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Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1864 > Março
Março
Por vezes pergunta-se se Deus não teria podido criar os Espíritos perfeitos, para lhes poupar o mal e todas as suas consequências.
Sem dúvida Deus teria podido, pois é todo-poderoso. Se não o fez, é que, em sua suprema sabedoria, julgou mais útil que fosse de outro modo. Não cabe aos homens perscrutar seus desígnios, e menos ainda julgar e condenar suas obras.
Considerando-se que não pode admitir Deus sem o infinito das perfeições, sem a soberana bondade e a soberana justiça, que tem sob os olhos, incessantemente, provas de sua solicitude pelas suas criaturas, o homem deve pensar que essa solicitude não podia ter falhado na criação dos Espíritos.
O homem, na Terra, é como a criança, cuja visão limitada não vai além do estreito círculo do presente, e não pode julgar da utilidade de certas coisas. Ele deve, pois, inclinar-se ante o que ainda está além do seu alcance. Contudo, tendo-lhe Deus dado a inteligência para se guiar, não lhe é defeso procurar compreender, parando humildemente no limite que não pode transpor.
Sobre todas as coisas mantidas no segredo de Deus, o homem não pode estabelecer senão sistemas mais ou menos prováveis. Para julgar qual desses sistemas mais se aproxima da verdade, há um critério seguro, que são os atributos essenciais da Divindade. Toda teoria, toda doutrina filosófica ou religiosa que tendesse a destruir a mínima parte de um só desses atributos pecaria pela base e seria, por isto mesmo, manchada de erro, de onde se segue que o sistema mais verdadeiro será aquele que melhor se acomodar com esses atributos.
Sendo Deus todo sabedoria e todo bondade, não poderia ter criado o mal como contrapeso do bem. Se ele tivesse feito do mal uma lei necessária, teria voluntariamente enfraquecido o poder do bem, porque aquilo que é mal não pode senão alterar e não fortalecer o que é bem.
Deus estabeleceu leis que são inteiramente justas e boas. O homem seria perfeitamente feliz se as observasse escrupulosamente, mas a menor infração dessas leis causa uma perturbação cujo contragolpe ele experimenta, e daí resultam todas as suas vicissitudes. É, pois, ele próprio a causa do mal, por sua desobediência às leis de Deus. Deus o criou livre de escolher seu caminho. Aquele que tomou o mau caminho o fez por sua vontade, e não pode acusar senão a si próprio pelas consequências para si decorrentes. Pelo destino da Terra, só vemos os Espíritos dessa categoria, e isto fez com que se acreditasse na necessidade do mal. Se pudéssemos abraçar o conjunto dos mundos, veríamos que os Espíritos que ficaram no bom caminho percorrem as diversas fases de sua existência em condições completamente diversas e que, desde que o mal não é geral, não poderia ser indispensável. Mas resta ainda a questão de saber por que Deus não criou os Espíritos perfeitos. Esta questão é análoga a esta outra: Por que a criança não nasce completamente desenvolvida, com todas as aptidões, toda a experiência e todos os conhecimentos da idade viril?
Há uma lei geral que rege todos os seres da criação, animados e inanimados. É a lei do progresso. Os Espíritos são a ela submetidos pela força das coisas, sem o que a exceção teria perturbado a harmonia geral, e Deus quis dar-nos um exemplo abreviado na progressão da infância. Porém, não existindo o mal como uma necessidade na ordem das coisas, pois ele só existe em função dos Espíritos prevaricadores, a lei do progresso absolutamente não obriga os homens a passar por essa fieira para chegar ao bem. Ela não os força senão a passar pelo estado de inferioridade intelectual ou, por outras palavras, pela infância espiritual.
Criados simples e ignorantes, e por isso mesmo imperfeitos, ou melhor, incompletos, devem adquirir por si mesmos e por sua própria atividade, a ciência e a experiência que de início não podem ter.
Se Deus os tivesse criado perfeitos, deveria tê-los dotado, desde o instante de sua criação, com a universalidade dos conhecimentos. Ele os teria isentado de todo trabalho intelectual, mas, ao mesmo tempo, lhes teria tirado toda a atividade, que devem desenvolver para adquiri-los, e pela qual concorrem, como encarnados e desencarnados, ao aperfeiçoamento material dos mundos, trabalho que não cabe mais aos Espíritos superiores, encarregados somente de dirigir o aperfeiçoamento moral. Por sua própria inferioridade, eles se tornam uma engrenagem essencial à obra geral da criação.
Por outro lado, se Deus os tivesse criado infalíveis, isto é, isentos da possibilidade de fazer o mal, eles fatalmente teriam sido impelidos ao bem, como mecanismos bem montados que fazem automaticamente obras de precisão. Mas, então, não mais livre-arbítrio e, por consequência, não mais independência. Eles ter-se-iam assemelhado a esses homens que nascem com a fortuna feita e se julgam dispensados de fazer qualquer coisa. Submetendo-os à lei do progresso facultativo, quis Deus que tivessem o mérito de suas obras, para ter direito à recompensa e desfrutar a satisfação de haverem conquistado por si mesmos sua posição.
Sem a lei universal do progresso aplicada a todos os seres, deveria haver uma ordem de coisas completamente diferente a ser estabelecida. Sem dúvida, Deus tinha essa possibilidade, mas por que não o fez? Teria sido melhor de outro modo? Assim, ter-se-ia enganado! Ora, se Deus pôde enganar-se, é que ele não é perfeito, e se não é perfeito, não é Deus. Desde que não se pode concebê-lo sem a perfeição infinita, há que concluir-se que o que ele fez é o melhor. Se ainda não estamos aptos a compreender os seus motivos, certamente podê-lo-emos mais tarde, num estado mais adiantado. Enquanto esperamos, se não pudermos sondar as causas, poderemos observar os efeitos e reconhecer que tudo no universo é regido por leis harmônicas, cuja sabedoria e admirável previdência confundem o nosso entendimento. Muito presunçoso, pois, seria aquele que pretendesse que Deus deveria ter regulado o mundo de outra maneira, pois isto significaria que, em seu lugar, teria feito melhor. Tais são os Espíritos cujo orgulho e ingratidão Deus castiga, relegando-os a mundos inferiores, de onde só sairão quando, curvando a cabeça sob a mão que os fere, reconhecerem o seu poder. Deus não lhes impõe esse reconhecimento. Ele quer que o reconhecimento seja voluntário e fruto de suas observações, razão por que os deixa livres e espera que, vencidos pelo próprio mal que a si atraem, voltem para ele.
A isto respondem: “Compreende-se que Deus não tenha criado os Espíritos perfeitos, mas se julgou a propósito submetê-los todos à lei do progresso, não teria podido, pelo menos, criá-los felizes, sem submetê-los todos às misérias da vida? A rigor, compreende-se o sofrimento para o homem, pois ele pode ter desmerecido, mas os animais também sofrem; entredevoram-se; os grandes comem os pequenos. Há alguns cuja vida não passa de longo martírio. Como nós, têm eles o livre-arbítrio, e desmereceram?”
Tal é, ainda, a objeção por vezes feita e à qual os argumentos acima podem servir de resposta. Não obstante, acrescentaremos algumas considerações.
Sobre o primeiro ponto diremos que a felicidade completa é resultado da perfeição. Considerando-se que as vicissitudes são o produto da imperfeição, criar os Espíritos perfeitamente felizes fora criá-los perfeitos.
A questão dos animais exige alguns desenvolvimentos. Eles têm um princípio inteligente, isto é incontestável. De que natureza é esse princípio? Que relações tem ele com o do homem? É estacionário em cada espécie, ou progressivo ao passar de uma a outra espécie? Qual é, para ele, o limite do progresso? Ele caminha paralelamente com o homem, ou é o mesmo princípio que se elabora e ensaia a vida nas espécies inferiores, para receber, mais tarde, novas faculdades e sofrer a transformação humana? Estas são outras tantas questões até hoje insolúveis, e se o véu que cobre esse mistério ainda não foi levantado pelos Espíritos, é que isto teria sido prematuro, pois o homem ainda não está maduro para receber toda a luz. É verdade que vários Espíritos deram teorias a respeito, mas nenhuma tem um caráter bastante autêntico para ser aceita como verdade definitiva. Assim, até nova ordem, elas não podem ser consideradas senão como sistemas individuais. Só a concordância lhes pode dar a consagração, pois nisto está o único e verdadeiro controle do ensino dos Espíritos. Eis por que estamos longe de aceitar como verdades irrefutáveis tudo quanto eles ensinam individualmente. Um princípio, seja qual for, para nós só adquire autenticidade pela universalidade do ensinamento, isto é, por instruções idênticas dadas em todos os lugares por médiuns estranhos uns aos outros sem sofrer as mesmas influências, notoriamente isentos de obsessões e assistidos por Espíritos bons e esclarecidos. Por Espíritos esclarecidos deve entender-se os que provam sua superioridade pela sua elevação de pensamento e pelo o alto alcance de seus ensinos, jamais se contradizendo e jamais dizendo nada que a lógica mais rigorosa não possa admitir. Assim é que foram controladas as diversas partes da doutrina, formulada no Livro dos Espíritos e no Livro dos médiuns. Tal não é ainda o caso da questão dos animais, e é por isso que ainda não a resolvemos. Até a constatação mais séria, não se devem aceitar teorias que possam ser dadas a respeito, senão com reservas, e esperar sua confirmação ou sua negação.
Em geral nunca seria demasiada a prudência em face a teorias novas, sobre as quais poderíamos ter ilusões. Assim, quantas vimos, desde a origem do Espiritismo, que, publicadas prematuramente, apenas tiveram vida efêmera! Assim será com todas as que apenas tiverem caráter individual e não tiverem passado pelo controle da concordância.
Em nossa posição, recebendo as comunicações de cerca de mil centros espíritas sérios disseminados em diversos pontos do globo, estamos em condições de ver os princípios sobre os quais houve concordância. Foi essa observação que nos guiou até hoje e nos guiará igualmente nos novos campos que o Espiritismo é chamado a explorar. É assim que, desde algum tempo, observamos nas comunicações vindas de vários lados, quer da França, quer do estrangeiro, uma tendência a entrar numa via nova, através de revelações de uma natureza toda especial.
Essas revelações, muitas vezes em palavras veladas, passaram despercebidas por muitos dos que as receberam, e muitos outros se supuseram os únicos a recebêlas. Consideradas isoladamente, para nós não teriam valor, mas a sua coincidência lhes dá alta importância, que terá de ser julgada mais tarde, quando chegar o momento de levá-las à luz da publicidade.
Sem essa concordância, quem poderia estar seguro de estar com a verdade? A razão, a lógica, o raciocínio, sem dúvida são os primeiros meios de controle a serem usados. Em muitos casos isto basta, mas quando se trata de um princípio importante, da emissão de uma ideia nova, seria presunção crer-se infalível na apreciação das coisas. É este, ademais, um dos caracteres distintivos da revelação nova, o de ser feita em toda parte ao mesmo tempo. Assim acontece com as diversas partes da doutrina. Aí está a experiência para provar que todas as teorias aventurosas por Espíritos sistemáticos e pseudossábios sempre foram isoladas e localizadas. Nenhuma delas tornou-se geral e suportou o controle da concordância. Várias, mesmo, caíram no ridículo, prova evidente de que não estavam certas. O controle universal é uma garantia para a futura unidade da doutrina.
Esta digressão afastou-nos um pouco do assunto, mas era útil, para dar a conhecer nossa maneira de proceder no caso de teorias novas concernentes ao Espiritismo, que está longe de haver dado sua última palavra sobre todas as coisas. Jamais as emitimos antes que tenham recebido a sanção de que acabamos de falar, razão pela qual algumas pessoas um tanto impacientes se admiram de nosso silêncio em certos casos. Como sabemos que cada coisa virá a seu tempo, não cedemos a nenhuma pressão, venha de onde vier, pois sabemos a sorte dos que querem ir muito depressa e têm em si mesmos e em suas próprias luzes uma confiança muito grande. Não queremos colher o fruto antes de sua maturação, mas podemos ter certeza de que, quando estiver maduro, não o deixaremos cair.
Estabelecido este ponto, pouco nos resta a dizer sobre a questão proposta, embora o ponto capital ainda não possa ser resolvido.
É incontestável que os animais sofrem, mas é racional imputar esses sofrimentos à imprevidência do Criador ou a uma falta de bondade de sua parte pelo fato de a causa escapar à nossa inteligência, assim como a utilidade dos deveres e da disciplina escapa ao escolar? Ao lado desse mal aparente não se vê brilhar a sua solicitude pelas mais ínfimas de suas criaturas? Não são os animais providos de meios de conservação adequados ao meio onde devem viver? Não se vê que a sua pelagem desenvolve-se mais ou menos, conforme o clima? Seu aparelho de nutrição, suas armas ofensivas e defensivas proporcionais aos obstáculos a vencer e aos inimigos a combater? Em presença destes fatos tão multiplicados, cujas consequências só escapam ao olho do materialista, está bem fundamentado aquele que disser que não há Providência para eles? Não, por certo, posto nossa visão seja muito limitada para julgar a lei do conjunto. Nosso ponto de vista, restrito ao pequeno círculo que nos envolve, só nos deixa ver irregularidades aparentes, mas quando nos elevamos pelo pensamento acima do horizonte terreno, essas irregularidades se apagam ante a harmonia geral.
O que mais choca nesta observação localizada, é a destruição dos seres, uns pelos outros. Considerando-se que Deus prova a sua sabedoria e a sua bondade em tudo o que podemos compreender, é forçoso admitir que a mesma sabedoria presida o que não compreendemos. Aliás, não costumamos maximizar a importância dessa destruição senão pela que atribuímos à matéria, sempre por força do estreito ponto de vista em que o homem se coloca.
Definitivamente, só o envoltório se destrói, ao passo que o princípio inteligente não é aniquilado. O Espírito é tão indiferente à perda de seu corpo quanto o homem à de sua roupa. Essa destruição dos envoltórios temporários é necessária à formação e à manutenção dos novos envoltórios que se constituem com os mesmos elementos, mas o princípio inteligente não é atingido, quer nos animais, quer no homem.
Resta o sofrimento que por vezes a destruição desse envoltório acarreta. O Espiritismo nos ensina e nos prova que o sofrimento, no homem, é útil ao seu avanço moral. Quem nos diz que aquele que os animais suportam não tem também sua utilidade; que ele não é, na sua esfera e conforme uma certa ordem de coisas, uma causa de progresso? É certo que isto não passa de hipótese, mas ao menos se apoia nos atributos de Deus: a justiça e a bondade, enquanto as outras são a sua negação.
Tendo sido debatida, em sessão da Sociedade Espírita de Paris, a questão da criação dos seres perfeitos, o Espírito Erasto ditou, a respeito, a comunicação adiante transcrita.
Sem dúvida Deus teria podido, pois é todo-poderoso. Se não o fez, é que, em sua suprema sabedoria, julgou mais útil que fosse de outro modo. Não cabe aos homens perscrutar seus desígnios, e menos ainda julgar e condenar suas obras.
Considerando-se que não pode admitir Deus sem o infinito das perfeições, sem a soberana bondade e a soberana justiça, que tem sob os olhos, incessantemente, provas de sua solicitude pelas suas criaturas, o homem deve pensar que essa solicitude não podia ter falhado na criação dos Espíritos.
O homem, na Terra, é como a criança, cuja visão limitada não vai além do estreito círculo do presente, e não pode julgar da utilidade de certas coisas. Ele deve, pois, inclinar-se ante o que ainda está além do seu alcance. Contudo, tendo-lhe Deus dado a inteligência para se guiar, não lhe é defeso procurar compreender, parando humildemente no limite que não pode transpor.
Sobre todas as coisas mantidas no segredo de Deus, o homem não pode estabelecer senão sistemas mais ou menos prováveis. Para julgar qual desses sistemas mais se aproxima da verdade, há um critério seguro, que são os atributos essenciais da Divindade. Toda teoria, toda doutrina filosófica ou religiosa que tendesse a destruir a mínima parte de um só desses atributos pecaria pela base e seria, por isto mesmo, manchada de erro, de onde se segue que o sistema mais verdadeiro será aquele que melhor se acomodar com esses atributos.
Sendo Deus todo sabedoria e todo bondade, não poderia ter criado o mal como contrapeso do bem. Se ele tivesse feito do mal uma lei necessária, teria voluntariamente enfraquecido o poder do bem, porque aquilo que é mal não pode senão alterar e não fortalecer o que é bem.
Deus estabeleceu leis que são inteiramente justas e boas. O homem seria perfeitamente feliz se as observasse escrupulosamente, mas a menor infração dessas leis causa uma perturbação cujo contragolpe ele experimenta, e daí resultam todas as suas vicissitudes. É, pois, ele próprio a causa do mal, por sua desobediência às leis de Deus. Deus o criou livre de escolher seu caminho. Aquele que tomou o mau caminho o fez por sua vontade, e não pode acusar senão a si próprio pelas consequências para si decorrentes. Pelo destino da Terra, só vemos os Espíritos dessa categoria, e isto fez com que se acreditasse na necessidade do mal. Se pudéssemos abraçar o conjunto dos mundos, veríamos que os Espíritos que ficaram no bom caminho percorrem as diversas fases de sua existência em condições completamente diversas e que, desde que o mal não é geral, não poderia ser indispensável. Mas resta ainda a questão de saber por que Deus não criou os Espíritos perfeitos. Esta questão é análoga a esta outra: Por que a criança não nasce completamente desenvolvida, com todas as aptidões, toda a experiência e todos os conhecimentos da idade viril?
Há uma lei geral que rege todos os seres da criação, animados e inanimados. É a lei do progresso. Os Espíritos são a ela submetidos pela força das coisas, sem o que a exceção teria perturbado a harmonia geral, e Deus quis dar-nos um exemplo abreviado na progressão da infância. Porém, não existindo o mal como uma necessidade na ordem das coisas, pois ele só existe em função dos Espíritos prevaricadores, a lei do progresso absolutamente não obriga os homens a passar por essa fieira para chegar ao bem. Ela não os força senão a passar pelo estado de inferioridade intelectual ou, por outras palavras, pela infância espiritual.
Criados simples e ignorantes, e por isso mesmo imperfeitos, ou melhor, incompletos, devem adquirir por si mesmos e por sua própria atividade, a ciência e a experiência que de início não podem ter.
