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Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1864 > Junho
Junho
(2º Artigo - vide o nº de maio de 1864)
Este é um daqueles livros que não podem ser refutados completamente senão por um outro livro. Teria que ser discutido artigo por artigo. É uma tarefa que não empreenderemos, porque fere questões que não são de nossa alçada, e de que muitos outros se encarregaram. Limitar-nos-emos ao exame das consequências tiradas pelo autor do ponto de vista em que ele se colocou.
Há nessa obra, como em todas as obras históricas, duas partes bem distintas: o relato dos fatos e a apreciação desses fatos. A primeira é uma questão de erudição e de boa-fé; a segunda depende inteiramente da opinião pessoal. Dois homens podem concordar perfeitamente quanto a uma e discordar completamente quanto à outra.
É natural que a parte religiosa tenha sido atacada, pois é uma questão de crença, mas a parte histórica parece não ser invulnerável, se a julgarmos pelas críticas dos teólogos que não só contestam a apreciação, mas a exatidão de certos fatos. Aos mais competentes do que nós deixaremos o cuidado de decidir esta última questão. Contudo, sem nos constituirmos em juiz do debate, reconheceremos que certas críticas evidentemente têm fundamento, mas que sobre vários pontos importantes da história, as observações do Sr. Renan são perfeitamente justas.
Entre as numerosas refutações feitas ao seu livro, cremos dever assinalar a do Pe. Gratry como uma das mais lógicas e mais imparciais. Ele destaca, com muita clareza, as contradições encontradas a cada passo[1].
Admitamos, entretanto, que o Sr. Renan não se tenha em nada afastado da verdade histórica. Isto não implica a justeza de sua apreciação, porque ele fez esse trabalho com base numa opinião e com ideias preconcebidas. Ele estudou os fatos para neles encontrar a prova dessa opinião e não para formar uma opinião. Naturalmente, ele não viu senão o que lhe pareceu conforme à sua maneira de ver, ao passo que não viu o que lhe era contrário. Sua opinião é a sua medida. Aliás, ele mesmo o diz nesta passagem de sua introdução, à página 5: “Ficarei satisfeito se depois de ter escrito a vida de Jesus me for dado contar como entendo a história dos apóstolos; o estado da consciência cristã durante as semanas que se seguiram à morte de Jesus; a formação do ciclo legendário da ressurreição; os primeiros atos da Igreja de Jerusalém; a vida de São Paulo, etc.”
Pode haver diversas maneiras de apreciar um fato, mas o fato em si mesmo é independente da opinião. É, pois, uma história dos apóstolos à sua maneira que o Sr Renan se propõe a escrever, como escreveu, à sua maneira, a história da vida de
Jesus. Acha-se ele nas condições de imparcialidade requeridas para que sua opinião mereça crédito? Que ele nos permita duvidar.
Persuadido de que estava certo, ele pôde agir. Cremos que o fez de boa-fé, e que os erros materiais que lhe censuram não resultam de um desígnio premeditado de alterar a verdade, mas de uma falsa apreciação das coisas. Ele está na posição de um homem consciencioso, partidário exclusivo das ideias do antigo regime, que escrevesse uma história da Revolução Francesa. Seu relato poderá ser de uma escrupulosa exatidão, mas o julgamento que fizer dos homens e das coisas será o reflexo de suas próprias ideias. Ele censurará o que outros aprovarão. Em vão terá ele percorrido os lugares onde se desenrolaram os acontecimentos, pois esses lugares lhe confirmarão os fatos, mas não lhe farão encará-los de outra maneira. Assim se deu com o Sr. Renan. Percorrendo a Judeia com o Evangelho na mão, ele encontrou os traços do Cristo, de onde concluiu que o Cristo tinha existido, mas não viu o Cristo de maneira diferente da que o via antes. Onde ele não viu senão os passos de um homem, um apóstolo da fé ortodoxa teria percebido o rastro da Divindade.
Sua apreciação vem do ponto de vista em que se colocou. Ele nega o ateísmo e o materialismo porque não crê que a matéria pense, e porque admite um princípio inteligente, universal, atribuído a cada indivíduo em dose mais ou menos forte. Em que se torna tal princípio inteligente após a morte de cada indivíduo? A crer na dedicatória do Sr. Renan à alma de sua irmã, ele conserva a sua individualidade e as suas afeições. Mas, se a alma conserva sua individualidade e as suas afeições, há, então, um mundo invisível, inteligente e amante. Ora, considerando-se que esse mundo é inteligente, ele não pode ficar inativo; deve representar um papel qualquer no Universo. Pois bem! A obra inteira é a negação desse mundo invisível e de toda a inteligência ativa fora do mundo visível. Consequentemente, também é a negação de todo fenômeno resultante da ação de inteligências ocultas e de toda relação entre os mortos e os vivos, de onde se deve concluir que sua tocante dedicatória é uma obra da imaginação, suscitada pelo pesar sincero que sente pela perda de sua irmã e que aí exprime mais o seu desejo do que a sua crença, porque se ele tivesse acreditado seriamente na existência individual da alma da irmã; na persistência de sua afeição por ele; na sua solicitude e na sua inspiração, essa crença lhe teria dado ideias mais verdadeiras sobre o sentido da maior parte das palavras do Cristo.
