado de estranha tristeza. O Sr. B... é médium auditivo; ele ouve distintamente a voz de seu filho, do qual recebe frequentes comunicações, murmurando ao seu ouvido: ‘O homem que vês tão brusco vai suicidar-se. Ele vem aqui fazer sua última refeição.’

“O capitão levanta-se precipitadamente, aproxima-se do perturbador e lhe pede perdão por ter externado tão alto o seu pensamento. Depois, arrastando-o para fora do estabelecimento, lhe disse: ‘Senhor, ides suicidar-vos.’ Grande admiração da parte do indivíduo, velhote de setenta e seis anos, que lhe respondeu: ‘Quem vos pôde revelar semelhante coisa?’ ‘Deus’ respondeu o Sr. B... Depois começou a lhe falar suavemente e com bondade sobre a imortalidade da alma e, reconduzindo-o a Lyon, conversou com ele sobre Espiritismo e tudo quanto em casos tais Deus pode inspirar para encorajar e consolar.

“O velho lhe contou sua história. Antigo ortopedista, tinha sido arruinado por um sócio infiel. Caindo doente, ficou muito tempo no hospital, mas, uma vez curado, sua saúde lançou-o no desemprego, sem nenhum recurso. Foi recolhido por uma operária pobre, criatura sublime que durante meses inteiros o alimentou sem ser obrigada senão pela piedade. Mas o receio de ser um incômodo o tinha impelido ao suicídio.

“O capitão foi ver a digna mulher, encorajou-a, ajudou-a. Mas quando se tem que viver o dinheiro vai depressa, e ontem o pobre mobiliário da operária teria sido vendido se alguns espíritas não tivessem resgatado os poucos móveis de seu único quarto, porque depois de um ano alimentando o velho, ela havia penhorado cobertores, cobertas, etc. Isto foi resgatado, graças aos bons corações tocados por esse generoso devotamento. Mas isto não é tudo. É preciso continuar até que o velho tenha conseguido um refúgio nas irmãzinhas dos pobres. A respeito, Cárita me fez escrever uma comunicação que vos remeto, com a expressão de todo o nosso reconhecimento, a vós, caro senhor, que nos tornastes espíritas. Quanto a mim, não esqueço que fui convidada a voltar convosco, quando voltardes.”

Eis a comunicação:


“O Espiritismo, esta estrela do Oriente, não somente vem abrir-vos as portas da Ciência. Ele faz mais que isto: é um amigo que vos aproxima uns aos outros, para vos ensinar o amor ao próximo e sobretudo a caridade, não essa esmola degradante que busca no bolso a menor moeda para lançar na mão do pobre, mas a doce mansuetude do Cristo, que conhecia o caminho onde se encontra o infortúnio oculto.

Meus bons amigos, encontrei em meu caminho uma dessas misérias de que a história não fala, mas de que o coração se lembra quando foi testemunha das tão rudes provas. É uma pobre mulher; ela é mãe; ela tem um filho há muitos meses sem ocupação; além disso, ela sustenta uma infeliz, operária como ela. E, além disso, um velho vem diariamente encontrá-la à hora da comida, quando há o suficiente para comer. Mas no dia em que falta o necessário, as duas pobres mulheres, criaturas admiráveis por sua caridade, dão o seu repasto aos dois homens, o velho e o rapaz, pretextando que, estando com fome, comeram antes. Vi isto renovar-se muitas vezes. Vi o velho, num momento de desespero, vender a última roupa e querer, por insigne ato de loucura, dizer um último adeus à vida, antes de partir para o mundo invisível, onde Deus vos julga a todos.

“Vi a fome imprimir suas marcas nesses deserdados do bem-estar social, mas as mulheres oraram com fervor, e Deus as escutou. Ele já pôs irmãos, espíritas, sobre os seus passos, e quando a caridade chama, os corações devotados respondem. Já estão secas as lágrimas do desespero. Nada mais resta além da angustia do amanhã, o fantasma ameaçador do inverno com seu cortejo de granizo, de gelo e de neve. Eu vos estendo a mão em favor desse infortúnio. Os pobres, nossos amigos, são os enviados de Deus. Eles vêm dizer-vos: Nós sofremos; Deus o quer; é o nosso castigo e ao mesmo tempo um exemplo para a nossa melhora. Vendo-nos tão infelizes, vosso coração se enternece, vossos sentimentos se alargam, aprendeis a amar e a lamentar o infeliz. Socorrei-nos, a fim de que não murmuremos, e também para que Deus vos sorria do alto de seu belo paraíso.

“Eis o que diz o pobre em seus farrapos; eis o que repete o anjo da guarda que vos vela, e o que vos repito, simples mensageira da caridade, intermediária entre o Céu e vós.

“Sorride ao infortúnio, ó vós que sois ricamente dotados de todas as qualidades de coração. Ajudai-me em minha tarefa. Não deixeis fechar-se esse santuário de vossa alma onde mergulhou o olhar de Deus, e um dia, quando entrardes na vossa mãe-pátria, quando, com o olhar incerto e o passo inseguro, buscardes o vosso caminho através da imensidade, eu vos abrirei de par em par a porta do templo onde tudo é amor e caridade e vos direi: Entrai, meus amados. Eu vos conheço!

“CÁRITA”


A quem fariam crer seja esta a linguagem do diabo? Foi a voz do diabo que se fez ouvir ao ouvido do capitão, sob o nome de seu filho, para adverti-lo que o velho ia suicidar-se e, ao mesmo tempo, para lhe inculcar o arrependimento por ter dito palavras que poderiam magoá-lo? Segundo a doutrina que um partido busca fazer prevalecer, conforme a qual só o diabo se comunica, esse capitão deveria ter repelido como satânica a voz que lhe falava; disso teria resultado que o velho ter-seia suicidado; que o mobiliário das pobres operárias teria sido vendido e que elas talvez tivessem morrido de fome.