Se Deus os tivesse criado perfeitos, deveria tê-los dotado, desde o instante de sua criação, com a universalidade dos conhecimentos. Ele os teria isentado de todo trabalho intelectual, mas, ao mesmo tempo, lhes teria tirado toda a atividade, que devem desenvolver para adquiri-los, e pela qual concorrem, como encarnados e desencarnados, ao aperfeiçoamento material dos mundos, trabalho que não cabe mais aos Espíritos superiores, encarregados somente de dirigir o aperfeiçoamento moral. Por sua própria inferioridade, eles se tornam uma engrenagem essencial à obra geral da criação.
Por outro lado, se Deus os tivesse criado infalíveis, isto é, isentos da possibilidade de fazer o mal, eles fatalmente teriam sido impelidos ao bem, como mecanismos bem montados que fazem automaticamente obras de precisão. Mas, então, não mais livre-arbítrio e, por consequência, não mais independência. Eles ter-se-iam assemelhado a esses homens que nascem com a fortuna feita e se julgam dispensados de fazer qualquer coisa. Submetendo-os à lei do progresso facultativo, quis Deus que tivessem o mérito de suas obras, para ter direito à recompensa e desfrutar a satisfação de haverem conquistado por si mesmos sua posição.
Sem a lei universal do progresso aplicada a todos os seres, deveria haver uma ordem de coisas completamente diferente a ser estabelecida. Sem dúvida, Deus tinha essa possibilidade, mas por que não o fez? Teria sido melhor de outro modo? Assim, ter-se-ia enganado! Ora, se Deus pôde enganar-se, é que ele não é perfeito, e se não é perfeito, não é Deus. Desde que não se pode concebê-lo sem a perfeição infinita, há que concluir-se que o que ele fez é o melhor. Se ainda não estamos aptos a compreender os seus motivos, certamente podê-lo-emos mais tarde, num estado mais adiantado. Enquanto esperamos, se não pudermos sondar as causas, poderemos observar os efeitos e reconhecer que tudo no universo é regido por leis harmônicas, cuja sabedoria e admirável previdência confundem o nosso entendimento. Muito presunçoso, pois, seria aquele que pretendesse que Deus deveria ter regulado o mundo de outra maneira, pois isto significaria que, em seu lugar, teria feito melhor. Tais são os Espíritos cujo orgulho e ingratidão Deus castiga, relegando-os a mundos inferiores, de onde só sairão quando, curvando a cabeça sob a mão que os fere, reconhecerem o seu poder. Deus não lhes impõe esse reconhecimento. Ele quer que o reconhecimento seja voluntário e fruto de suas observações, razão por que os deixa livres e espera que, vencidos pelo próprio mal que a si atraem, voltem para ele.
A isto respondem: “Compreende-se que Deus não tenha criado os Espíritos perfeitos, mas se julgou a propósito submetê-los todos à lei do progresso, não teria podido, pelo menos, criá-los felizes, sem submetê-los todos às misérias da vida? A rigor, compreende-se o sofrimento para o homem, pois ele pode ter desmerecido, mas os animais também sofrem; entredevoram-se; os grandes comem os pequenos. Há alguns cuja vida não passa de longo martírio. Como nós, têm eles o livre-arbítrio, e desmereceram?”
Tal é, ainda, a objeção por vezes feita e à qual os argumentos acima podem servir de resposta. Não obstante, acrescentaremos algumas considerações.
Sobre o primeiro ponto diremos que a felicidade completa é resultado da perfeição. Considerando-se que as vicissitudes são o produto da imperfeição, criar os Espíritos perfeitamente felizes fora criá-los perfeitos.
A questão dos animais exige alguns desenvolvimentos. Eles têm um princípio inteligente, isto é incontestável. De que natureza é esse princípio? Que relações tem ele com o do homem? É estacionário em cada espécie, ou progressivo ao passar de uma a outra espécie? Qual é, para ele, o limite do progresso? Ele caminha paralelamente com o homem, ou é o mesmo princípio que se elabora e ensaia a vida nas espécies inferiores, para receber, mais tarde, novas faculdades e sofrer a transformação humana? Estas são outras tantas questões até hoje insolúveis, e se o véu que cobre esse mistério ainda não foi levantado pelos Espíritos, é que isto teria sido prematuro, pois o homem ainda não está maduro para receber toda a luz. É verdade que vários Espíritos deram teorias a respeito, mas nenhuma tem um caráter bastante autêntico para ser aceita como verdade definitiva. Assim, até nova ordem, elas não podem ser consideradas senão como sistemas individuais. Só a concordância lhes pode dar a consagração, pois nisto está o único e verdadeiro controle do ensino dos Espíritos. Eis por que estamos longe de aceitar como verdades irrefutáveis tudo quanto eles ensinam individualmente. Um princípio, seja qual for, para nós só adquire autenticidade pela universalidade do ensinamento, isto é, por instruções idênticas dadas em todos os lugares por médiuns estranhos uns aos outros sem sofrer as mesmas influências, notoriamente isentos de obsessões e assistidos por Espíritos bons e esclarecidos. Por Espíritos esclarecidos deve entender-se os que provam sua superioridade pela sua elevação de pensamento e pelo o alto alcance de seus ensinos, jamais se contradizendo e jamais dizendo nada que a lógica mais rigorosa não possa admitir. Assim é que foram controladas as diversas partes da doutrina, formulada no Livro dos Espíritos e no Livro dos médiuns. Tal não é ainda o caso da questão dos animais, e é por isso que ainda não a resolvemos. Até a constatação mais séria, não se devem aceitar teorias que possam ser dadas a respeito, senão com reservas, e esperar sua confirmação ou sua negação.
Em geral nunca seria demasiada a prudência em face a teorias novas, sobre as quais poderíamos ter ilusões. Assim, quantas vimos, desde a origem do Espiritismo, que, publicadas prematuramente, apenas tiveram vida efêmera! Assim será com todas as que apenas tiverem caráter individual e não tiverem passado pelo controle da concordância.
Em nossa posição, recebendo as comunicações de cerca de mil centros espíritas sérios disseminados em diversos pontos do globo, estamos em condições de ver os princípios sobre os quais houve concordância. Foi essa observação que nos guiou até hoje e nos guiará igualmente nos novos campos que o Espiritismo é chamado a explorar. É assim que, desde algum tempo, observamos nas comunicações vindas de vários lados, quer da França, quer do estrangeiro, uma tendência a entrar numa via nova, através de revelações de uma natureza toda especial.
Essas revelações, muitas vezes em palavras veladas, passaram despercebidas por muitos dos que as receberam, e muitos outros se supuseram os únicos a recebêlas. Consideradas isoladamente, para nós não teriam valor, mas a sua coincidência lhes dá alta importância, que terá de ser julgada mais tarde, quando chegar o momento de levá-las à luz da publicidade.
Sem essa concordância, quem poderia estar seguro de estar com a verdade? A razão, a lógica, o raciocínio, sem dúvida são os primeiros meios de controle a serem usados. Em muitos casos isto basta, mas quando se trata de um princípio importante, da emissão de uma ideia nova, seria presunção crer-se infalível na apreciação das coisas. É este, ademais, um dos caracteres distintivos da revelação nova, o de ser feita em toda parte ao mesmo tempo. Assim acontece com as diversas partes da doutrina. Aí está a experiência para provar que todas as teorias aventurosas por Espíritos sistemáticos e pseudossábios sempre foram isoladas e localizadas. Nenhuma delas tornou-se geral e suportou o controle da concordância. Várias, mesmo, caíram no ridículo, prova evidente de que não estavam certas. O controle universal é uma garantia para a futura unidade da doutrina.
Esta digressão afastou-nos um pouco do assunto, mas era útil, para dar a conhecer nossa maneira de proceder no caso de teorias novas concernentes ao Espiritismo, que está longe de haver dado sua última palavra sobre todas as coisas. Jamais as emitimos antes que tenham recebido a sanção de que acabamos de falar, razão pela qual algumas pessoas um tanto impacientes se admiram de nosso silêncio em certos casos. Como sabemos que cada coisa virá a seu tempo, não cedemos a nenhuma pressão, venha de onde vier, pois sabemos a sorte dos que querem ir muito depressa e têm em si mesmos e em suas próprias luzes uma confiança muito grande. Não queremos colher o fruto antes de sua maturação, mas podemos ter certeza de que, quando estiver maduro, não o deixaremos cair.
Estabelecido este ponto, pouco nos resta a dizer sobre a questão proposta, embora o ponto capital ainda não possa ser resolvido.
É incontestável que os animais sofrem, mas é racional imputar esses sofrimentos à imprevidência do Criador ou a uma falta de bondade de sua parte pelo fato de a causa escapar à nossa inteligência, assim como a utilidade dos deveres e da disciplina escapa ao escolar? Ao lado desse mal aparente não se vê brilhar a sua solicitude pelas mais ínfimas de suas criaturas? Não são os animais providos de meios de conservação adequados ao meio onde devem viver? Não se vê que a sua pelagem desenvolve-se mais ou menos, conforme o clima? Seu aparelho de nutrição, suas armas ofensivas e defensivas proporcionais aos obstáculos a vencer e aos inimigos a combater? Em presença destes fatos tão multiplicados, cujas consequências só escapam ao olho do materialista, está bem fundamentado aquele que disser que não há Providência para eles? Não, por certo, posto nossa visão seja muito limitada para julgar a lei do conjunto. Nosso ponto de vista, restrito ao pequeno círculo que nos envolve, só nos deixa ver irregularidades aparentes, mas quando nos elevamos pelo pensamento acima do horizonte terreno, essas irregularidades se apagam ante a harmonia geral.
O que mais choca nesta observação localizada, é a destruição dos seres, uns pelos outros. Considerando-se que Deus prova a sua sabedoria e a sua bondade em tudo o que podemos compreender, é forçoso admitir que a mesma sabedoria presida o que não compreendemos. Aliás, não costumamos maximizar a importância dessa destruição senão pela que atribuímos à matéria, sempre por força do estreito ponto de vista em que o homem se coloca.
Definitivamente, só o envoltório se destrói, ao passo que o princípio inteligente não é aniquilado. O Espírito é tão indiferente à perda de seu corpo quanto o homem à de sua roupa. Essa destruição dos envoltórios temporários é necessária à formação e à manutenção dos novos envoltórios que se constituem com os mesmos elementos, mas o princípio inteligente não é atingido, quer nos animais, quer no homem.
Resta o sofrimento que por vezes a destruição desse envoltório acarreta. O Espiritismo nos ensina e nos prova que o sofrimento, no homem, é útil ao seu avanço moral. Quem nos diz que aquele que os animais suportam não tem também sua utilidade; que ele não é, na sua esfera e conforme uma certa ordem de coisas, uma causa de progresso? É certo que isto não passa de hipótese, mas ao menos se apoia nos atributos de Deus: a justiça e a bondade, enquanto as outras são a sua negação.
Tendo sido debatida, em sessão da Sociedade Espírita de Paris, a questão da criação dos seres perfeitos, o Espírito Erasto ditou, a respeito, a comunicação adiante transcrita.
(Sociedade Espírita de Paris, 5 de novembro de 1864 - Médium: Sr. D'Ambel)
Por que não criou Deus todos os seres perfeitos? Em virtude mesmo da lei do progresso. É fácil compreender a economia desta lei. Aquele que marcha está no movimento, isto é, na lei da atividade humana; aquele que não progride, que em essência se acha estacionário, incontestavelmente não pertence à gradação ou à hierarquia humanitária. Explico-me. O homem que nasce numa posição mais ou menos elevada, acha em sua situação nativa um dado estado de ser. Ora! Ele está certo de que se sua vida inteira decorresse nessa situação, sem que ele lhe tivesse trazido modificações por sua ação ou pela de outrem, ele declararia que a sua existência é monótona, aborrecida, fatigante, numa palavra, insuportável. Acrescento que ele teria perfeita razão, visto que o bem só é bem relativamente ao que lhe é inferior. Isto é tão certo que se puserdes o homem num paraíso terrestre, num paraíso onde não se progride mais, em dado tempo ele achará a existência insustentável e aquela morada um impiedoso inferno. Daí resulta, de maneira absoluta, que a lei imutável dos mundos é o progresso ou o movimento para a frente, isto é, que todo Espírito que é criado está inevitavelmente submetido a essa grande e sublime lei da vida. Consequentemente, assim é a própria lei humana.
Só existe um ser perfeito, e não pode existir senão um: Deus! Ora, pedir ao Ser Supremo a criação de Espíritos perfeitos, seria pedir-lhe que criasse algo de semelhante e igual a si. Emitir semelhante proposição, não é condená-la previamente? Ó homens! Por que perguntar sempre qual a razão de ser de certas questões insolúveis ou acima do entendimento humano? Lembrai-vos sempre que só Deus pode ficar e viver na sua imobilidade gigantesca. Ele é o supremo senhor de todas as coisas, o alfa e o ômega de toda a vida.
Ah! Crede-me, filhos, jamais busqueis levantar o véu que cobre esse grandioso mistério, que os maiores Espíritos da criação não abordam sem tremor.
Quanto a mim, humilde pioneiro da iniciação, tudo o que vos posso afirmar é que a imobilidade é um dos atributos de Deus, ou do Criador, e que o homem, e tudo o que é criado, têm como atributo a mobilidade.
Compreendei, se o puderdes, ou esperai a hora de uma explicação mais inteligível, isto é, mais ao alcance do vosso entendimento.
Não trato senão desta parte da questão, pois vos quis provar apenas que não tinha ficado alheio à vossa discussão. Sobre todo o resto, reporto-me ao que foi dito, pois todos me pareceram da mesma opinião. Em breve falarei dos outros casos que foram assinalados (os casos de Poitiers).
ERASTO
Só existe um ser perfeito, e não pode existir senão um: Deus! Ora, pedir ao Ser Supremo a criação de Espíritos perfeitos, seria pedir-lhe que criasse algo de semelhante e igual a si. Emitir semelhante proposição, não é condená-la previamente? Ó homens! Por que perguntar sempre qual a razão de ser de certas questões insolúveis ou acima do entendimento humano? Lembrai-vos sempre que só Deus pode ficar e viver na sua imobilidade gigantesca. Ele é o supremo senhor de todas as coisas, o alfa e o ômega de toda a vida.
Ah! Crede-me, filhos, jamais busqueis levantar o véu que cobre esse grandioso mistério, que os maiores Espíritos da criação não abordam sem tremor.
Quanto a mim, humilde pioneiro da iniciação, tudo o que vos posso afirmar é que a imobilidade é um dos atributos de Deus, ou do Criador, e que o homem, e tudo o que é criado, têm como atributo a mobilidade.
Compreendei, se o puderdes, ou esperai a hora de uma explicação mais inteligível, isto é, mais ao alcance do vosso entendimento.
Não trato senão desta parte da questão, pois vos quis provar apenas que não tinha ficado alheio à vossa discussão. Sobre todo o resto, reporto-me ao que foi dito, pois todos me pareceram da mesma opinião. Em breve falarei dos outros casos que foram assinalados (os casos de Poitiers).
ERASTO
Um de nossos correspondentes de Maine-et-Loire, o Dr. C..., transmite-nos este fato:
“Eis um curioso exemplo da faculdade mediúnica aplicada ao desenho, que se manifestou vários anos antes que fosse conhecido o Espiritismo e mesmo antes das mesas girantes.
“Há três semanas, estando em Bressuire, eu explicava o Espiritismo e as relações dos homens com o mundo invisível a um advogado de meus amigos, que lhe ignorava o á-bê-cê. Ora, eis o que ele me contou como tendo grande relação com o que lhe dizia:
“Em 1849, disse ele, fui com um amigo visitar a aldeia de Saint-Laurent-surSèvres e seus dois conventos, um de homens, outro de mulheres. Fomos recebidos da mais cordial maneira pelo Padre Dallain, superior do primeiro, e que tinha autoridade também sobre o segundo.
“Depois de ter percorrido os dois conventos, disse-nos ele:
“─ Agora, senhores, quero mostrar-vos uma das coisas mais curiosas do convento das senhoras.
“Mandou trazer um álbum, onde admiramos, com efeito, aquarelas de grande perfeição. Eram flores, paisagens e marinhas. Então ele nos disse:
“─ Estes desenhos tão bem reunidos foram feitos por uma de nossas jovens religiosas que é cega.
“E eis o que ele nos contou de um lindo ramo de rosas, com um botão azul:
“─ Há algum tempo, em presença do Sr. Marquês de La Rochejaquelein e de vários outros visitantes, chamei a religiosa cega e pedi que ela se pusesse a uma mesa para desenhar alguma coisa. Trouxeram as tintas, deram-lhe papel, lápis, pincéis, e ela imediatamente começou o ramo que vedes. Durante o trabalho várias vezes colocaram um corpo opaco, ora um papelão, ora uma prancheta entre os seus olhos e o papel, mas o pincel continuou a trabalhar com a mesma calma e a mesma regularidade. À observação de que o ramo estava um pouco fino, ela disse: ‘Está bem! Vou fazer sair um botão do vazio deste ramo.’ Enquanto ela trabalhava nessa correção, substituíram o carmim de que se servia pelo azul. Ela não percebeu a mudança, e é por isso que vedes um botão azul.
“O Padre Dallain era tão notável por seus conhecimentos e sua grande inteligência quanto por sua elevada piedade. Não encontrei ninguém que me tivesse inspirado mais simpatia e veneração.”
Em nossa opinião, o fato não prova, de modo evidente, uma ação mediúnica. Pela linguagem da jovem cega, é certo que ela via, do contrário não teria dito: “Vou fazer sair um botão do vazio deste ramo.” Mas o que não é menos certo é que ela não via pelos olhos, desde que continuava o trabalho a despeito do obstáculo que punham à sua frente. Ela agia com conhecimento de causa, e não maquinalmente, como um médium. Assim, parece evidente que ela era dirigida pela segunda vista. Ela via pelos olhos da alma, abstração feita dos olhos do corpo. Talvez ela mesma estivesse, de forma permanente, num estado de sonambulismo desperto.