O Cristo, com efeito, preocupando-se com o futuro da alma, incessantemente faz alusão à vida futura, ao mundo invisível, que ele apresenta, consequentemente, como muito mais invejável que o mundo material, e como devendo constituir o objetivo de todas as aspirações do homem.
Para quem nada vê fora da Humanidade tangível, estas palavras: “Meu reino não é deste mundo; Há muitas moradas na casa de meu Pai; Não busqueis os tesouros da Terra, mas os do Céu; Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados”, e tantas outras, devem ter apenas um sentido quimérico. É assim que as considera o Sr. Renan, quando diz que “A parte de verdade contida no pensamento de Jesus o tinha arrastado à quimera que o obscurecia. Contudo, não desprezemos essa quimera que foi a casca grosseira do bulbo sagrado do qual vivemos. Esse fantástico reino do céu, essa busca intérmina de uma cidade de Deus que sempre preocupou o Cristianismo na sua longa carreira, foi o princípio do grande instinto do futuro, que animou todos os reformadores, discípulos obstinados do Apocalipse, desde Joaquim de Flore até o sectário protestante de nossos dias.” (Cap. XVIII, pág. 285, 1ª edição)[2]
A obra do Cristo era toda espiritual. Ora, desde que o Sr. Renan não crê na espiritualização do ser, nem num mundo espiritual, naturalmente deveria tomar o avesso de suas palavras e julgá-lo do ponto de vista exclusivamente material.
Julgando uma obra espiritual, um materialista ou um panteísta é como um surdo julgando uma peça de música. Julgando o Cristo do ponto de vista em que se colocou, o Sr. Renan deve ter-se enganado quanto às suas intenções e ao seu caráter. A mais evidente prova disto se encontra nesta estranha passagem de seu livro (Cap. VII, pg. 128): “Jesus não é um espiritualista, porque tudo para ele conduz a uma realização palpável. Ele não tem a menor noção de uma alma separada do corpo, mas é um idealista completo, pois para ele a matéria não passa de manifestação da ideia e o real não passa de expressão viva do que não se vê.”
Concebe-se o Cristo, fundador da doutrina espiritualista por excelência, não acreditando na individualidade da alma, da qual não tem a menor noção e, por consequência, não crendo na vida futura? Se ele não é espiritualista, é materialista e, consequentemente, o Sr. Renan é mais espiritualista do que ele. Tais palavras não se discutem. Elas bastam para indicar o alcance do livro, porque provam que o autor leu os Evangelhos com muita leviandade ou com o espírito tão prevenido que não viu o que salta aos olhos de todo mundo. Pode admitir-se a sua boa-fé, mas não se admitirá, por certo, a justeza de sua visão.
Todas as suas apreciações decorrem da ideia de que o Cristo só tinha em vista as coisas terrestres. Segundo ele, era um homem essencialmente bom, desinteressado dos bens deste mundo, de costumes muito suaves, de uma instrução limitada ao estudo dos textos sagrados, de uma inteligência natural superior, a quem as disputas religiosas dos judeus deram a ideia de fundar uma doutrina. Nisto ele foi favorecido pelas circunstâncias, que soube explorar habilmente. Sem ideia preconcebida e sem plano prévio, vendo que não teria êxito junto aos ricos, procurou seu ponto de apoio nos proletários, naturalmente revoltados contra os ricos. Adulando-os, deveria transformá-los em seus amigos. Se ele disse que o reino dos céus é para as crianças, foi para agradar às mães, que tomava por seu lado fraco, e transformá-las em partidárias. Assim, a religião nascente foi, sob muitos aspectos, um movimento de mulheres e de crianças. Numa palavra, nele tudo era cálculo e combinação, e, ajudado pelo amor ao maravilhoso, ele triunfou. Aliás, não muito austero, porque amou muito Madalena, pela qual foi amado. Várias mulheres ricas proviam às suas necessidades. Ele e os apóstolos eram folgazões que não desdenhavam as boas mesas. Vede o que ele diz:
“Três ou quatro galileias dedicadas acompanhavam sempre o jovem mestre e disputavam o prazer de escutá-lo e dele cuidar, cada uma por sua vez. Elas traziam para a seita nova um elemento de entusiasmo e de maravilhoso, cuja importância já se apreende. Uma delas, Maria de Magdala, que celebrizou no mundo o nome de sua pobre aldeia, parece ter sido uma criatura muito exaltada. Segundo a linguagem da época, tinha sido possessa de sete demônios, isto é, tinha sido afetada de doenças nervosas e aparentemente inexplicáveis. Por sua beleza pura e suave, Jesus acalmou essa organização perturbada. A Madalena lhe foi fiel até ao Gólgota e, no dia seguinte à sua morte, representou um papel de primeira ordem, porque foi o principal instrumento pelo qual se estabeleceu a fé na ressurreição, como veremos adiante. Joana, mulher de Cusa, um dos intendentes de Antipas, Suzana e outras, que ficaram desconhecidas, o seguiam sem cessar e o serviam. Algumas eram ricas e punham, por sua fortuna, o jovem profeta em posição de viver sem exercer o ofício que tinha exercido até então.” (Cap. IX, pág. 151).