Entre os donativos que para elas recebemos, há um que devemos mencionar, sem nomear o autor. Ele estava acompanhado da carta seguinte:

“Senhor Allan Kardec,

“Eu soube por intermédio de um meu parente que obteve de vós o relato da bela ação verdadeiramente cristã levada a efeito por uma pobre operária de Lyon em benefício de um velho infeliz. Esse parente mostrou-me um apelo muito eloquente em favor do velho, por um Espírito que se dá o suave nome de Cárita. À sua pergunta se nele eu reconhecia a linguagem do demônio, respondi que os nossos melhores santos não falam melhor. É minha opinião. Por isso tomei a liberdade de lhe pedir uma cópia. Senhor, sou um pobre padre, mas vos envio o óbolo da viúva, em nome de Jesus Cristo, para essa brava e digna mulher. Inclusa achareis a módica soma de cinco francos, lamentando não poder dar mais. Peço o favor de não mencionar meu nome.

“Dignai-vos aceitar, etc.

“PADRE X...”



Suas relações com os outros jornais especiais

Sempre nos têm sido expresso o desejo de ver a Revista aparecer quinzenalmente ou semanalmente, mesmo à custa do aumento da assinatura. Somos muito sensível a esse testemunho de simpatia, porém, é para nós impossível mudar o nosso modo de publicidade, pelo menos até nova ordem. O primeiro motivo está na multiplicidade dos trabalhos que são a consequência de nossa posição, cuja extensão é difícil de imaginar. Nós manifestamos a mais pura verdade quando dizemos que não há para nós um só dia de repouso absoluto, e que, apesar de toda a nossa atividade, é-nos materialmente impossível dar conta de tudo. Duplicando ou quadruplicando a nossa publicação mensal, compreendemos que a maioria dos assinantes teriam tempo de a ler, mas, para nós, isto resultaria em prejuízo aos trabalhos mais importantes que nos resta fazer.

O segundo motivo está na própria natureza de nossa Revista, que é menos um jornal do que o complemento e o desenvolvimento de nossas obras doutrinárias. A forma periódica nos permite nela introduzir mais variedade do que num livro, e registrar as atualidades. Nela vêm agrupar-se, conforme as circunstâncias e a oportunidade, os fatos mais interessantes, as refutações, as instruções dos Espíritos; nela se desenham as diferentes fases do progresso da ciência espírita; nela, enfim, são experimentadas, sob forma dubitativa, as teorias novas que não podem ser aceitas senão depois de recebida a sanção do controle universal.

Numa palavra, a Revista é uma obra pessoal, cuja responsabilidade assumimos inteiramente e para a qual não devemos nem queremos ser entravado por nenhuma vontade estranha. Ela é concebida segundo um plano determinado para concorrer ao objetivo que devemos atingir. Transformada numa folha hebdomadária, ela perderia seu caráter essencial. A própria natureza de nossos trabalhos opõe-se a que entremos no detalhe das preocupações e das vicissitudes do jornalismo. Eis por que a Revista Espírita deve continuar sendo o que ela é. Nós a continuaremos enquanto se mostrar necessária sua existência sob essa forma. Aliás, mudando o seu modo de publicação, pareceria que queremos concorrer com os novos jornais publicados sobre a matéria, o que não poderia entrar em nossas ideias.

Esses jornais, por sua periodicidade mais frequente, preenchem a lacuna assinalada. Pela diversidade dos assuntos que eles podem tratar, e que entram no seu plano editorial; pelo número dos espíritas esclarecidos e de talento que neles podem manifestar-se; enfim, pela difusão da ideia sob diferentes formas, eles podem prestar grandes serviços à causa. São outros tantos campeões que militam pela doutrina cujos órgãos temos prazer em ver que se multiplicam. Apoiaremos sempre os que marcharem francamente numa via útil; que não se fizerem instrumentos nem de grupelhos nem de ambições pessoais; aqueles, enfim, que forem guiados pelos grandes princípios da moral espírita. Ficaremos felizes por encorajá-los e ajudá-los com nossos conselhos, se eles os julgarem necessários. Mas aí termina a nossa cooperação. Declaramos não ter solidariedade material com nenhum, sem exceção. Nenhum, pois, é publicado por nós, nem sob nosso patrocínio efetivo. Deixamos a cada um a responsabilidade de suas publicações. Quando os pedidos de assinatura desses jornais são dirigidos à direção da Revista, nós fazemos que cheguem a seus verdadeiros destinatários, a título de boa confraternidade, sem nisso ver qualquer interesse, nem mesmo a comissão normal atribuída aos intermediários, que não aceitaríamos, ainda que nos fosse oferecida.

Acreditamos que deveríamos explicar a situação real das coisas, para esclarecimento daqueles que pensam que certos jornais espíritas têm ligações de interesse econômico com a nossa Revista. Sem dúvida todos têm um interesse comum, porque tendem para o mesmo objetivo que nós. Sob esse ponto de vista, todos se devem benevolência recíproca, pois do contrário dariam um desmentido a sua qualificação de jornais espíritas, mas cada um atua dentro da esfera de sua atividade e de seus meios, e sob sua própria responsabilidade. A doutrina só tem a ganhar em dignidade e em crédito com a independência deles. Ao mesmo tempo, o acordo de vistas e de princípios que existe entre eles e a Revista nada teria de extraordinário da parte daqueles que emanassem da mesma fonte. Se algum dia outra publicação periódica fosse feita por nossa iniciativa e com o nosso concurso efetivo, nós o diríamos abertamente.

ALLAN KARDEC


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