Fenômenos análogos foram observados muitas vezes, mas contentavam-se em achá-los surpreendentes. A causa não podia ser descoberta, tendo em vista que, ligando-se essencialmente à alma, era preciso, em primeiro lugar, reconhecer a existência da alma. Entretanto, mesmo que fosse admitido, esse ponto ainda não bastava, pois faltava o conhecimento das propriedades da alma e das leis que regem suas relações com a matéria.
Revelando-nos a existência do perispírito, o Espiritismo nos deu a conhecer, se assim se pode dizer, a fisiologia dos Espíritos. Dessa forma, ele nos deu a chave de uma porção de fenômenos incompreendidos e, em falta de melhores razões, qualificados por uns de sobrenaturais e por outros de bizarrias da Natureza.
Pode a natureza ter bizarrias? Não, porque bizarrias são caprichos. Ora, sendo a Natureza obra de Deus, Deus não pode ter caprichos, sem o que nada seria estável no Universo. Se há uma regra sem exceção, deve ser, certamente, a que rege as obras do Criador; as exceções seriam a destruição da harmonia universal. Todos os fenômenos se ligam a uma lei geral, e uma coisa só nos parece bizarra porque observamos um único ponto, ao passo que, se considerarmos o conjunto, reconheceremos que a irregularidade daquele ponto é apenas aparente e depende de nosso limitado ponto de vista.
Isto posto, diremos que o fenômeno de que se trata nem é maravilhoso, nem excepcional. É o que trataremos de explicar.
No estado atual dos nossos conhecimentos, não podemos conceber a alma sem seu envoltório fluídico, perispiritual. O princípio inteligente escapa completamente à nossa análise. Só o conhecemos por suas manifestações, que se dão com o auxílio do perispírito. É pelo perispírito que a alma age, percebe e transmite. Desprendida do envoltório corporal, a alma ou Espírito ainda é um ser complexo.
De acordo com a experiência, ensina-nos a teoria que a visão da alma, assim como todas as outras percepções, é um atributo do ser inteiro. No corpo, ela é circunscrita ao órgão da visão, por isso é-lhe preciso o concurso da luz, e tudo o que se acha no trajeto do raio luminoso o intercepta. Não é assim com o Espírito, para o qual não há obscuridade nem corpos opacos.
A seguinte comparação pode ajudar a compreender esta diferença. A céu aberto, o homem recebe a luz por todos os lados; mergulhado no fluido luminoso, o horizonte visual se estende por toda a volta. Se ele estiver encerrado numa caixa na qual foi feita uma pequena abertura, em sua volta tudo estará na obscuridade, salvo o ponto por onde lhe chega o raio luminoso. A visão do Espírito encarnado está neste último caso. A do Espírito desencarnado está no primeiro. Esta comparação é justa quanto ao efeito, mas não o é quanto à causa, porque a fonte da luz não é a mesma para o homem e para o Espírito ou, melhor dito, não é a mesma luz que lhes dá a faculdade de ver.
Assim, a cega de que se trata via pela alma e não pelos olhos. Eis por que o anteparo colocado diante do desenho não a perturbava mais do que aos olhos de um vidente ante os quais tivessem posto um cristal transparente. É também por isto que ela tanto podia desenhar de noite quanto de dia. Radiando em torno dela e tudo penetrando, o fluído perispiritual trazia a imagem, não sobre a retina, mas à sua alma. Nesse estado, a visão abarca tudo? Não. Ela pode ser geral ou especial, conforme a vontade do Espírito; pode ser limitada ao ponto onde ele concentra a sua atenção.
Mas então, irão perguntar, por que não se apercebeu ela da substituição da cor? Primeiramente, pode ser que a atenção voltada para o lugar onde ela queria pôr a flor a tenha desviado da cor. Além disto, é preciso considerar que a visão da alma não se opera pelo mesmo mecanismo que a visão corporal, e que assim há efeitos de que não nos poderíamos dar conta. Depois, ainda é preciso notar que nossas cores são produzidas pela refração da nossa luz. Ora, sendo as propriedades do perispírito diferentes das dos nossos fluidos ambientes, é provável que a refração aí não produza os mesmos efeitos; que para o Espírito as cores não tenham as mesmas causas que para o encarnado. Assim, ela podia, pelo pensamento, ver róseo o que nos parecia azul. Sabe-se que o fenômeno da substituição das cores é muito frequente na visão ordinária. O fato principal é o da visão bem constatada sem o concurso dos órgãos da visão.
Como se vê, esse fato não implica a ação mediúnica, mas, também, não exclui, em certos casos, a assistência de um Espírito estranho. Essa jovem podia, pois, ser ou não ser médium, o que um estudo mais atento poderia ter revelado.
Uma pessoa cega gozando dessa faculdade era precioso objeto de observação. Mas para tanto teria sido necessário conhecer a fundo a teoria da alma, a do perispírito e, por consequência, o sonambulismo e o Espiritismo. Naquela época não se conheciam essas coisas, e mesmo hoje não seria nos meios onde as consideram como diabólicas que poderiam entregar-se a esses estudos. Também não é naqueles onde se nega a existência da alma que o mesmo pode ser feito.
Dia virá, certamente, em que reconhecerão que há uma física espiritual, como começam a reconhecer a existência da medicina espiritual!
“Eis um curioso exemplo da faculdade mediúnica aplicada ao desenho, que se manifestou vários anos antes que fosse conhecido o Espiritismo e mesmo antes das mesas girantes.
“Há três semanas, estando em Bressuire, eu explicava o Espiritismo e as relações dos homens com o mundo invisível a um advogado de meus amigos, que lhe ignorava o á-bê-cê. Ora, eis o que ele me contou como tendo grande relação com o que lhe dizia:
“Em 1849, disse ele, fui com um amigo visitar a aldeia de Saint-Laurent-surSèvres e seus dois conventos, um de homens, outro de mulheres. Fomos recebidos da mais cordial maneira pelo Padre Dallain, superior do primeiro, e que tinha autoridade também sobre o segundo.
“Depois de ter percorrido os dois conventos, disse-nos ele:
“─ Agora, senhores, quero mostrar-vos uma das coisas mais curiosas do convento das senhoras.
“Mandou trazer um álbum, onde admiramos, com efeito, aquarelas de grande perfeição. Eram flores, paisagens e marinhas. Então ele nos disse:
“─ Estes desenhos tão bem reunidos foram feitos por uma de nossas jovens religiosas que é cega.
“E eis o que ele nos contou de um lindo ramo de rosas, com um botão azul:
“─ Há algum tempo, em presença do Sr. Marquês de La Rochejaquelein e de vários outros visitantes, chamei a religiosa cega e pedi que ela se pusesse a uma mesa para desenhar alguma coisa. Trouxeram as tintas, deram-lhe papel, lápis, pincéis, e ela imediatamente começou o ramo que vedes. Durante o trabalho várias vezes colocaram um corpo opaco, ora um papelão, ora uma prancheta entre os seus olhos e o papel, mas o pincel continuou a trabalhar com a mesma calma e a mesma regularidade. À observação de que o ramo estava um pouco fino, ela disse: ‘Está bem! Vou fazer sair um botão do vazio deste ramo.’ Enquanto ela trabalhava nessa correção, substituíram o carmim de que se servia pelo azul. Ela não percebeu a mudança, e é por isso que vedes um botão azul.
“O Padre Dallain era tão notável por seus conhecimentos e sua grande inteligência quanto por sua elevada piedade. Não encontrei ninguém que me tivesse inspirado mais simpatia e veneração.”
Em nossa opinião, o fato não prova, de modo evidente, uma ação mediúnica. Pela linguagem da jovem cega, é certo que ela via, do contrário não teria dito: “Vou fazer sair um botão do vazio deste ramo.” Mas o que não é menos certo é que ela não via pelos olhos, desde que continuava o trabalho a despeito do obstáculo que punham à sua frente. Ela agia com conhecimento de causa, e não maquinalmente, como um médium. Assim, parece evidente que ela era dirigida pela segunda vista. Ela via pelos olhos da alma, abstração feita dos olhos do corpo. Talvez ela mesma estivesse, de forma permanente, num estado de sonambulismo desperto.
Fenômenos análogos foram observados muitas vezes, mas contentavam-se em achá-los surpreendentes. A causa não podia ser descoberta, tendo em vista que, ligando-se essencialmente à alma, era preciso, em primeiro lugar, reconhecer a existência da alma. Entretanto, mesmo que fosse admitido, esse ponto ainda não bastava, pois faltava o conhecimento das propriedades da alma e das leis que regem suas relações com a matéria.
Revelando-nos a existência do perispírito, o Espiritismo nos deu a conhecer, se assim se pode dizer, a fisiologia dos Espíritos. Dessa forma, ele nos deu a chave de uma porção de fenômenos incompreendidos e, em falta de melhores razões, qualificados por uns de sobrenaturais e por outros de bizarrias da Natureza.
Pode a natureza ter bizarrias? Não, porque bizarrias são caprichos. Ora, sendo a Natureza obra de Deus, Deus não pode ter caprichos, sem o que nada seria estável no Universo. Se há uma regra sem exceção, deve ser, certamente, a que rege as obras do Criador; as exceções seriam a destruição da harmonia universal. Todos os fenômenos se ligam a uma lei geral, e uma coisa só nos parece bizarra porque observamos um único ponto, ao passo que, se considerarmos o conjunto, reconheceremos que a irregularidade daquele ponto é apenas aparente e depende de nosso limitado ponto de vista.
Isto posto, diremos que o fenômeno de que se trata nem é maravilhoso, nem excepcional. É o que trataremos de explicar.
No estado atual dos nossos conhecimentos, não podemos conceber a alma sem seu envoltório fluídico, perispiritual. O princípio inteligente escapa completamente à nossa análise. Só o conhecemos por suas manifestações, que se dão com o auxílio do perispírito. É pelo perispírito que a alma age, percebe e transmite. Desprendida do envoltório corporal, a alma ou Espírito ainda é um ser complexo.
De acordo com a experiência, ensina-nos a teoria que a visão da alma, assim como todas as outras percepções, é um atributo do ser inteiro. No corpo, ela é circunscrita ao órgão da visão, por isso é-lhe preciso o concurso da luz, e tudo o que se acha no trajeto do raio luminoso o intercepta. Não é assim com o Espírito, para o qual não há obscuridade nem corpos opacos.
A seguinte comparação pode ajudar a compreender esta diferença. A céu aberto, o homem recebe a luz por todos os lados; mergulhado no fluido luminoso, o horizonte visual se estende por toda a volta. Se ele estiver encerrado numa caixa na qual foi feita uma pequena abertura, em sua volta tudo estará na obscuridade, salvo o ponto por onde lhe chega o raio luminoso. A visão do Espírito encarnado está neste último caso. A do Espírito desencarnado está no primeiro. Esta comparação é justa quanto ao efeito, mas não o é quanto à causa, porque a fonte da luz não é a mesma para o homem e para o Espírito ou, melhor dito, não é a mesma luz que lhes dá a faculdade de ver.
Assim, a cega de que se trata via pela alma e não pelos olhos. Eis por que o anteparo colocado diante do desenho não a perturbava mais do que aos olhos de um vidente ante os quais tivessem posto um cristal transparente. É também por isto que ela tanto podia desenhar de noite quanto de dia. Radiando em torno dela e tudo penetrando, o fluído perispiritual trazia a imagem, não sobre a retina, mas à sua alma. Nesse estado, a visão abarca tudo? Não. Ela pode ser geral ou especial, conforme a vontade do Espírito; pode ser limitada ao ponto onde ele concentra a sua atenção.
Mas então, irão perguntar, por que não se apercebeu ela da substituição da cor? Primeiramente, pode ser que a atenção voltada para o lugar onde ela queria pôr a flor a tenha desviado da cor. Além disto, é preciso considerar que a visão da alma não se opera pelo mesmo mecanismo que a visão corporal, e que assim há efeitos de que não nos poderíamos dar conta. Depois, ainda é preciso notar que nossas cores são produzidas pela refração da nossa luz. Ora, sendo as propriedades do perispírito diferentes das dos nossos fluidos ambientes, é provável que a refração aí não produza os mesmos efeitos; que para o Espírito as cores não tenham as mesmas causas que para o encarnado. Assim, ela podia, pelo pensamento, ver róseo o que nos parecia azul. Sabe-se que o fenômeno da substituição das cores é muito frequente na visão ordinária. O fato principal é o da visão bem constatada sem o concurso dos órgãos da visão.
Como se vê, esse fato não implica a ação mediúnica, mas, também, não exclui, em certos casos, a assistência de um Espírito estranho. Essa jovem podia, pois, ser ou não ser médium, o que um estudo mais atento poderia ter revelado.
Uma pessoa cega gozando dessa faculdade era precioso objeto de observação. Mas para tanto teria sido necessário conhecer a fundo a teoria da alma, a do perispírito e, por consequência, o sonambulismo e o Espiritismo. Naquela época não se conheciam essas coisas, e mesmo hoje não seria nos meios onde as consideram como diabólicas que poderiam entregar-se a esses estudos. Também não é naqueles onde se nega a existência da alma que o mesmo pode ser feito.
Dia virá, certamente, em que reconhecerão que há uma física espiritual, como começam a reconhecer a existência da medicina espiritual!
Variedades
Conhecemos pessoalmente uma senhora, médium, dotada de notável faculdade tiptológica. Ela obtém facilmente e, o que é mais raro, quase constantemente, coisas de precisão, como nome de lugares e de pessoas em diversas línguas; datas e fatos particulares, em presença dos quais mais de uma vez a incredulidade foi confundida.
Essa senhora, inteiramente devotada à causa do Espiritismo, consagra todo o tempo disponível ao exercício de sua faculdade, com o objetivo de propaganda, e isto com um desinteresse tanto mais louvável quanto a sua posição de fortuna está mais perto da mediocridade. Como o Espiritismo é para ela uma coisa séria, ela sempre inicia com uma prece dita com o maior recolhimento, para solicitar a ajuda dos bons Espíritos e pedir a Deus que afaste os maus. Ela termina assim: “Se eu for tentada a abusar, seja no que for, da faculdade que a Deus aprouve conceder-se, peço-lhe que ma retire, em vez de permitir que ela seja desviada de seu objetivo providencial.”
Um dia um rico estrangeiro ─ de quem colhemos o fato ─ foi procurar essa senhora para lhe pedir que desse uma comunicação. Ele não tinha a menor noção do Espiritismo e ainda menos de crença. Pondo sua carteira sobre a mesa, disse-lhe: “Senhora, eis aqui dez mil francos que vos dou, se disserdes o nome da pessoa em quem estou pensando.” Isto basta para mostrar o nível de conhecimento que ele tinha da doutrina. Aquela senhora lhe fez observar, nesse particular, o que todo espírita verdadeiro faria em semelhante caso. Não obstante, ela tentou e nada obteve. Ora, logo depois da partida desse senhor ela recebeu, para outras pessoas, comunicações muito mais difíceis e complicadas do que aquela que ele lhe havia pedido.
Este fato deveria ser para esse senhor, conforme lhe dissemos, uma prova da sinceridade e da boa-fé da médium, porque os charlatães sempre têm recursos à sua disposição, quando se trata de ganhar dinheiro. Mas disso se deduzem vários outros ensinamentos de outra gravidade. Os Espíritos quiseram provar-lhe que não é com dinheiro que os fazem falar quando não querem; além disso provaram que se não tinham respondido à pergunta não era por impossibilidade da parte deles, porquanto depois disseram coisas mais difíceis a pessoas que nada ofereciam. A lição era maior ainda para o médium; era lhe demonstrar sua absoluta impotência sem o concurso deles e lhe ensinar a humildade, porque, se os Espíritos tivessem estado às suas ordens, se tivesse bastado a vontade dele para os fazê-los falar, era o caso de exercer o seu poder agora ou jamais.
Está aí uma prova manifesta do apoio ao que dissemos na Revista de fevereiro último, a propósito do Sr. Home, sobre a impossibilidade em que se acham os médiuns de contar com uma faculdade que lhes pode faltar no momento em que ela lhes seria necessária.
Aquele que possui um talento e que o explora está sempre certo de tê-lo à sua disposição, porque é inerente à sua pessoa, mas a mediunidade não é um talento; não existe senão pelo concurso de terceiros. Se esses terceiros se recusam, não há mais mediunidade. A aptidão pode subsistir, mas o seu exercício é anulado. Um médium sem a assistência dos Espíritos é como um violinista sem violino.
O senhor em questão admirou-se que, tendo vindo para se convencer, os Espíritos a isso não se tivessem prestado. A isto lhe respondemos que se ele pode ser convencido, sê-lo-á por outros meios, que nada lhe custarão. Os Espíritos não quiseram que ele pudesse dizer que tinha sido convencido a peso de ouro, porque se o dinheiro fosse necessário para convencer-se, como fariam os que não podem pagar?
É para que a crença possa penetrar nos mais humildes redutos que a mediunidade não é um privilégio. Ela se acha em toda parte, a fim de que todos, pobres e ricos, possam ter a consolação de comunicar-se com os parentes e amigos do além-túmulo.
Os Espíritos não quiseram que ele fosse convencido dessa maneira, porque o brilho que ele a isso tivesse dado teria falseado sua própria opinião e a de seus amigos quanto ao caráter essencialmente moral e religioso do Espiritismo. Eles não o quiseram no interesse do médium e dos médiuns em geral, cuja cupidez esse resultado teria superexcitado, porque eles se teriam dito que se haviam obtido êxito nessa circunstância, o mesmo aconteceria em outras.
Essa não foi a primeira vez que ofertas semelhantes foram feitas; que prêmios são oferecidos, mas sempre sem sucesso, tendo em vista que os Espíritos não se põem ao serviço e não se entregam a quem paga melhor.
Se essa senhora tivesse tido êxito, teria aceitado ou recusado? Ignoramos, porque dez mil francos são muito sedutores, sobretudo em certas posições. Em todo caso, a tentação foi grande. E quem sabe se a recusa não teria sido seguida de um pesar, que teria atenuado o mérito do feito?
Notemos que, em a sua prece, ela pede a Deus que lhe retire sua faculdade em vez de permitir que ela seja tentada a desviá-la de seu objetivo providencial. Então! Sua prece foi ouvida; a mediunidade lhe foi retirada para esse caso especial, a fim de lhe poupar o perigo da tentação e todas as consequências lamentáveis que a teriam seguido, primeiro para ela própria, e ainda pelo mau efeito que isto teria produzido.