“Jesus compreendeu bem depressa que o mundo oficial de seu tempo absolutamente não se prestaria para o seu reino. Ele tomou seu partido com extrema ousadia. Deixando de lado toda essa gente de coração seco e de estreitos preconceitos, voltou-se para os simples. O reino de Deus é feito para as crianças e para os que se lhes assemelham; para os desprezados deste mundo, vítimas da arrogância social que repele o homem bom, mas humilde... O puro ebionismo, significando que somente os pobres (ebionin) serão salvos; que o reino dos pobres vai chegar, foi, portanto, a doutrina de Jesus.” (Cap. XI, pág. 178).
“Ele não apreciava os estados da alma senão em proporção ao amor que a eles se agrega. Mulheres com o coração cheio de lágrimas e dispostas por suas faltas aos sentimentos de humildade estavam mais perto de seu reino que as de natureza medíocre, as quais muitas vezes têm pouco mérito por não terem falido. Por outro lado, concebe-se que essas almas ternas, achando em sua conversão à seita um meio fácil de reabilitação, a ele se ligavam com paixão.”
“Longe de buscar atenuar os murmúrios levantados por seu desdém às suscetibilidades sociais do tempo, ele parecia ter prazer em excitá-los. Jamais foi confessado mais alto esse desprezo pelo mundo, que é a condição das grandes coisas e da grande originalidade. Ele só perdoava o rico quando esse rico, por força de algum preconceito, era malvisto pela Sociedade. Ele preferia abertamente a gente de vida equivocada e pouca consideração dedicava aos notáveis ortodoxos. Ele lhes dizia: ‘Publicanos e cortesãs vos precederão no reino de Deus. João veio; publicanos e cortesãs creram nele e malgrado isto vós não vos convertestes.’ Compreende-se que a censura por não terem seguido o bom exemplo que lhes davam as filhas do prazer deveria ser terrível para criaturas que faziam profissão de gravidade e de uma moral rígida.
“Ele não tinha qualquer afetação exterior nem mostra de austeridade. Não fugia à alegria, pois ia de boa vontade às festas de casamento. Um de seus milagres foi feito para alegrar umas bodas de vilarejo. As bodas no Oriente se dão à noite. Cada um leva uma lâmpada; as luzes que vão e vêm têm um efeito muito agradável. Jesus gostava desse aspecto alegre e animado e daí tirava as suas parábolas.” (Cap. XI, pág. 187).
“Os Fariseus e os doutores gritavam com o escândalo: ‘Vede com que gente ele come!’ Jesus tinha, então, finas respostas, que exasperavam os hipócritas: ‘Não são os que estão com saúde que precisam de médico.’” (Cap. XI, pág. 185).
O Sr. Renan tem o cuidado de indicar, em notas de referência, as passagens do Evangelho a que faz alusão, para mostrar que se apoia nos textos. Não é a verdade das citações que se lhe contesta, mas a interpretação que ele lhes dá. É assim que a profunda máxima deste último parágrafo é deformada numa simples tirada espirituosa. Tudo se materializa no pensamento do Sr. Renan; em todas as palavras de Jesus ele nada vê além do terra a terra, porque ele próprio nada vê além da vida material.
Depois de uma descrição idílica da Galileia, do seu clima delicioso, de sua fertilidade luxuriante, do caráter doce e hospitaleiro de seus habitantes, dos quais faz verdadeiros pastores da Arcádia, ele acha, na disposição de espírito que daí devia resultar, a fonte do Cristianismo.
“Essa vida alegre e facilmente satisfeita não levava ao grosso materialismo do nosso camponês; à grande alegria de uma normanda generosa; à pesada alegria dos flamengos. Ela se espiritualizava em sonhos etéreos, numa espécie de misticismo poético, confundindo o Céu e a Terra... A alegria fará parte do reino de Deus. Não é a filha dos humildes de coração, dos homens de boa vontade?