Mas não é só contra a cupidez que os médiuns devem pôr-se em guarda. Como os há em todas as camadas da Sociedade, a maioria deles está acima desta tentação. Entretanto, há um perigo muito maior ainda, pois a ele todos estão expostos: é o orgulho, que põe a perder tão grande número. É contra esse escolho que as mais belas faculdades muitas vezes vêm quebrar-se. O desinteresse material não tem proveito se não for acompanhado pelo mais completo desinteresse moral. Humildade, devotamento, desinteresse e abnegação são as qualidades do médium amado pelos bons Espíritos.
Essa senhora, inteiramente devotada à causa do Espiritismo, consagra todo o tempo disponível ao exercício de sua faculdade, com o objetivo de propaganda, e isto com um desinteresse tanto mais louvável quanto a sua posição de fortuna está mais perto da mediocridade. Como o Espiritismo é para ela uma coisa séria, ela sempre inicia com uma prece dita com o maior recolhimento, para solicitar a ajuda dos bons Espíritos e pedir a Deus que afaste os maus. Ela termina assim: “Se eu for tentada a abusar, seja no que for, da faculdade que a Deus aprouve conceder-se, peço-lhe que ma retire, em vez de permitir que ela seja desviada de seu objetivo providencial.”
Um dia um rico estrangeiro ─ de quem colhemos o fato ─ foi procurar essa senhora para lhe pedir que desse uma comunicação. Ele não tinha a menor noção do Espiritismo e ainda menos de crença. Pondo sua carteira sobre a mesa, disse-lhe: “Senhora, eis aqui dez mil francos que vos dou, se disserdes o nome da pessoa em quem estou pensando.” Isto basta para mostrar o nível de conhecimento que ele tinha da doutrina. Aquela senhora lhe fez observar, nesse particular, o que todo espírita verdadeiro faria em semelhante caso. Não obstante, ela tentou e nada obteve. Ora, logo depois da partida desse senhor ela recebeu, para outras pessoas, comunicações muito mais difíceis e complicadas do que aquela que ele lhe havia pedido.
Este fato deveria ser para esse senhor, conforme lhe dissemos, uma prova da sinceridade e da boa-fé da médium, porque os charlatães sempre têm recursos à sua disposição, quando se trata de ganhar dinheiro. Mas disso se deduzem vários outros ensinamentos de outra gravidade. Os Espíritos quiseram provar-lhe que não é com dinheiro que os fazem falar quando não querem; além disso provaram que se não tinham respondido à pergunta não era por impossibilidade da parte deles, porquanto depois disseram coisas mais difíceis a pessoas que nada ofereciam. A lição era maior ainda para o médium; era lhe demonstrar sua absoluta impotência sem o concurso deles e lhe ensinar a humildade, porque, se os Espíritos tivessem estado às suas ordens, se tivesse bastado a vontade dele para os fazê-los falar, era o caso de exercer o seu poder agora ou jamais.
Está aí uma prova manifesta do apoio ao que dissemos na Revista de fevereiro último, a propósito do Sr. Home, sobre a impossibilidade em que se acham os médiuns de contar com uma faculdade que lhes pode faltar no momento em que ela lhes seria necessária.
Aquele que possui um talento e que o explora está sempre certo de tê-lo à sua disposição, porque é inerente à sua pessoa, mas a mediunidade não é um talento; não existe senão pelo concurso de terceiros. Se esses terceiros se recusam, não há mais mediunidade. A aptidão pode subsistir, mas o seu exercício é anulado. Um médium sem a assistência dos Espíritos é como um violinista sem violino.
O senhor em questão admirou-se que, tendo vindo para se convencer, os Espíritos a isso não se tivessem prestado. A isto lhe respondemos que se ele pode ser convencido, sê-lo-á por outros meios, que nada lhe custarão. Os Espíritos não quiseram que ele pudesse dizer que tinha sido convencido a peso de ouro, porque se o dinheiro fosse necessário para convencer-se, como fariam os que não podem pagar?
É para que a crença possa penetrar nos mais humildes redutos que a mediunidade não é um privilégio. Ela se acha em toda parte, a fim de que todos, pobres e ricos, possam ter a consolação de comunicar-se com os parentes e amigos do além-túmulo.
Os Espíritos não quiseram que ele fosse convencido dessa maneira, porque o brilho que ele a isso tivesse dado teria falseado sua própria opinião e a de seus amigos quanto ao caráter essencialmente moral e religioso do Espiritismo. Eles não o quiseram no interesse do médium e dos médiuns em geral, cuja cupidez esse resultado teria superexcitado, porque eles se teriam dito que se haviam obtido êxito nessa circunstância, o mesmo aconteceria em outras.
Essa não foi a primeira vez que ofertas semelhantes foram feitas; que prêmios são oferecidos, mas sempre sem sucesso, tendo em vista que os Espíritos não se põem ao serviço e não se entregam a quem paga melhor.
Se essa senhora tivesse tido êxito, teria aceitado ou recusado? Ignoramos, porque dez mil francos são muito sedutores, sobretudo em certas posições. Em todo caso, a tentação foi grande. E quem sabe se a recusa não teria sido seguida de um pesar, que teria atenuado o mérito do feito?
Notemos que, em a sua prece, ela pede a Deus que lhe retire sua faculdade em vez de permitir que ela seja tentada a desviá-la de seu objetivo providencial. Então! Sua prece foi ouvida; a mediunidade lhe foi retirada para esse caso especial, a fim de lhe poupar o perigo da tentação e todas as consequências lamentáveis que a teriam seguido, primeiro para ela própria, e ainda pelo mau efeito que isto teria produzido.
Mas não é só contra a cupidez que os médiuns devem pôr-se em guarda. Como os há em todas as camadas da Sociedade, a maioria deles está acima desta tentação. Entretanto, há um perigo muito maior ainda, pois a ele todos estão expostos: é o orgulho, que põe a perder tão grande número. É contra esse escolho que as mais belas faculdades muitas vezes vêm quebrar-se. O desinteresse material não tem proveito se não for acompanhado pelo mais completo desinteresse moral. Humildade, devotamento, desinteresse e abnegação são as qualidades do médium amado pelos bons Espíritos.
Os fatos noticiados em nosso último número, sobre os quais havíamos adiado a nossa opinião, parecem definitivamente assentados como fenômenos espíritas. Um exame atento das circunstâncias de detalhes não permite confundi-los com atos de malevolência ou de brincadeira. Parece difícil que gente mal-intencionada pudesse escapar à atividade da vigilância exercida pela autoridade, e sobretudo que possa agir no exato momento em que são vigiados, sob o olhar dos que os buscam e aos quais certamente não falta vontade de descobri-los.
Tinham feito exorcismos, mas depois de alguns dias de suspensão, os barulhos recomeçaram com outro caráter. Eis o que a propósito diz o Journal de la Vienne, em seus números de 17 e 18 de fevereiro:
“Recordamo-nos que em janeiro último, fazendo a sua solene aparição em Poitiers, os Espíritos batedores estabeleceram-se na Rua Saint-Paul, na casa situada perto da antiga igreja designada por esse nome, mas sua demora entre nós tinha sido de curta duração e tinha-se o direito de pensar que tudo estava acabado, quando, anteontem, os ruídos que tão fortemente haviam agitado a população se reproduziram com nova intensidade.
“Assim, os diabos negros voltaram à casa da senhorita de O... Apenas não são mais Espíritos batedores, mas atiradores, fazendo detonações formidáveis. Celebraremos sua festa no dia de Santa Bárbara, padroeira dos artilheiros. Sempre há aqueles que anseiam pelo recomeço das procissões de curiosos, e que a polícia interrogue todos os ecos para se guiar através do nevoeiro do outro mundo.
“Contudo, é de esperar que desta vez se descubram os autores dessas mistificações de mau gosto, e que a justiça saiba bem provar aos exploradores da credulidade humana que os melhores Espíritos não são os que fazem mais barulho, mas os que sabem calar ou que só falam quando necessário.”
A. PIOGEARD
Tinham feito exorcismos, mas depois de alguns dias de suspensão, os barulhos recomeçaram com outro caráter. Eis o que a propósito diz o Journal de la Vienne, em seus números de 17 e 18 de fevereiro:
“Recordamo-nos que em janeiro último, fazendo a sua solene aparição em Poitiers, os Espíritos batedores estabeleceram-se na Rua Saint-Paul, na casa situada perto da antiga igreja designada por esse nome, mas sua demora entre nós tinha sido de curta duração e tinha-se o direito de pensar que tudo estava acabado, quando, anteontem, os ruídos que tão fortemente haviam agitado a população se reproduziram com nova intensidade.
“Assim, os diabos negros voltaram à casa da senhorita de O... Apenas não são mais Espíritos batedores, mas atiradores, fazendo detonações formidáveis. Celebraremos sua festa no dia de Santa Bárbara, padroeira dos artilheiros. Sempre há aqueles que anseiam pelo recomeço das procissões de curiosos, e que a polícia interrogue todos os ecos para se guiar através do nevoeiro do outro mundo.
“Contudo, é de esperar que desta vez se descubram os autores dessas mistificações de mau gosto, e que a justiça saiba bem provar aos exploradores da credulidade humana que os melhores Espíritos não são os que fazem mais barulho, mas os que sabem calar ou que só falam quando necessário.”
A. PIOGEARD
“Voltamos sempre à Rua Saint-Paul, sem poder penetrar o mistério infernal.
“Quando interrogamos alguém que passeia com ar preocupado diante da casa da senhorita de O..., a resposta invariável é: ‘De minha parte nada ouvi, mas alguém me disse que as detonações eram muito fortes.’ Isto não deixa de ser embaraçoso para a solução do problema.
“Contudo, é certo que os Espíritos possuem algumas peças de artilharia e mesmo de bem grosso calibre, porque o barulho resultante tem uma certa violência e dizem que se assemelha ao produzido por pequenas bombas.
“Mas de onde vêm? Impossível até agora determinar a sua direção. Eles não vêm do subsolo, desde que tiros de pistola dados no porão não se ouvem no primeiro andar.
“É, pois, nas regiões superiores que é preciso esforçar-se para apanhá-los, contudo, todos os processos indicados pela ciência ou pela experiência para atingir esse resultado resultaram impotentes.
“Seria necessário, então, concluir que os Espíritos possam impunemente atirar nos pardais e perturbar o repouso dos cidadãos sem que seja possível atingi-los? Esta solução seria muito rigorosa. Com efeito, por certos processos, ou em virtude de alguns acidentes de percurso, podem produzir-se efeitos que à primeira vista surpreendem, mas dos quais se admiram, mais tarde, por não haverem compreendido o seu mecanismo elementar. São sempre as coisas mais simples que escapam à apreciação do homem.
“É forçoso crer, portanto, que se esses atiradores do outro mundo neste momento têm ao seu lado os que se riem, eles estão longe de ser inatingíveis.
“Os mistificadores podem ficar persuadidos de que os mistificados terão a sua vez.”
A. PIOGEARD
“Quando interrogamos alguém que passeia com ar preocupado diante da casa da senhorita de O..., a resposta invariável é: ‘De minha parte nada ouvi, mas alguém me disse que as detonações eram muito fortes.’ Isto não deixa de ser embaraçoso para a solução do problema.
“Contudo, é certo que os Espíritos possuem algumas peças de artilharia e mesmo de bem grosso calibre, porque o barulho resultante tem uma certa violência e dizem que se assemelha ao produzido por pequenas bombas.
“Mas de onde vêm? Impossível até agora determinar a sua direção. Eles não vêm do subsolo, desde que tiros de pistola dados no porão não se ouvem no primeiro andar.
“É, pois, nas regiões superiores que é preciso esforçar-se para apanhá-los, contudo, todos os processos indicados pela ciência ou pela experiência para atingir esse resultado resultaram impotentes.
“Seria necessário, então, concluir que os Espíritos possam impunemente atirar nos pardais e perturbar o repouso dos cidadãos sem que seja possível atingi-los? Esta solução seria muito rigorosa. Com efeito, por certos processos, ou em virtude de alguns acidentes de percurso, podem produzir-se efeitos que à primeira vista surpreendem, mas dos quais se admiram, mais tarde, por não haverem compreendido o seu mecanismo elementar. São sempre as coisas mais simples que escapam à apreciação do homem.
“É forçoso crer, portanto, que se esses atiradores do outro mundo neste momento têm ao seu lado os que se riem, eles estão longe de ser inatingíveis.
“Os mistificadores podem ficar persuadidos de que os mistificados terão a sua vez.”
A. PIOGEARD
Parece-nos que o Sr. Piogeard se debate singularmente contra a evidência. Dirse-ia que, malgrado seu, uma dúvida desliza em seu pensamento; que ele teme uma solução contrária às suas ideias; numa palavra, ele nos dá a impressão dessas pessoas que, recebendo uma má notícia, exclamam: “Não, não! Isto não é possível. Não quero acreditar nisto!” Eles fecham os olhos para não ver, a fim de poderem afirmar que nada viram.
Por um dos parágrafos acima ele parece lançar dúvidas sobre a própria realidade dos ruídos, porque, em sua opinião, todos aqueles a quem interrogam dizem nada ter ouvido. Se ninguém tinha ouvido, não compreendemos por que tanto rumor, pois não haveria nem mal-intencionados nem Espíritos.
Num terceiro artigo sem assinatura, e que o jornal diz que deve ser o último, ele dá, enfim, a solução desse problema. Se os interessados não a julgarem concludente, será sua falta e não dele.
“Há algum tempo, em cada correio recebemos cartas, quer de nossos assinantes, quer de pessoas estranhas ao departamento, nas quais nos pedem explicações circunstanciadas sobre as cenas das quais a casa de O... é o teatro. Dissemos tudo quanto sabíamos; repetimos em nossa publicação tudo quanto se diz em Poitiers a esse respeito. Considerando-se que nossas explicações não pareceram completas, eis, pela última vez, nossa resposta às perguntas que nos são dirigidas:
“É perfeitamente certo que ruídos singulares são ouvidos todas as noites, das seis à meia noite, na Rua Saint-Paul, na casa de O... Esses ruídos se parecem com os produzidos por descargas sucessivas de um fuzil de dois canos. Eles abalam as portas, as janelas e as paredes. Não se percebe luz nem fumaça, e nenhum cheiro é sentido. Os fatos foram constados pelas pessoas mais dignas de fé em nossa cidade, por inquéritos da polícia e da guarda civil, a pedido da família do Sr. Conde de O...
“Existe em Poitiers uma associação de espiritistas, mas, a despeito da opinião do Sr. D..., que nos escreve de Marselha, não passou pela cabeça de nenhum dos nossos concidadãos, muito espirituosos para isso, que os espiritistas estivessem de alguma forma envolvidos na aparição dos fenômenos. O Sr. H. de Orange, acredita em causas físicas, em gases que se desprendem de um antigo cemitério sobre o qual teria sido construída a casa de O... A casa de O... foi construída sobre a rocha, e não existe nenhum subterrâneo a ela conducente.
“Por nosso lado, pensamos que os fatos estranhos e ainda não explicados que há mais de um mês perturbam o repouso de uma família respeitável não ficarão para sempre na condição de mistério. Cremos numa artimanha muito engenhosa, e esperamos ver em breve os fantasmas da Rua Saint-Paul entrando na polícia correcional.”
Por um dos parágrafos acima ele parece lançar dúvidas sobre a própria realidade dos ruídos, porque, em sua opinião, todos aqueles a quem interrogam dizem nada ter ouvido. Se ninguém tinha ouvido, não compreendemos por que tanto rumor, pois não haveria nem mal-intencionados nem Espíritos.
Num terceiro artigo sem assinatura, e que o jornal diz que deve ser o último, ele dá, enfim, a solução desse problema. Se os interessados não a julgarem concludente, será sua falta e não dele.
“Há algum tempo, em cada correio recebemos cartas, quer de nossos assinantes, quer de pessoas estranhas ao departamento, nas quais nos pedem explicações circunstanciadas sobre as cenas das quais a casa de O... é o teatro. Dissemos tudo quanto sabíamos; repetimos em nossa publicação tudo quanto se diz em Poitiers a esse respeito. Considerando-se que nossas explicações não pareceram completas, eis, pela última vez, nossa resposta às perguntas que nos são dirigidas:
“É perfeitamente certo que ruídos singulares são ouvidos todas as noites, das seis à meia noite, na Rua Saint-Paul, na casa de O... Esses ruídos se parecem com os produzidos por descargas sucessivas de um fuzil de dois canos. Eles abalam as portas, as janelas e as paredes. Não se percebe luz nem fumaça, e nenhum cheiro é sentido. Os fatos foram constados pelas pessoas mais dignas de fé em nossa cidade, por inquéritos da polícia e da guarda civil, a pedido da família do Sr. Conde de O...
“Existe em Poitiers uma associação de espiritistas, mas, a despeito da opinião do Sr. D..., que nos escreve de Marselha, não passou pela cabeça de nenhum dos nossos concidadãos, muito espirituosos para isso, que os espiritistas estivessem de alguma forma envolvidos na aparição dos fenômenos. O Sr. H. de Orange, acredita em causas físicas, em gases que se desprendem de um antigo cemitério sobre o qual teria sido construída a casa de O... A casa de O... foi construída sobre a rocha, e não existe nenhum subterrâneo a ela conducente.
“Por nosso lado, pensamos que os fatos estranhos e ainda não explicados que há mais de um mês perturbam o repouso de uma família respeitável não ficarão para sempre na condição de mistério. Cremos numa artimanha muito engenhosa, e esperamos ver em breve os fantasmas da Rua Saint-Paul entrando na polícia correcional.”
No número precedente, relatamos a notável cura obtida por meio da prece, pelos espíritas de Marmande, de uma jovem obsedada dessa cidade. Uma carta posterior confirma o resultado dessa cura, hoje completa. O rosto da moça, alterado por oito meses de torturas, retomou a frescura, a boa disposição e a serenidade.
Seja qual for a opinião que professemos; seja qual for a ideia que se faz do Espiritismo, qualquer pessoa animada de sincero amor ao próximo deve ter-se alegrado de ver a tranquilidade voltar a essa família, e o contentamento substituir a aflição. É lamentável que o senhor cura da paróquia tenha preferido não associar-se a esse sentimento, e que essa circunstância lhe tenha fornecido o texto de um sermão pouco evangélico, numa de suas pregações. Suas palavras, ditas em público, são do domínio da publicidade. Se ele se tivesse limitado a uma crítica leal da doutrina do seu ponto de vista, disso não falaríamos, mas julgamo-nos na obrigação de responder aos ataques dirigidos contra pessoas muito respeitáveis, tratando-as de saltimbancos, a propósito do fato acima.
Disse ele: “Assim, o primeiro engraxate que aparecer poderá, então, se for médium, evocar um membro de uma família honrada, quando ninguém na família poderá fazê-lo? Não acrediteis nesses absurdos, meus irmãos. Isto é trampolinice, é besteira. De fato, que vedes nessas reuniões? Carpinteiros, marceneiros, que sei mais?... Algumas pessoas me perguntaram se eu tinha contribuído para a cura da moça. ‘Não, respondi-lhes eu, não entrei nisto absolutamente; eu não sou médico.’”
Aos parentes ele dizia: “Não vejo nisso senão uma afecção orgânica da alçada da medicina”, acrescentando que se tivesse julgado que as preces pudessem operar algum alívio, as teria feito desde muito tempo.
Se o senhor cura não crê na eficácia das preces em casos semelhantes, fez bem em não fazê-las. Disso pode-se concluir que, como homem consciencioso, se os pais lhe tivessem vindo pedir missas pela cura da sua filha, ele teria recusado o pagamento porque, aceitando-o, teria recebido o pagamento por uma coisa que considerava sem valor.
Os espíritas creem na eficácia das preces pelos doentes e nas obsessões. Eles oraram, curaram e nada pediram em troca; ainda mais, se os pais estivessem necessitados, eles teriam ajudado.
Diz ele: “São charlatães e palhaços.”
Desde quando ele viu charlatães trabalharem de graça? Fizeram a doente usar amuletos? Fizeram sinais cabalísticos? Pronunciaram palavras sacramentais? Ligaram a essas palavras uma virtude eficaz? Não, porque o Espiritismo condena toda prática supersticiosa. Eles oraram com fervor, em comunhão de pensamentos. Essas preces eram palhaçadas? Aparentemente não, porquanto se elas obtiveram sucesso é porque foram ouvidas.
Que o senhor cura trate o Espiritismo e as evocações de absurdos e besteiras, é direito seu, se tal é sua opinião, e ninguém tem nada com isto. Mas quando, para denegrir as reuniões espíritas, diz que aí só se veem carpinteiros, marceneiros, etc., não é apresentar essas profissões como degradantes e os que as exercem como gente aviltada? Então esqueceis, senhor cura, que Jesus era carpinteiro e que seus apóstolos eram todos pobres artífices ou pescadores? Será evangélico lançar do alto do púlpito o desdém sobre a classe dos trabalhadores, que Jesus quis honrar, nascendo entre eles? Compreendestes o alcance de vossas palavras quando dissestes: “O primeiro engraxate que aparecer poderá, então, se for médium, evocar um membro de uma família honrada?” Então desprezais esse pobre engraxate, quando limpa os vossos sapatos? Por quê? Porque sua posição é humilde, não achais que seja digno de evocar a alma de um nobre personagem? Então temeis que essa alma se suje quando, para ela se erguerem ao céu mãos enegrecidas pelo trabalho? Então credes que Deus faça diferença entre a alma do rico e a do pobre? Não disse Jesus: Amai ao vosso próximo como a vós mesmos? Ora, amar ao próximo como a si mesmo, é não fazer qualquer diferença entre si mesmo e o próximo; é a consideração do princípio: Todos os homens são irmãos, porque são filhos de Deus. Recebe Deus com mais distinção a alma do grande que a do pequeno? A do homem a quem fazeis um serviço pomposo, pago largamente, que a do infeliz ao qual não dedicais senão as mais curtas preces? Falais do ponto de vista exclusivamente mundano e esqueceis que Jesus disse: “Meu reino não é deste mundo; lá não existem as distinções da Terra; lá os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos?” Quando ele disse: “Há várias moradas na casa de meu pai”, significa que há uma para o rico e outra para o proletário? Uma para o senhor e outra para o servo? Não, mas que há uma para o humilde e outra para o orgulhoso, porque ele disse: “Que aquele que quiser ser o primeiro no Céu seja o servo de seus irmãos na Terra.” Então cabe a esses a quem vos apraz chamar de profanos vos lembrar o Evangelho?
Senhor cura, em qualquer circunstância tais palavras seriam pouco caridosas, sobretudo no templo do Senhor, onde só deveriam ser pregadas palavras de paz e de união entre todos os membros da grande família. No estado atual da Sociedade são uma inabilidade, porque semeiam o fermento do antagonismo. Compreenderíamos se tivésseis dito tais palavras numa época em que os servos, habituados a dobrar a cerviz, se julgavam uma raça inferior, porque lho haviam dito, mas na França de hoje, em que todo homem honesto tem direito de levantar a cabeça, quer seja plebeu, quer patrício, é um anacronismo.
Se, como é provável, havia no auditório carpinteiros, marceneiros e engraxates, eles devem ter sido mediocremente tocados por esse discurso. Quanto aos espíritas, sabemos que pediram a Deus que perdoasse ao orador as suas palavras imprudentes, porque eles mesmos perdoaram ao que lhes dizia Racca. É o conselho que damos a todos os irmãos.
Seja qual for a opinião que professemos; seja qual for a ideia que se faz do Espiritismo, qualquer pessoa animada de sincero amor ao próximo deve ter-se alegrado de ver a tranquilidade voltar a essa família, e o contentamento substituir a aflição. É lamentável que o senhor cura da paróquia tenha preferido não associar-se a esse sentimento, e que essa circunstância lhe tenha fornecido o texto de um sermão pouco evangélico, numa de suas pregações. Suas palavras, ditas em público, são do domínio da publicidade. Se ele se tivesse limitado a uma crítica leal da doutrina do seu ponto de vista, disso não falaríamos, mas julgamo-nos na obrigação de responder aos ataques dirigidos contra pessoas muito respeitáveis, tratando-as de saltimbancos, a propósito do fato acima.
Disse ele: “Assim, o primeiro engraxate que aparecer poderá, então, se for médium, evocar um membro de uma família honrada, quando ninguém na família poderá fazê-lo? Não acrediteis nesses absurdos, meus irmãos. Isto é trampolinice, é besteira. De fato, que vedes nessas reuniões? Carpinteiros, marceneiros, que sei mais?... Algumas pessoas me perguntaram se eu tinha contribuído para a cura da moça. ‘Não, respondi-lhes eu, não entrei nisto absolutamente; eu não sou médico.’”
Aos parentes ele dizia: “Não vejo nisso senão uma afecção orgânica da alçada da medicina”, acrescentando que se tivesse julgado que as preces pudessem operar algum alívio, as teria feito desde muito tempo.
Se o senhor cura não crê na eficácia das preces em casos semelhantes, fez bem em não fazê-las. Disso pode-se concluir que, como homem consciencioso, se os pais lhe tivessem vindo pedir missas pela cura da sua filha, ele teria recusado o pagamento porque, aceitando-o, teria recebido o pagamento por uma coisa que considerava sem valor.
Os espíritas creem na eficácia das preces pelos doentes e nas obsessões. Eles oraram, curaram e nada pediram em troca; ainda mais, se os pais estivessem necessitados, eles teriam ajudado.
Diz ele: “São charlatães e palhaços.”
Desde quando ele viu charlatães trabalharem de graça? Fizeram a doente usar amuletos? Fizeram sinais cabalísticos? Pronunciaram palavras sacramentais? Ligaram a essas palavras uma virtude eficaz? Não, porque o Espiritismo condena toda prática supersticiosa. Eles oraram com fervor, em comunhão de pensamentos. Essas preces eram palhaçadas? Aparentemente não, porquanto se elas obtiveram sucesso é porque foram ouvidas.
Que o senhor cura trate o Espiritismo e as evocações de absurdos e besteiras, é direito seu, se tal é sua opinião, e ninguém tem nada com isto. Mas quando, para denegrir as reuniões espíritas, diz que aí só se veem carpinteiros, marceneiros, etc., não é apresentar essas profissões como degradantes e os que as exercem como gente aviltada? Então esqueceis, senhor cura, que Jesus era carpinteiro e que seus apóstolos eram todos pobres artífices ou pescadores? Será evangélico lançar do alto do púlpito o desdém sobre a classe dos trabalhadores, que Jesus quis honrar, nascendo entre eles? Compreendestes o alcance de vossas palavras quando dissestes: “O primeiro engraxate que aparecer poderá, então, se for médium, evocar um membro de uma família honrada?” Então desprezais esse pobre engraxate, quando limpa os vossos sapatos? Por quê? Porque sua posição é humilde, não achais que seja digno de evocar a alma de um nobre personagem? Então temeis que essa alma se suje quando, para ela se erguerem ao céu mãos enegrecidas pelo trabalho? Então credes que Deus faça diferença entre a alma do rico e a do pobre? Não disse Jesus: Amai ao vosso próximo como a vós mesmos? Ora, amar ao próximo como a si mesmo, é não fazer qualquer diferença entre si mesmo e o próximo; é a consideração do princípio: Todos os homens são irmãos, porque são filhos de Deus. Recebe Deus com mais distinção a alma do grande que a do pequeno? A do homem a quem fazeis um serviço pomposo, pago largamente, que a do infeliz ao qual não dedicais senão as mais curtas preces? Falais do ponto de vista exclusivamente mundano e esqueceis que Jesus disse: “Meu reino não é deste mundo; lá não existem as distinções da Terra; lá os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos?” Quando ele disse: “Há várias moradas na casa de meu pai”, significa que há uma para o rico e outra para o proletário? Uma para o senhor e outra para o servo? Não, mas que há uma para o humilde e outra para o orgulhoso, porque ele disse: “Que aquele que quiser ser o primeiro no Céu seja o servo de seus irmãos na Terra.” Então cabe a esses a quem vos apraz chamar de profanos vos lembrar o Evangelho?
Senhor cura, em qualquer circunstância tais palavras seriam pouco caridosas, sobretudo no templo do Senhor, onde só deveriam ser pregadas palavras de paz e de união entre todos os membros da grande família. No estado atual da Sociedade são uma inabilidade, porque semeiam o fermento do antagonismo. Compreenderíamos se tivésseis dito tais palavras numa época em que os servos, habituados a dobrar a cerviz, se julgavam uma raça inferior, porque lho haviam dito, mas na França de hoje, em que todo homem honesto tem direito de levantar a cabeça, quer seja plebeu, quer patrício, é um anacronismo.
Se, como é provável, havia no auditório carpinteiros, marceneiros e engraxates, eles devem ter sido mediocremente tocados por esse discurso. Quanto aos espíritas, sabemos que pediram a Deus que perdoasse ao orador as suas palavras imprudentes, porque eles mesmos perdoaram ao que lhes dizia Racca. É o conselho que damos a todos os irmãos.
Citamos pura e simplesmente a passagem dessa pastoral concernente ao Espiritismo, sem comentários nem reflexões. Dando sua opinião a respeito, do ponto de vista teológico, o senhor bispo está no seu direito, e considerando-se que só ataca a coisa e não as pessoas, nada temos a dizer. Só haveria que discutir sua teoria, o que já foi feito tantas vezes, sendo supérfluo repetir-se, tanto mais quando não encontramos novos argumentos. Pomo-la aos olhos dos leitores a fim de que todos possam dela tomar conhecimento e tirar proveito como melhor entenderem.
“O demônio oculta-se de todas as formas possíveis, para eternizar sua conspiração contra Deus e os homens, para continuar sua obra de sedução. No paraíso ele se disfarçou em serpente. Se preciso, ou se isto puder contribuir para a realização de seus projetos, transformar-se-á em anjo de luz, como o provam mil e um exemplos consignados na história.
“Em época mais recente, o demônio chegou a retirar do arsenal do inferno armas puídas pelo tempo e cobertas de ferrugem, de que se havia servido nas mais remotas eras, mas particularmente no segundo e terceiro séculos, para combater o Cristianismo.
“As mesas girantes, os Espíritos batedores, as evocações, etc., são outros tantos artifícios, e Deus os permite para castigo dos homens ímpios, curiosos e levianos.
“Se os maus gênios, como o asseguram as santas Escrituras, enchem o ar, unem-se aos homens em seus corpos e suas almas (vede o livro de Job e muitas outras passagens da Escritura), se podem fazer falar um pau, uma pedra, uma serpente, cabras, uma jumenta; se, perto do lago de Genesaré recebem, a seu pedido, permissão de entrar em animais imundos, também lhes é possível falar por meio das mesas; escrever com o pé de uma mesa ou de uma cadeira; adotar a linguagem e imitar a voz dos mortos e ausentes; contar coisas desconhecidas e que nos parecem impossíveis, mas que, como Espíritos, eles podem ver e ouvir. Contudo, infelizes dos insensatos, ociosos, imprevidentes e criminosamente indiscretos que fazem um passatempo dessas palhaçadas diabólicas, e que nem temem recorrer a meios supersticiosos e proibidos para chegarem ao conhecimento do futuro e outros mistérios que o demônio ignora ou só conhece imperfeitamente!
“Quem ama o perigo perecerá no perigo. Quem brinca com serpentes venenosas não escapará de suas presas assassinas. Quem se precipita nas chamas será reduzido a cinzas. Quem busca a sociedade dos mentirosos e dos velhacos, necessariamente tornar-se-á sua vítima.
“É um comércio com os anjos maus, ao qual os profetas do Velho Testamento dão um nome que não se leva de bom grado a um púlpito cristão.
“Quando se fazem essas evocações, o Espírito maligno bem poderá dizer, para começar, uma ou outra verdade, e falar conforme o desejo dos curiosos, a fim de lhes ganhar confiança. Mas as pessoas, ansiosas por desvendar mistérios, são seduzidas, deslumbradas. Então aproximam de seus lábios a taça envenenada; saciam-nas com toda a sorte de mentiras e de impiedades; despojam-nas de todos os princípios cristãos, de todos os sentimentos piedosos.
“Feliz do que se apercebe a tempo que caiu em mãos diabólicas e pode, com o auxílio de Deus, repelir os laços com que ia ser carregado!...”
Enquanto os antagonistas ficarem no terreno da discussão teológica, instamos os nossos irmãos que queiram escutar nossas recomendações a abster-se de qualquer recriminação, porque a liberdade de opinião tanto deve haver para eles quanto para nós.
O Espiritismo não se impõe, aceita-se. Ele dá as suas razões e não acha ruim que as combatam, desde que com armas leais, e cabe ao senso público pronunciarse. Se ele repousa na verdade, triunfará a despeito de tudo. Se seus argumentos são falsos, a violência não os tornará melhores.
O Espiritismo não quer ser crido sob palavra; quer o livre exame; sua propaganda se faz dizendo: Vede o pró e o contra; julgai o que melhor satisfaz o vosso julgamento, o que responde melhor às vossas esperanças e aspirações, o que mais vos toca o coração, e decidi-vos com conhecimento de causa.
Censurando nos adversários a inconveniência de seu discurso e de seu personalismo, os espíritas não devem incorrer na mesma falta. A moderação fez a sua força, e nós os adjuramos a não fugir disto. Em nome dos princípios espíritas e no interesse da causa, abdicamos de toda solidariedade com qualquer polêmica agressiva e inconveniente, venha ela de onde vier.
Ao lado de alguns fatos lamentáveis, como o de Marmande, nós poderíamos citar um bom número de caráter totalmente diverso, se não temêssemos provocar desagrado aos seus autores, razão pela qual só o fazemos com a maior reserva.
Uma senhora de nosso conhecimento, boa médium e, como o marido, fervorosa espírita, estava, há seis meses, à beira da morte. Ela bebia na crença e na fé no futuro uma consoladora resignação nesse momento supremo, que via chegar sem medo. A seu pedido, o cura da paróquia, velho respeitável, veio administrar-lhe os sacramentos.
─ Sabeis, lhe disse ela, que somos espíritas. Apesar disto dar-me-eis os sacramentos da Igreja?
─ Por que não? respondeu o bom cura. Essa crença vos consola. Ela vos torna a ambos piedosos e caridosos. Não vejo mal nisso. Eu conheço o Livro dos Espíritos. Não vos direi que ele me tenha convencido em todos os pontos, mas ele contém a moral que todo cristão deve seguir, e não vos censuro por ler. Apenas, se há bons Espíritos, também existem os maus. É contra esses que vos deveis guardar. São esses que deveis procurar distinguir. Por outro lado, minha filha, vede que a verdadeira religião consiste na prece de coração e na prática das boas obras. Vós tendes fé em Deus; vós orais com fervor; vós assistis ao próximo quanto podeis, então, eu posso, portanto, dar-vos a absolvição.
“O demônio oculta-se de todas as formas possíveis, para eternizar sua conspiração contra Deus e os homens, para continuar sua obra de sedução. No paraíso ele se disfarçou em serpente. Se preciso, ou se isto puder contribuir para a realização de seus projetos, transformar-se-á em anjo de luz, como o provam mil e um exemplos consignados na história.
“Em época mais recente, o demônio chegou a retirar do arsenal do inferno armas puídas pelo tempo e cobertas de ferrugem, de que se havia servido nas mais remotas eras, mas particularmente no segundo e terceiro séculos, para combater o Cristianismo.
“As mesas girantes, os Espíritos batedores, as evocações, etc., são outros tantos artifícios, e Deus os permite para castigo dos homens ímpios, curiosos e levianos.
“Se os maus gênios, como o asseguram as santas Escrituras, enchem o ar, unem-se aos homens em seus corpos e suas almas (vede o livro de Job e muitas outras passagens da Escritura), se podem fazer falar um pau, uma pedra, uma serpente, cabras, uma jumenta; se, perto do lago de Genesaré recebem, a seu pedido, permissão de entrar em animais imundos, também lhes é possível falar por meio das mesas; escrever com o pé de uma mesa ou de uma cadeira; adotar a linguagem e imitar a voz dos mortos e ausentes; contar coisas desconhecidas e que nos parecem impossíveis, mas que, como Espíritos, eles podem ver e ouvir. Contudo, infelizes dos insensatos, ociosos, imprevidentes e criminosamente indiscretos que fazem um passatempo dessas palhaçadas diabólicas, e que nem temem recorrer a meios supersticiosos e proibidos para chegarem ao conhecimento do futuro e outros mistérios que o demônio ignora ou só conhece imperfeitamente!
“Quem ama o perigo perecerá no perigo. Quem brinca com serpentes venenosas não escapará de suas presas assassinas. Quem se precipita nas chamas será reduzido a cinzas. Quem busca a sociedade dos mentirosos e dos velhacos, necessariamente tornar-se-á sua vítima.
“É um comércio com os anjos maus, ao qual os profetas do Velho Testamento dão um nome que não se leva de bom grado a um púlpito cristão.
“Quando se fazem essas evocações, o Espírito maligno bem poderá dizer, para começar, uma ou outra verdade, e falar conforme o desejo dos curiosos, a fim de lhes ganhar confiança. Mas as pessoas, ansiosas por desvendar mistérios, são seduzidas, deslumbradas. Então aproximam de seus lábios a taça envenenada; saciam-nas com toda a sorte de mentiras e de impiedades; despojam-nas de todos os princípios cristãos, de todos os sentimentos piedosos.
“Feliz do que se apercebe a tempo que caiu em mãos diabólicas e pode, com o auxílio de Deus, repelir os laços com que ia ser carregado!...”
Enquanto os antagonistas ficarem no terreno da discussão teológica, instamos os nossos irmãos que queiram escutar nossas recomendações a abster-se de qualquer recriminação, porque a liberdade de opinião tanto deve haver para eles quanto para nós.
O Espiritismo não se impõe, aceita-se. Ele dá as suas razões e não acha ruim que as combatam, desde que com armas leais, e cabe ao senso público pronunciarse. Se ele repousa na verdade, triunfará a despeito de tudo. Se seus argumentos são falsos, a violência não os tornará melhores.
O Espiritismo não quer ser crido sob palavra; quer o livre exame; sua propaganda se faz dizendo: Vede o pró e o contra; julgai o que melhor satisfaz o vosso julgamento, o que responde melhor às vossas esperanças e aspirações, o que mais vos toca o coração, e decidi-vos com conhecimento de causa.
Censurando nos adversários a inconveniência de seu discurso e de seu personalismo, os espíritas não devem incorrer na mesma falta. A moderação fez a sua força, e nós os adjuramos a não fugir disto. Em nome dos princípios espíritas e no interesse da causa, abdicamos de toda solidariedade com qualquer polêmica agressiva e inconveniente, venha ela de onde vier.
Ao lado de alguns fatos lamentáveis, como o de Marmande, nós poderíamos citar um bom número de caráter totalmente diverso, se não temêssemos provocar desagrado aos seus autores, razão pela qual só o fazemos com a maior reserva.
Uma senhora de nosso conhecimento, boa médium e, como o marido, fervorosa espírita, estava, há seis meses, à beira da morte. Ela bebia na crença e na fé no futuro uma consoladora resignação nesse momento supremo, que via chegar sem medo. A seu pedido, o cura da paróquia, velho respeitável, veio administrar-lhe os sacramentos.
─ Sabeis, lhe disse ela, que somos espíritas. Apesar disto dar-me-eis os sacramentos da Igreja?
─ Por que não? respondeu o bom cura. Essa crença vos consola. Ela vos torna a ambos piedosos e caridosos. Não vejo mal nisso. Eu conheço o Livro dos Espíritos. Não vos direi que ele me tenha convencido em todos os pontos, mas ele contém a moral que todo cristão deve seguir, e não vos censuro por ler. Apenas, se há bons Espíritos, também existem os maus. É contra esses que vos deveis guardar. São esses que deveis procurar distinguir. Por outro lado, minha filha, vede que a verdadeira religião consiste na prece de coração e na prática das boas obras. Vós tendes fé em Deus; vós orais com fervor; vós assistis ao próximo quanto podeis, então, eu posso, portanto, dar-vos a absolvição.
Não teríamos tomado a iniciativa do fato seguinte, mas não há motivo para nos abstermos, considerando-se que ele foi reproduzido em vários jornais, entre outros a Opinion Natianale e o Siècle de 22 de fevereiro de 1864, conforme o Bulletin Diplomatique.
“Uma carta remetida por pessoa bem informada revela que, recentemente, num conselho privado, onde estava sendo discutida a questão dinamarquesa, a rainha (Vitória) declarou que nada faria sem consultar o príncipe Alberto[1]. Com efeito, depois de ter-se recolhido por alguns instantes em seu gabinete, voltou dizendo que o príncipe se pronunciava contra a guerra. Esse fato, e outros semelhantes transpiraram e deram origem à ideia de que seria oportuno estabelecer uma regência.”
Tínhamos razão ao escrever que o Espiritismo tem adeptos até nos degraus dos tronos. Poderíamos ter dito: até nos tronos. Vê-se, porém, que os próprios soberanos não escapam à qualificação dada aos que acreditam nas comunicações de alémtúmulo. Tratados como loucos, os espíritas devem consolar-se por estarem em tão boa companhia. O contágio, portanto, é muito grande, pois sobe tanto!
Entre os príncipes estrangeiros sabemos de bom número que têm esta suposta fraqueza, pois alguns participam da Sociedade Espírita de Paris. Como querem que a ideia não penetre na Sociedade inteira, quando parte de todos os degraus da escala?
Por aí o senhor cura de Marmande pode ver que não há médiuns só entre engraxates.
O Journal de Poitiers, que relata o mesmo caso, o acompanha desta reflexão: “Cair assim no domínio dos Espíritos não é abandonar o domínio da realidade, o único que têm direito de conduzir o mundo?”
Até certo ponto concordamos com a opinião do jornal, mas de outro ponto de vista. Para ele os Espíritos não são realidades, porque, segundo certas pessoas, só há realidade no que se vê e se toca. Ora, assim, Deus não seria uma realidade e, contudo, quem ousaria dizer que ele não conduz o mundo, e que não há acontecimentos providenciais para levar a um determinado resultado? Então! Os Espíritos são instrumentos de sua vontade. Eles inspiram os homens e incitam-nos, malgrado seu, a fazer isto ou aquilo; a agir neste sentido e não naquele, e isto tanto nas grandes resoluções quanto nas circunstâncias da vida privada. Assim, a esse respeito, não somos da opinião do jornal.
Se os Espíritos inspiram de maneira oculta, é para deixar ao homem o livrearbítrio e a responsabilidade de seus atos. Se ele recebe a inspiração de um mau Espírito, pode estar certo de receber, ao mesmo tempo, a de um Espírito bom, pois Deus jamais deixa o homem sem defesa contra as más sugestões. Cabe-lhe pesar e decidir conforme a sua consciência.
Nas comunicações ostensivas por via mediúnica, o homem não deve mais abster-se de seu livre-arbítrio. Seria um erro regular cegamente todos os passos e movimentos pelo conselho dos Espíritos, porque existem aqueles que ainda podem ter as ideias e os preconceitos da vida. Só os Espíritos muito superiores disso estão isentos.
Os Espíritos dão seus conselhos, sua opinião. Em caso de dúvida, pode-se discutir com eles, como se fazia quando eles estavam vivos. Dessa maneira, pode-se avaliar a força de seus argumentos. Os Espíritos verdadeiramente bons a isso jamais se recusam. Os que repelem tal exame, que exigem submissão absoluta, provam que contam pouco com a justeza de suas razões para convencer e devem ser considerados suspeitos.
Em princípio, os Espíritos não nos vêm carregar em andadeiras. O objetivo de suas instruções é o de tornar-nos melhores, de dar a fé aos que não a têm, e não o de nos poupar o trabalho de pensar por nós mesmos.
Eis o que ignoram os que criticam as relações de além-túmulo. Eles acham-nas absurdas, porque as julgam conforme suas ideias, e não conforme a realidade, que não conhecem.
Também não se deve julgar as manifestações pelo abuso ou pelas falsas aplicações que delas possam fazer algumas pessoas, assim como não seria racional julgar a religião pelos maus sacerdotes. Ora, para saber se há boa ou má aplicação de uma coisa, é preciso conhecê-la, não superficialmente, mas a fundo. Se fordes a um concerto, para saber se a música é boa e se os músicos a executam bem, antes de tudo é preciso conhecer a música.
Isto pode servir de base para apreciar o fato de que se trata. Censurariam a rainha se ela tivesse dito: “Senhores, o caso é grave; permiti que eu me recolha um instante e peça a Deus que me inspire a resolução que devo tomar?” O príncipe não é Deus, é verdade, mas, como ela é piedosa, é provável que tenha pedido a Deus que inspirasse a resposta do príncipe, o que dá no mesmo. Ela o fez agir como intermediário, em razão da afeição que lhe tem.
As coisas podem ainda ter-se passado de outro modo. Se enquanto o príncipe estava vivo a rainha costumava nada fazer sem consultá-lo, morto ele, ela pede a sua opinião como se ele estivesse vivo, e não porque ele é um Espírito, porquanto, para ela, ele não morreu. Ele está sempre ao seu lado, como seu guia e conselheiro oficioso. Não há entre ela e ele senão um corpo a menos. Se o príncipe vivesse, ela teria feito o mesmo, portanto, nada mudou na sua maneira de agir.
Agora, é boa ou má a política do príncipe-Espírito? Não nos cabe examinar. O que deveríamos refutar é a opinião daqueles a quem parece bizarro, pueril, estúpido mesmo, que alguém de bom senso possa crer na realidade de quem não tem mais corpo, porque lhes agrada pensar que eles próprios, quando estiverem mortos, não serão mais absolutamente nada. A seus olhos a rainha não praticou um ato mais sensato do que se tivesse dito: “Senhores, vou interrogar minhas cartas, ou um astrólogo.”
Se esse fato não tem grandes consequências para a política, o mesmo não se dá do ponto de vista espírita, pela repercussão que teve. Certamente a rainha podia abster-se de dar o motivo de sua ausência e de dizer que tal era o conselho do príncipe. Dizê-lo numa circunstância tão solene era fazer um ato de certa forma público de crença nos Espíritos e em suas manifestações, e reconhecer-se médium. Ora, quando tal exemplo vem de uma cabeça coroada, isto pode bem encorajar a opinião dos que estão menos altamente colocados.
Não é possível deixar de admirar a fecundidade dos meios empregados pelos Espíritos para obrigar os incrédulos a falar do Espiritismo e a fazer a ideia penetrar em todas as camadas sociais.
Neste caso, é-lhes forçoso criticar com cuidado.
[1] Albert de Saxe-Coburgo-Gota, nascido em 26.08.1819 e falecido em 14.12.1861 havia sido consorte da Rainha Vitória e seu principal conselheiro em assuntos de Estado. (Nota do revisor)
“Uma carta remetida por pessoa bem informada revela que, recentemente, num conselho privado, onde estava sendo discutida a questão dinamarquesa, a rainha (Vitória) declarou que nada faria sem consultar o príncipe Alberto[1]. Com efeito, depois de ter-se recolhido por alguns instantes em seu gabinete, voltou dizendo que o príncipe se pronunciava contra a guerra. Esse fato, e outros semelhantes transpiraram e deram origem à ideia de que seria oportuno estabelecer uma regência.”
Tínhamos razão ao escrever que o Espiritismo tem adeptos até nos degraus dos tronos. Poderíamos ter dito: até nos tronos. Vê-se, porém, que os próprios soberanos não escapam à qualificação dada aos que acreditam nas comunicações de alémtúmulo. Tratados como loucos, os espíritas devem consolar-se por estarem em tão boa companhia. O contágio, portanto, é muito grande, pois sobe tanto!
Entre os príncipes estrangeiros sabemos de bom número que têm esta suposta fraqueza, pois alguns participam da Sociedade Espírita de Paris. Como querem que a ideia não penetre na Sociedade inteira, quando parte de todos os degraus da escala?
Por aí o senhor cura de Marmande pode ver que não há médiuns só entre engraxates.
O Journal de Poitiers, que relata o mesmo caso, o acompanha desta reflexão: “Cair assim no domínio dos Espíritos não é abandonar o domínio da realidade, o único que têm direito de conduzir o mundo?”
Até certo ponto concordamos com a opinião do jornal, mas de outro ponto de vista. Para ele os Espíritos não são realidades, porque, segundo certas pessoas, só há realidade no que se vê e se toca. Ora, assim, Deus não seria uma realidade e, contudo, quem ousaria dizer que ele não conduz o mundo, e que não há acontecimentos providenciais para levar a um determinado resultado? Então! Os Espíritos são instrumentos de sua vontade. Eles inspiram os homens e incitam-nos, malgrado seu, a fazer isto ou aquilo; a agir neste sentido e não naquele, e isto tanto nas grandes resoluções quanto nas circunstâncias da vida privada. Assim, a esse respeito, não somos da opinião do jornal.
Se os Espíritos inspiram de maneira oculta, é para deixar ao homem o livrearbítrio e a responsabilidade de seus atos. Se ele recebe a inspiração de um mau Espírito, pode estar certo de receber, ao mesmo tempo, a de um Espírito bom, pois Deus jamais deixa o homem sem defesa contra as más sugestões. Cabe-lhe pesar e decidir conforme a sua consciência.
Nas comunicações ostensivas por via mediúnica, o homem não deve mais abster-se de seu livre-arbítrio. Seria um erro regular cegamente todos os passos e movimentos pelo conselho dos Espíritos, porque existem aqueles que ainda podem ter as ideias e os preconceitos da vida. Só os Espíritos muito superiores disso estão isentos.
Os Espíritos dão seus conselhos, sua opinião. Em caso de dúvida, pode-se discutir com eles, como se fazia quando eles estavam vivos. Dessa maneira, pode-se avaliar a força de seus argumentos. Os Espíritos verdadeiramente bons a isso jamais se recusam. Os que repelem tal exame, que exigem submissão absoluta, provam que contam pouco com a justeza de suas razões para convencer e devem ser considerados suspeitos.
Em princípio, os Espíritos não nos vêm carregar em andadeiras. O objetivo de suas instruções é o de tornar-nos melhores, de dar a fé aos que não a têm, e não o de nos poupar o trabalho de pensar por nós mesmos.
Eis o que ignoram os que criticam as relações de além-túmulo. Eles acham-nas absurdas, porque as julgam conforme suas ideias, e não conforme a realidade, que não conhecem.
Também não se deve julgar as manifestações pelo abuso ou pelas falsas aplicações que delas possam fazer algumas pessoas, assim como não seria racional julgar a religião pelos maus sacerdotes. Ora, para saber se há boa ou má aplicação de uma coisa, é preciso conhecê-la, não superficialmente, mas a fundo. Se fordes a um concerto, para saber se a música é boa e se os músicos a executam bem, antes de tudo é preciso conhecer a música.
Isto pode servir de base para apreciar o fato de que se trata. Censurariam a rainha se ela tivesse dito: “Senhores, o caso é grave; permiti que eu me recolha um instante e peça a Deus que me inspire a resolução que devo tomar?” O príncipe não é Deus, é verdade, mas, como ela é piedosa, é provável que tenha pedido a Deus que inspirasse a resposta do príncipe, o que dá no mesmo. Ela o fez agir como intermediário, em razão da afeição que lhe tem.
As coisas podem ainda ter-se passado de outro modo. Se enquanto o príncipe estava vivo a rainha costumava nada fazer sem consultá-lo, morto ele, ela pede a sua opinião como se ele estivesse vivo, e não porque ele é um Espírito, porquanto, para ela, ele não morreu. Ele está sempre ao seu lado, como seu guia e conselheiro oficioso. Não há entre ela e ele senão um corpo a menos. Se o príncipe vivesse, ela teria feito o mesmo, portanto, nada mudou na sua maneira de agir.
Agora, é boa ou má a política do príncipe-Espírito? Não nos cabe examinar. O que deveríamos refutar é a opinião daqueles a quem parece bizarro, pueril, estúpido mesmo, que alguém de bom senso possa crer na realidade de quem não tem mais corpo, porque lhes agrada pensar que eles próprios, quando estiverem mortos, não serão mais absolutamente nada. A seus olhos a rainha não praticou um ato mais sensato do que se tivesse dito: “Senhores, vou interrogar minhas cartas, ou um astrólogo.”
Se esse fato não tem grandes consequências para a política, o mesmo não se dá do ponto de vista espírita, pela repercussão que teve. Certamente a rainha podia abster-se de dar o motivo de sua ausência e de dizer que tal era o conselho do príncipe. Dizê-lo numa circunstância tão solene era fazer um ato de certa forma público de crença nos Espíritos e em suas manifestações, e reconhecer-se médium. Ora, quando tal exemplo vem de uma cabeça coroada, isto pode bem encorajar a opinião dos que estão menos altamente colocados.
Não é possível deixar de admirar a fecundidade dos meios empregados pelos Espíritos para obrigar os incrédulos a falar do Espiritismo e a fazer a ideia penetrar em todas as camadas sociais.
Neste caso, é-lhes forçoso criticar com cuidado.
[1] Albert de Saxe-Coburgo-Gota, nascido em 26.08.1819 e falecido em 14.12.1861 havia sido consorte da Rainha Vitória e seu principal conselheiro em assuntos de Estado. (Nota do revisor)
Recebemos do Havre uma nota de falecimento com esta subscrição:
“Rogamos,
“Que o Deus Todo-Poderoso e misericordioso e os bons Espíritos se dignem acolhê-lo favoravelmente.”
A carta trazia a menção: “Munida dos sacramentos da Igreja.”
É a primeira vez, ao menos do nosso conhecimento, que semelhante profissão de fé pública foi feita em semelhante circunstância. Há que ser grato à família pelo bom exemplo que acaba de dar. Em geral, poucas pessoas, à exceção dos parentes mais próximos, levam em conta o pedido contido na participação, de orar pelo morto. Estamos persuadidos de que todos os espíritas, mesmo estranhos à família, que a tiverem recebido, terão considerado como um dever, cumprir o voto aí expresso, porque a prece, para eles, não é uma fórmula banal. Eles sabem da influência que ela exerce, no momento da morte, sobre o desprendimento da alma.
“Rogamos,
“Que o Deus Todo-Poderoso e misericordioso e os bons Espíritos se dignem acolhê-lo favoravelmente.”
A carta trazia a menção: “Munida dos sacramentos da Igreja.”
É a primeira vez, ao menos do nosso conhecimento, que semelhante profissão de fé pública foi feita em semelhante circunstância. Há que ser grato à família pelo bom exemplo que acaba de dar. Em geral, poucas pessoas, à exceção dos parentes mais próximos, levam em conta o pedido contido na participação, de orar pelo morto. Estamos persuadidos de que todos os espíritas, mesmo estranhos à família, que a tiverem recebido, terão considerado como um dever, cumprir o voto aí expresso, porque a prece, para eles, não é uma fórmula banal. Eles sabem da influência que ela exerce, no momento da morte, sobre o desprendimento da alma.
(Conclusão)
A ordem que tinha sido dada ao Sr. Home pelas autoridades pontificais, de deixar Roma em três dias, inicialmente tinha sido revogada, como vimos em nosso último número. Mas, como não se domina o medo, mudaram de ideia. A permissão de permanência foi retirada definitivamente, e o Sr. Home teve que partir instantaneamente, sob acusação de feitiçaria.
Vale dizer que as batidas e o levantamento da mesa durante o interrogatório, que tínhamos noticiado em forma dubitativa, pois não tínhamos certeza, são exatos. Isto devia ser um motivo a mais para pensar que o Sr. Home trazia consigo o diabo a Roma, onde jamais havia estado, ao que parece. Ei-lo, pois, bem e devidamente considerado culpado, pelo governo romano, de ser um feiticeiro, não um feiticeiro para rir, mas um verdadeiro feiticeiro, do contrário não teriam levado a coisa a sério.
Tivemos sob os olhos o longo interrogatório a que o submeteram, e a leitura, pela forma das perguntas, transportou-nos involuntariamente para os tempos de Joana d’Arc. Só faltou a conclusão ordinária da época para essa espécie de acusações.
Os jornais trocistas admiram-se de que no século dezenove ainda acreditem em feiticeiros. É que há pessoas que dormem o sono de Epimênides há quatro séculos. Aliás, como o povo não acreditaria, quando sua existência é atestada pela autoridade que deve conhecê-los melhor, pois mandou queimar tantos? É preciso ser cético como um jornalista para não se render a uma prova tão evidente.
O que é mais surpreendente é que se façam reviver os feiticeiros nos espíritas, eles que vêm provar, com as provas em mãos, que não há nem feiticeiros nem maravilhoso, mas apenas leis naturais.
Vale dizer que as batidas e o levantamento da mesa durante o interrogatório, que tínhamos noticiado em forma dubitativa, pois não tínhamos certeza, são exatos. Isto devia ser um motivo a mais para pensar que o Sr. Home trazia consigo o diabo a Roma, onde jamais havia estado, ao que parece. Ei-lo, pois, bem e devidamente considerado culpado, pelo governo romano, de ser um feiticeiro, não um feiticeiro para rir, mas um verdadeiro feiticeiro, do contrário não teriam levado a coisa a sério.
Tivemos sob os olhos o longo interrogatório a que o submeteram, e a leitura, pela forma das perguntas, transportou-nos involuntariamente para os tempos de Joana d’Arc. Só faltou a conclusão ordinária da época para essa espécie de acusações.
Os jornais trocistas admiram-se de que no século dezenove ainda acreditem em feiticeiros. É que há pessoas que dormem o sono de Epimênides há quatro séculos. Aliás, como o povo não acreditaria, quando sua existência é atestada pela autoridade que deve conhecê-los melhor, pois mandou queimar tantos? É preciso ser cético como um jornalista para não se render a uma prova tão evidente.
O que é mais surpreendente é que se façam reviver os feiticeiros nos espíritas, eles que vêm provar, com as provas em mãos, que não há nem feiticeiros nem maravilhoso, mas apenas leis naturais.
Instruções dos Espíritos
NOTA: Um destes dias o nosso colega Sr. Leymarie, tendo-se levantado mais cedo que de costume, levado por uma força involuntária, sentiu-se solicitado a escrever e obteve a seguinte dissertação espontânea:
Uma geração de operários amaldiçoou o meu nome. Tinham razão? Estavam errados? Ah! O futuro deveria responder.
Eu tinha uma ideia fixa, a de aperfeiçoar, e sobretudo economizar, suprimindo algumas mãos. Eu queria simplificar o tear de Vaucanson, que tomava o menino em pouca idade, para dele fazer um pária singular, pálido, mirrado, de ar apatetado, de linguagem burlesca, que constituía uma população à parte em minha cidade natal.
Meu Espírito vivia em contínua tensão. Eu dormia para achar, ao despertar, um novo plano. Em vez de imagens e sentimentos, meu pensamento era uma engrenagem, um cilindro, molas, polias, alavancas.
Em meus sonhos eu via aparecer meu anjo da guarda, que punha em movimento todas as minhas inspirações, todas as obras das mãos do homem. Com razão haviam dito que “Os mecânicos são os poetas da matéria.” As mais belas máquinas saíram acabadas do cérebro de um operário. As noções de mecânica que ele não possui, ele as reinventa. A paciência e a imaginação são as suas únicas fontes.
Na verdade, é uma inspiração dos bons Espíritos, desprezada pelas academias ou cientistas de profissão, mas não é menos certo que se Arquimedes e Vaucanson são os gênios da mecânica, os Virgílios, se quiserdes, nada mais são que essa paciência, unida a uma viva imaginação, que cria todas as descobertas com que se honra a Humanidade. E isto por quem? Por monges, ceramistas, cardadores de lã, pastores, marinheiros, um operário em seda, um ferreiro ignorante.
Humilde operário, eu não era um gênio, mas, como tantos outros, um predestinado chamado a simplificar um tear que deslocava os membros, abreviando a vida de milhares de meninos. Suprimi um suplício físico, e servindo à indústria, servi ao gênero humano.
Há que admirar a Providência, que se serve de um pobre Jacquard para transformar um tear que alimenta milhares ─ que digo eu? ─ milhões de homens na Terra; e é um inseto cujo túmulo assalaria, transforma e nutre dois quintos do globo. Não é Deus um mecânico maravilhoso? Ele criou o bicho da seda, esse engenhoso artista no qual ele faz encontrar o mais vasto problema de economia política. Que ensinamento para os orgulhosos e indiferentes!
Questão de máquinas! Terrível questão! Cada invenção arranca a ferramenta e o pão de populações inteiras. O inventor é, pois, um inimigo próximo e um benfeitor distante. Ele decuplica o poder da arte e da indústria; ele multiplica o trabalho no futuro; ele presta um notável serviço para a Humanidade, mas, também, não causa um mal atual? O primeiro inventor da máquina de fiar destruiu o recurso de muita gente. Quem fiava a matéria prima senão a mãe de família, a pastora, as mulheres idosas? Por mínimo que fosse o salário, ao menos lhes dava condições de viver mais ou menos.
À semelhança dos inventores de verdades religiosas, políticas ou morais, os inventores de máquinas revolucionam a matéria. Precursores do futuro, abrem violentamente seu caminho através dos interesses, calcando o passado sob seus pés. Assim, esperando a recompensa remota, eles são amaldiçoados por seus concidadãos.
Pobre Humanidade! És estúpida se estacas, cruel se avanças. Segundo Deus, não deves ficar estacionária, se não quiseres perpetuar o mal, mas, para fazer o bem, és revolucionária, apesar de tudo.
É por isto que neste momento de transição Deus vos diz: Sede espíritas, isto é, profundamente imbuídos de iniciativa moral e desinteressada, determinados a todos os sacrifícios, a fim de que vossa existência atinja sua perfeição.
Como o bicho da seda, rastejei penosamente, sustentado pelos bons Espíritos. Como ele, percorri minha prisão, tendo dado tudo o que tinha. Como a ele, meus contemporâneos me desdenharam, mas também, como ele, o Espírito renasce de suas cinzas para viver verdadeiramente e admirar esse mecânico dos mundos, esse Deus de luz e de bondade que quis mostrar à minha cidade natal esse Espírito de verdade que a vivifica e a consola.
JACQUARD
Após a leitura desta comunicação, na Sociedade de Paris, na sessão de 12 de fevereiro de 1864, foi evocado o Espírito de Jacquard, ao qual foram feitas as perguntas que se seguem. Seguem-lhes as respectivas respostas.
Uma geração de operários amaldiçoou o meu nome. Tinham razão? Estavam errados? Ah! O futuro deveria responder.
Eu tinha uma ideia fixa, a de aperfeiçoar, e sobretudo economizar, suprimindo algumas mãos. Eu queria simplificar o tear de Vaucanson, que tomava o menino em pouca idade, para dele fazer um pária singular, pálido, mirrado, de ar apatetado, de linguagem burlesca, que constituía uma população à parte em minha cidade natal.
Meu Espírito vivia em contínua tensão. Eu dormia para achar, ao despertar, um novo plano. Em vez de imagens e sentimentos, meu pensamento era uma engrenagem, um cilindro, molas, polias, alavancas.
Em meus sonhos eu via aparecer meu anjo da guarda, que punha em movimento todas as minhas inspirações, todas as obras das mãos do homem. Com razão haviam dito que “Os mecânicos são os poetas da matéria.” As mais belas máquinas saíram acabadas do cérebro de um operário. As noções de mecânica que ele não possui, ele as reinventa. A paciência e a imaginação são as suas únicas fontes.
Na verdade, é uma inspiração dos bons Espíritos, desprezada pelas academias ou cientistas de profissão, mas não é menos certo que se Arquimedes e Vaucanson são os gênios da mecânica, os Virgílios, se quiserdes, nada mais são que essa paciência, unida a uma viva imaginação, que cria todas as descobertas com que se honra a Humanidade. E isto por quem? Por monges, ceramistas, cardadores de lã, pastores, marinheiros, um operário em seda, um ferreiro ignorante.
Humilde operário, eu não era um gênio, mas, como tantos outros, um predestinado chamado a simplificar um tear que deslocava os membros, abreviando a vida de milhares de meninos. Suprimi um suplício físico, e servindo à indústria, servi ao gênero humano.
Há que admirar a Providência, que se serve de um pobre Jacquard para transformar um tear que alimenta milhares ─ que digo eu? ─ milhões de homens na Terra; e é um inseto cujo túmulo assalaria, transforma e nutre dois quintos do globo. Não é Deus um mecânico maravilhoso? Ele criou o bicho da seda, esse engenhoso artista no qual ele faz encontrar o mais vasto problema de economia política. Que ensinamento para os orgulhosos e indiferentes!
Questão de máquinas! Terrível questão! Cada invenção arranca a ferramenta e o pão de populações inteiras. O inventor é, pois, um inimigo próximo e um benfeitor distante. Ele decuplica o poder da arte e da indústria; ele multiplica o trabalho no futuro; ele presta um notável serviço para a Humanidade, mas, também, não causa um mal atual? O primeiro inventor da máquina de fiar destruiu o recurso de muita gente. Quem fiava a matéria prima senão a mãe de família, a pastora, as mulheres idosas? Por mínimo que fosse o salário, ao menos lhes dava condições de viver mais ou menos.
À semelhança dos inventores de verdades religiosas, políticas ou morais, os inventores de máquinas revolucionam a matéria. Precursores do futuro, abrem violentamente seu caminho através dos interesses, calcando o passado sob seus pés. Assim, esperando a recompensa remota, eles são amaldiçoados por seus concidadãos.
Pobre Humanidade! És estúpida se estacas, cruel se avanças. Segundo Deus, não deves ficar estacionária, se não quiseres perpetuar o mal, mas, para fazer o bem, és revolucionária, apesar de tudo.
É por isto que neste momento de transição Deus vos diz: Sede espíritas, isto é, profundamente imbuídos de iniciativa moral e desinteressada, determinados a todos os sacrifícios, a fim de que vossa existência atinja sua perfeição.
Como o bicho da seda, rastejei penosamente, sustentado pelos bons Espíritos. Como ele, percorri minha prisão, tendo dado tudo o que tinha. Como a ele, meus contemporâneos me desdenharam, mas também, como ele, o Espírito renasce de suas cinzas para viver verdadeiramente e admirar esse mecânico dos mundos, esse Deus de luz e de bondade que quis mostrar à minha cidade natal esse Espírito de verdade que a vivifica e a consola.
JACQUARD
Após a leitura desta comunicação, na Sociedade de Paris, na sessão de 12 de fevereiro de 1864, foi evocado o Espírito de Jacquard, ao qual foram feitas as perguntas que se seguem. Seguem-lhes as respectivas respostas.
(SOCIEDADE ESPÍRITA DE PARIS, 12 DE FEVEREIRO DE 1864. MÉDIUM: SR. LEYMARIE)
Pergunta. ─ Sem dúvida vos deveis ter comunicado em Lyon, contudo não me lembro de ter visto comunicações vossas. Como foi que viestes dar ao Sr. Leymarie, em Paris, e não a um dos centros espíritas de Lyon a dissertação que acabamos de ler? Por que o Sr. Leymarie foi, de certo modo, constrangido a levantar-se cedo para escrever essa comunicação? Enfim, o que pensais do Espiritismo em Lyon?
Resposta. ─ É natural que me tenha comunicado tanto em Paris quanto em minha cidade natal, porque os pais do médium são lioneses e conheci particularmente o seu avô, que me prestou importante serviço em circunstância excepcional. Depois, o médium me foi designado pelo Espírito de seu avô, que realiza no mundo dos Espíritos uma missão idêntica à minha. Como essa missão me deixa alguns instantes livres, julguei não prejudicar o sono do médium cujo devotamento, como o de tantos outros, é dedicado à causa a que serve.
Eu também desejava que meus compatriotas tivessem minhas notícias pela Revista Espírita. Estando sempre junto a eles, partilhando de suas alegrias e tristezas, não cessando de lhes dizer: “Amai-vos e estimai-vos”, eu queria, unindo minha voz a outras mais influentes, encorajá-los, neste momento de desemprego e de sofrimentos, a se prepararem contra as eventualidades, contra o inimigo.
Por Lyon, podeis compreender o que pode o Espiritismo interpretado com bom senso. Em que se tornaram as violências do passado, essas recriminações injustas, esses levantes que ensanguentaram a colmeia lionesa? E essas casas noturnas, outrora testemunhas de cenas licenciosas, por que hoje se esvaziam? É que a família retomou seus direitos por toda parte onde penetrou o Espiritismo, onde sua influência benéfica se fez sentir, e por toda parte os operários espíritas voltaram a ter esperança e retornaram à ordem, ao trabalho inteligente, ao desejo de benfazer, à vontade de progredir.
Em meu tempo, foi a minha invenção que, não mais escravizando o tecelão à máquina, pôde regenerar todo um mundo de trabalhadores.
Por sua vez, é o Espiritismo que transforma o espírito dessa população, dandolhe a verdadeira iniciação à vida. É toda uma legião de bons Espíritos que vêm descerrar seus olhos e abrir seus corações, até agora pervertidos, à inteligência, ao amor.
Hoje o Espiritismo entra em nova fase, pois é o tempo das aspirações generosas. A burguesia, ainda submissa ao alto clero, fica como espectadora do combate pacífico que a ideia nova dá ao non possumus do passado. E todos esperam o fim da batalha, para colocar-se ao lado dos vencedores!
Assim, caros compatriotas, escutai a segui os conselhos de Allan Kardec, pois eles são os de vossos Espíritos protetores. É por meio deles que afastareis o perigo das colisões, e mesmo das coalizões. Quanto mais humildes e sérios fordes, mais fortes sereis.
Os arrogantes arriarão a bandeira ante a verdade que os ofuscará, e então se dará a transformação espiritual dessa grande cidade que todos amamos e que ama particularmente a Sociedade Espírita de Paris, por sua fé no futuro e pelas boas esperanças que soube realizar.
JACQUARD
Na mesma sessão, enquanto Jacquard escrevia a comunicação acima, outro médium, o Sr. d’Ambel, obtinha outra sobre o mesmo assunto, assinada pelo Espírito de Vaucanson.
Pergunta. ─ Sem dúvida vos deveis ter comunicado em Lyon, contudo não me lembro de ter visto comunicações vossas. Como foi que viestes dar ao Sr. Leymarie, em Paris, e não a um dos centros espíritas de Lyon a dissertação que acabamos de ler? Por que o Sr. Leymarie foi, de certo modo, constrangido a levantar-se cedo para escrever essa comunicação? Enfim, o que pensais do Espiritismo em Lyon?
Resposta. ─ É natural que me tenha comunicado tanto em Paris quanto em minha cidade natal, porque os pais do médium são lioneses e conheci particularmente o seu avô, que me prestou importante serviço em circunstância excepcional. Depois, o médium me foi designado pelo Espírito de seu avô, que realiza no mundo dos Espíritos uma missão idêntica à minha. Como essa missão me deixa alguns instantes livres, julguei não prejudicar o sono do médium cujo devotamento, como o de tantos outros, é dedicado à causa a que serve.
Eu também desejava que meus compatriotas tivessem minhas notícias pela Revista Espírita. Estando sempre junto a eles, partilhando de suas alegrias e tristezas, não cessando de lhes dizer: “Amai-vos e estimai-vos”, eu queria, unindo minha voz a outras mais influentes, encorajá-los, neste momento de desemprego e de sofrimentos, a se prepararem contra as eventualidades, contra o inimigo.
Por Lyon, podeis compreender o que pode o Espiritismo interpretado com bom senso. Em que se tornaram as violências do passado, essas recriminações injustas, esses levantes que ensanguentaram a colmeia lionesa? E essas casas noturnas, outrora testemunhas de cenas licenciosas, por que hoje se esvaziam? É que a família retomou seus direitos por toda parte onde penetrou o Espiritismo, onde sua influência benéfica se fez sentir, e por toda parte os operários espíritas voltaram a ter esperança e retornaram à ordem, ao trabalho inteligente, ao desejo de benfazer, à vontade de progredir.
Em meu tempo, foi a minha invenção que, não mais escravizando o tecelão à máquina, pôde regenerar todo um mundo de trabalhadores.
Por sua vez, é o Espiritismo que transforma o espírito dessa população, dandolhe a verdadeira iniciação à vida. É toda uma legião de bons Espíritos que vêm descerrar seus olhos e abrir seus corações, até agora pervertidos, à inteligência, ao amor.
Hoje o Espiritismo entra em nova fase, pois é o tempo das aspirações generosas. A burguesia, ainda submissa ao alto clero, fica como espectadora do combate pacífico que a ideia nova dá ao non possumus do passado. E todos esperam o fim da batalha, para colocar-se ao lado dos vencedores!
Assim, caros compatriotas, escutai a segui os conselhos de Allan Kardec, pois eles são os de vossos Espíritos protetores. É por meio deles que afastareis o perigo das colisões, e mesmo das coalizões. Quanto mais humildes e sérios fordes, mais fortes sereis.
Os arrogantes arriarão a bandeira ante a verdade que os ofuscará, e então se dará a transformação espiritual dessa grande cidade que todos amamos e que ama particularmente a Sociedade Espírita de Paris, por sua fé no futuro e pelas boas esperanças que soube realizar.
JACQUARD
Na mesma sessão, enquanto Jacquard escrevia a comunicação acima, outro médium, o Sr. d’Ambel, obtinha outra sobre o mesmo assunto, assinada pelo Espírito de Vaucanson.
Outrora os homens eram atrelados à charrua; eram sacrificados em trabalhos gigantescos, e a construção das muralhas da Babilônia, onde vários carros marchavam em linha; a edificação das Pirâmides e a instalação da Esfinge custaram mais que dez batalhas sangrentas. Mais tarde os animais foram subjugados, em concorrência com os homens, e vimos, na jovem Lutécia, bois de canga arrastarem a carruagem em que espaireciam os reis desocupados da segunda raça.
Este preâmbulo visa mostrar aos que nos ouvem que todas as perguntas feitas neste centro simpático aos Espíritos obtêm sua solução, por um ou outro de nós. Esse caro Jacquard, essa glória do tear, esse artífice engenhoso, que caiu como um soldado valente no campo de honra do trabalho, tratou de um aspecto das questões econômicas que se ligam ao trabalho humanitário. Ele me pôs um tanto em causa, falando das modificações que eu tinha feito na arte do tecelão, e chamou-me, por assim dizer, para fazer a minha parte nesse concerto espiritual. Eis por que, encontrando entre vós um médium, como eu nascido na velha cidade dos alóbrogos, essa rainha do Grésivaudan, dele me apodero com a permissão de seus guias habituais e venho completar por uma parte a exposição que meu ilustre amigo de Lyon vos deu por outro médium.
Em sua dissertação, aliás muito notável, ele ainda exprime certas queixas que sob o inventor revelam o operário ansioso por seu ganha-pão e temeroso do desemprego homicida. Sente-se que o pai de família teme uma suspensão do trabalho, do qual depende a vida dos seus; adivinha-se o cidadão que freme ante o desastre que pode atingir a maioria de seus concidadãos. Esse sentimento é, certamente, dos mais honrosos, mas denota um ponto de vista de certa estreiteza. Venho tratar da mesma questão que Jacquard, senão mais largamente que ele, ao menos de um ponto de vista mais geral. Contudo, devo constatar, para homenagear a quem de direito, que a generosa conclusão da comunicação de meu amigo resgata amplamente o lado defeituoso que assinalo.
O homem não foi feito para ficar como instrumento ininteligente de produção. Por suas aptidões, por seu lugar na criação e por seu destino, ele é chamado a outra função que não a de máquina; a um outro papel que não o do cavalo de carrossel. Nos limites fixados por seu adiantamento, ele deve chegar a produzir mais e mais intelectualmente e, enfim, emancipar-se desse estado de servilismo e de engrenagem ininteligente a que, durante tantas gerações, ficou escravizado.
O operário é chamado a tornar-se engenheiro, a ver seus braços laboriosos substituídos por máquinas ativas, mais infatigáveis e mais precisas do que ele. O artífice deve tornar-se artista e conduzir o trabalho mecânico por um esforço do seu pensamento, e não mais por um esforço de seus braços. Aí está a prova irrecusável desta lei tão larga do progresso, que rege todas as humanidades.
Agora que vos é permitido entrever, por um passeio pela vida futura, a verdade dos destinos humanos; agora, que estais convencidos de que esta existência não passa de um dos elos de vossa vida imortal, posso exclamar: Que importa que cem mil indivíduos sucumbam, quando uma máquina foi descoberta para fazer o trabalho desses cem mil indivíduos? Para o filósofo, que se eleva acima dos preconceitos e interesses terrenos, este fato prova, com muita singeleza, que o homem não estava mais em seu caminho quando ele se consagrava a esse labor condenado pela Providência. Com efeito, é no campo de sua inteligência que doravante o homem deve fazer passar a grade e a charrua que fecundam. É só por sua inteligência que poderá, que deverá chegar ao melhor.
Peço que não deis às minhas palavras um sentido muito revolucionário. Não! Mas deixai-lhes o sentido largo e superior que comporta um ensino espírita que se dirige a inteligências já adiantadas e prontas a compreender todo o alcance de nossas instruções.
Sabe-se que se, de hoje para amanhã, o artífice abandonasse o tear que o sustenta, sob o pretexto de que, num dado momento, este seria substituído por um mecanismo ou qualquer outro invento, é sabido que ele seguiria via fatal e contrária a todas as lições dadas pelo Espiritismo.
Entretanto, todas as nossas reflexões têm um só objetivo, o de demonstrar que ninguém deve gritar contra o progresso, que substitui braços humanos por dispositivos e engrenagens mecânicas.
Além disso, é bom acrescentar que a Humanidade pagou largo contributo à miséria e que, penetrando mais e mais em todas as camadas sociais, a instrução tornará cada indivíduo cada vez mais apto para funções tão inteligentemente chamadas liberais.
É difícil para um Espírito que pela primeira vez se comunica através de um médium, exprimir seu pensamento com bastante clareza. Assim, desculpareis a desorganização da minha comunicação, cuja conclusão aqui está em duas palavras:
O homem é um agente espiritual que deve chegar, em período não distante, a submeter ao seu serviço e para todas as operações materiais à própria matéria, dando-lhe como único motor a inteligência, que se expande nos cérebros humanos.
VAUCANSON
Este preâmbulo visa mostrar aos que nos ouvem que todas as perguntas feitas neste centro simpático aos Espíritos obtêm sua solução, por um ou outro de nós. Esse caro Jacquard, essa glória do tear, esse artífice engenhoso, que caiu como um soldado valente no campo de honra do trabalho, tratou de um aspecto das questões econômicas que se ligam ao trabalho humanitário. Ele me pôs um tanto em causa, falando das modificações que eu tinha feito na arte do tecelão, e chamou-me, por assim dizer, para fazer a minha parte nesse concerto espiritual. Eis por que, encontrando entre vós um médium, como eu nascido na velha cidade dos alóbrogos, essa rainha do Grésivaudan, dele me apodero com a permissão de seus guias habituais e venho completar por uma parte a exposição que meu ilustre amigo de Lyon vos deu por outro médium.
Em sua dissertação, aliás muito notável, ele ainda exprime certas queixas que sob o inventor revelam o operário ansioso por seu ganha-pão e temeroso do desemprego homicida. Sente-se que o pai de família teme uma suspensão do trabalho, do qual depende a vida dos seus; adivinha-se o cidadão que freme ante o desastre que pode atingir a maioria de seus concidadãos. Esse sentimento é, certamente, dos mais honrosos, mas denota um ponto de vista de certa estreiteza. Venho tratar da mesma questão que Jacquard, senão mais largamente que ele, ao menos de um ponto de vista mais geral. Contudo, devo constatar, para homenagear a quem de direito, que a generosa conclusão da comunicação de meu amigo resgata amplamente o lado defeituoso que assinalo.
O homem não foi feito para ficar como instrumento ininteligente de produção. Por suas aptidões, por seu lugar na criação e por seu destino, ele é chamado a outra função que não a de máquina; a um outro papel que não o do cavalo de carrossel. Nos limites fixados por seu adiantamento, ele deve chegar a produzir mais e mais intelectualmente e, enfim, emancipar-se desse estado de servilismo e de engrenagem ininteligente a que, durante tantas gerações, ficou escravizado.
O operário é chamado a tornar-se engenheiro, a ver seus braços laboriosos substituídos por máquinas ativas, mais infatigáveis e mais precisas do que ele. O artífice deve tornar-se artista e conduzir o trabalho mecânico por um esforço do seu pensamento, e não mais por um esforço de seus braços. Aí está a prova irrecusável desta lei tão larga do progresso, que rege todas as humanidades.
Agora que vos é permitido entrever, por um passeio pela vida futura, a verdade dos destinos humanos; agora, que estais convencidos de que esta existência não passa de um dos elos de vossa vida imortal, posso exclamar: Que importa que cem mil indivíduos sucumbam, quando uma máquina foi descoberta para fazer o trabalho desses cem mil indivíduos? Para o filósofo, que se eleva acima dos preconceitos e interesses terrenos, este fato prova, com muita singeleza, que o homem não estava mais em seu caminho quando ele se consagrava a esse labor condenado pela Providência. Com efeito, é no campo de sua inteligência que doravante o homem deve fazer passar a grade e a charrua que fecundam. É só por sua inteligência que poderá, que deverá chegar ao melhor.
Peço que não deis às minhas palavras um sentido muito revolucionário. Não! Mas deixai-lhes o sentido largo e superior que comporta um ensino espírita que se dirige a inteligências já adiantadas e prontas a compreender todo o alcance de nossas instruções.
Sabe-se que se, de hoje para amanhã, o artífice abandonasse o tear que o sustenta, sob o pretexto de que, num dado momento, este seria substituído por um mecanismo ou qualquer outro invento, é sabido que ele seguiria via fatal e contrária a todas as lições dadas pelo Espiritismo.
Entretanto, todas as nossas reflexões têm um só objetivo, o de demonstrar que ninguém deve gritar contra o progresso, que substitui braços humanos por dispositivos e engrenagens mecânicas.
Além disso, é bom acrescentar que a Humanidade pagou largo contributo à miséria e que, penetrando mais e mais em todas as camadas sociais, a instrução tornará cada indivíduo cada vez mais apto para funções tão inteligentemente chamadas liberais.
É difícil para um Espírito que pela primeira vez se comunica através de um médium, exprimir seu pensamento com bastante clareza. Assim, desculpareis a desorganização da minha comunicação, cuja conclusão aqui está em duas palavras:
O homem é um agente espiritual que deve chegar, em período não distante, a submeter ao seu serviço e para todas as operações materiais à própria matéria, dando-lhe como único motor a inteligência, que se expande nos cérebros humanos.
VAUCANSON
ANNALI DELLO SPIRITISMO IN ITALIA
Sob este título, a Sociedade Espírita de Turim começou uma publicação mensal, da qual recebemos os dois primeiros números.
O objetivo eminentemente sério a que se propõe essa sociedade, bem como o talento e as luzes de seus membros, permitem bons augúrios acerca da direção que será dada a esse novo órgão da doutrina.
Graças a ele, e em razão do que está escrito na língua nacional, o Espiritismo fará seu caminho na Itália, onde já conta com numerosas simpatias. A sociedade e seu jornal arvoraram claramente a bandeira da Sociedade de Paris.
A seguinte passagem, traduzida do primeiro número, é uma espécie de profissão de fé que indica suficientemente o espírito que preside a redação.
O objetivo eminentemente sério a que se propõe essa sociedade, bem como o talento e as luzes de seus membros, permitem bons augúrios acerca da direção que será dada a esse novo órgão da doutrina.
Graças a ele, e em razão do que está escrito na língua nacional, o Espiritismo fará seu caminho na Itália, onde já conta com numerosas simpatias. A sociedade e seu jornal arvoraram claramente a bandeira da Sociedade de Paris.
A seguinte passagem, traduzida do primeiro número, é uma espécie de profissão de fé que indica suficientemente o espírito que preside a redação.
“...Assim, que aquele que quiser entregar-se ao estudo do Espiritismo comece, antes de tentar experiências, por ler as obras que tratam da matéria e por estudá-las atentamente, para não fazer como o viajante que, atravessando um país desconhecido, sem guia nem conselhos, a cada passo arrisca-se a se perder. Como outros já aplainaram o caminho, quer a razão que se esclareçam pelos estudos, a fim de aprenderem a maneira de distinguir os bons Espíritos dos maus, e para saber como comportar-se para libertar-se destes últimos e para não ser vítima de suas trapaças, nem dos males daí resultantes.
“Para isto recomendam-se, como da mais alta utilidade, as obras escritas em francês por um infatigável e sábio espírita, o Sr. Allan Kardec, nas quais não se sabe o que mais louvar, se a equidade das intenções, a altura da filosofia ou a clareza da exposição.
“Entre essas obras, as principais e as primeiras a ler são O livro dos Espíritos e O livro dos médiuns. No primeiro está a teoria filosófica revelada pelos Espíritos superiores, como afirma o autor, e no segundo um tratado completo da prática do Espiritismo e a maneira de adquirir, se possível, a faculdade mediúnica.
“No entanto, nenhuma destas obras foi traduzida para o italiano, e mesmo que elas pudessem ser abordadas por todo mundo, sua extensão seria um obstáculo para muitos. O próprio autor sentia essa dificuldade, por isso resumiu a parte essencial do Livro dos Espíritos num opúsculo: O Espiritismo na sua expressão mais simples, que foi traduzido para a nossa língua e publicado em Turim. Pode-se dizer que essa tradução fez o giro de toda a península, tendo sido vendido grande número de exemplares em todas as cidades da Itália.
“Para isto recomendam-se, como da mais alta utilidade, as obras escritas em francês por um infatigável e sábio espírita, o Sr. Allan Kardec, nas quais não se sabe o que mais louvar, se a equidade das intenções, a altura da filosofia ou a clareza da exposição.
“Entre essas obras, as principais e as primeiras a ler são O livro dos Espíritos e O livro dos médiuns. No primeiro está a teoria filosófica revelada pelos Espíritos superiores, como afirma o autor, e no segundo um tratado completo da prática do Espiritismo e a maneira de adquirir, se possível, a faculdade mediúnica.
“No entanto, nenhuma destas obras foi traduzida para o italiano, e mesmo que elas pudessem ser abordadas por todo mundo, sua extensão seria um obstáculo para muitos. O próprio autor sentia essa dificuldade, por isso resumiu a parte essencial do Livro dos Espíritos num opúsculo: O Espiritismo na sua expressão mais simples, que foi traduzido para a nossa língua e publicado em Turim. Pode-se dizer que essa tradução fez o giro de toda a península, tendo sido vendido grande número de exemplares em todas as cidades da Itália.
“Mas como o autor não fez um resumo do Livro dos médiuns e esperando que o livro completo possa ser traduzido para o italiano, tivemos a ideia de publicar um resumo que, se não pode comparar-se ao de Allan Kardec, pelo menos contém as principais advertências de primeira necessidade para os que têm intenção de aplicarse ao estudo do Espiritismo prático. Esperamos que ele bastará para indicar o caminho que será preciso trilhar para conseguir pôr-se em relação com os bons Espíritos e afastar os inferiores e perversos.
“Estudado com pureza de sentimentos, o Espiritismo pode tornar-se a fonte das mais doces consolações para todos os homens de bem e desejosos do progresso.”
“Estudado com pureza de sentimentos, o Espiritismo pode tornar-se a fonte das mais doces consolações para todos os homens de bem e desejosos do progresso.”
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Um novo jornal acaba de surgir em Bordeaux, sob o título de: O Salvador dos Povos, jornal do Espiritismo, propagador da unidade fraterna. Diretor-gerente: A. Lefraise. Aparece semanalmente.
O título promete muito e impõe grandes obrigações, pois hoje não basta mais a etiqueta. Nós o lembraremos quando tivermos podido apreciar a maneira pela qual justificar-se-á. Se ele vier trazer uma pedra útil ao edifício; se vier, como diz, unir em vez de dividir; se a verdadeira caridade de palavras e de ação é seu guia para seus irmãos em crença; se a sua polêmica com os adversários de nossa doutrina não se afastar dos limites da moderação e de uma discussão leal, ele será bem-vindo e seremos felizes de encorajá-lo e apoiá-lo.
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Uma nova obra do Sr. Allan Kardec, mais ou menos da mesma extensão do Livro dos Espíritos está no prelo desde dezembro. Ela deveria aparecer em fevereiro, mas atrasos involuntários na impressão, e os cuidados que esta exige, não o permitiram. Tudo nos faz esperar que poderemos anunciar o seu lançamento no próximo número. Ela destina-se a substituir a obra anunciada sob o título: As vozes da mundo invisível, cujo plano primitivo foi radicalmente mudado.
Sr. Mathieu (antigo farmacêutico - Chefe do exército e membro de várias sociedades cientificas)
O Sr. Mathieu, falecido a 12 de fevereiro de 1864, era muito conhecido no ambiente espírita parisiense, onde frequentava várias reuniões, nas quais tomava parte ativa. Tinha-se ocupado dos fenômenos espíritas desde a sua origem. Conhecemo-lo quando fazíamos os primeiros trabalhos preliminares. A natureza de seu espírito o levava à dúvida. Muito tempo depois de haver ele próprio feito experiências por meio da prancheta, recusava-se a nisto reconhecer a ação dos Espíritos. Depois suas ideias se modificaram, e mesmo, nos seus últimos tempos, ele não se mostrava mais tão radicalmente contrário à reencarnação.
O Sr. Mathieu só dificilmente, e com o tempo, admitia o que não estava em suas ideias, mas não era um adversário sistemático e, posto não partilhasse inteiramente das doutrinas do Livro dos Espíritos, devemos render-lhe justiça porque, na sua polêmica, jamais se afastou dos limites de uma perfeita conveniência. Sua doçura e a honorabilidade de seu caráter fizeram com que ele fosse estimado e lamentado por todos os que o conheceram. Ele morreu no momento em que dava a última demão numa importante obra sobre os convulsionários, que os Srs. Didier & Cia. acabam de editar.
O Sr. Mathieu só dificilmente, e com o tempo, admitia o que não estava em suas ideias, mas não era um adversário sistemático e, posto não partilhasse inteiramente das doutrinas do Livro dos Espíritos, devemos render-lhe justiça porque, na sua polêmica, jamais se afastou dos limites de uma perfeita conveniência. Sua doçura e a honorabilidade de seu caráter fizeram com que ele fosse estimado e lamentado por todos os que o conheceram. Ele morreu no momento em que dava a última demão numa importante obra sobre os convulsionários, que os Srs. Didier & Cia. acabam de editar.