“Toda a história do Cristianismo nascente tornou-se, assim, uma deliciosa pastoral. Um Messias em repasto de bodas; a cortesã e o bom Zaqueu chamados a seus festins; os fundadores do reino do Céu, como um cortejo de paraninfos: eis o que a Galileia ousou e fez aceitar.” (Cap. IV, pág. 67).
“Um sentimento de admirável profundidade em tudo isto dominou Jesus, bem como o bando de garotos alegres que o acompanhavam, e dele fez para a eternidade o verdadeiro criador da paz da alma, o grande consolador da vida.” (Cap. X, pág. 176).
“Utopias de vida bem-aventurada fundadas na fraternidade dos homens e o culto puro do verdadeiro Deus preocupavam as almas elevadas e produziam de todos os lados ensaios ousados, sinceros, mas de pouco futuro.” (Cap. X, pág. 172).
“No Oriente, a casa onde desce um estrangeiro torna-se imediatamente um lugar público. Toda a aldeia aí se reúne. As crianças a invadem, os criados as afastam, mas elas sempre voltam. Jesus não suportava que maltratassem esses ingênuos ouvintes; aproximava-os de si e os abraçava. As mães, encorajadas por tal acolhida, lhe traziam seus bebês para que ele os tocasse... Assim as mulheres e as crianças o adoravam...
“A religião nascente foi, assim, sob vários aspectos, um movimento de mulheres e de crianças. Estas últimas faziam em seu redor como que uma jovem guarda para a inauguração de sua inocente realeza, e lhe faziam pequenas ovações, com as quais ele muito se alegrava, chamando-o filho de David, gritando Hosanna e agitando palmas em seu redor. Jesus, como Savanarola, talvez as fizesse servir de instrumento a missões piedosas. Ele estava muito à vontade para ver esses jovens apóstolos, que não o comprometiam, lançando-se à frente e lhe conferindo títulos que ele próprio não ousava tomar.” (Cap. XI, pág. 190).
Assim, Jesus é apresentado como um ambicioso vulgar, de paixões mesquinhas, que age sorrateiramente e não tem coragem de se expor. Na falta de uma realeza efetiva, ele se contenta com a mais inocente e menos perigosa que lhe conferem as crianças.
A seguinte passagem faz dele um egoísta:
“Mas de tudo isto não resultou uma Igreja estabelecida em Jerusalém, nem um grupo de discípulos hierosolimitas. O encantador doutor, que perdoava a todos, desde que o amassem, não podia achar muito eco nesse santuário de vãs disputas e de sacrifícios inveterados.”
“Sua família parece não tê-lo amado, e, por momentos, o vemos duro para com ela. Como todos os homens exclusivamente preocupados com uma ideia, Jesus chegava a ter em pouca conta os laços de sangue... Depois, em sua ousada revolta contra a Natureza, ele devia ir ainda mais longe, e o veremos calcando aos pés tudo quanto é do homem: o sangue, o amor, a pátria, não conservar de alma e de coração senão a ideia que a ele se apresentava como a forma absoluta do bem e do verdadeiro.” (Cap. III, pág. 42, 43).
Eis o que o Sr. Renan intitula Origens ao Cristianismo. Quem jamais teria acreditado que um bando de gozadores, uma multidão de mulheres, de cortesãs e de crianças, tendo à frente um idealista que não tinha a menor noção da alma, pudessem, auxiliados por uma utopia, a quimera de um reino celeste, mudar a face do mundo religioso, social e político?
Em outro artigo examinaremos a maneira pela qual ele encara os milagres e a natureza da pessoa do Cristo.
[1] Brochura in-18. ─ Preço 1 franco. Plon, Rua Guarancière, 8.
[2] Todas as nossas citações são tiradas da 1ª edição.
Há nessa obra, como em todas as obras históricas, duas partes bem distintas: o relato dos fatos e a apreciação desses fatos. A primeira é uma questão de erudição e de boa-fé; a segunda depende inteiramente da opinião pessoal. Dois homens podem concordar perfeitamente quanto a uma e discordar completamente quanto à outra.
É natural que a parte religiosa tenha sido atacada, pois é uma questão de crença, mas a parte histórica parece não ser invulnerável, se a julgarmos pelas críticas dos teólogos que não só contestam a apreciação, mas a exatidão de certos fatos. Aos mais competentes do que nós deixaremos o cuidado de decidir esta última questão. Contudo, sem nos constituirmos em juiz do debate, reconheceremos que certas críticas evidentemente têm fundamento, mas que sobre vários pontos importantes da história, as observações do Sr. Renan são perfeitamente justas.
Entre as numerosas refutações feitas ao seu livro, cremos dever assinalar a do Pe. Gratry como uma das mais lógicas e mais imparciais. Ele destaca, com muita clareza, as contradições encontradas a cada passo[1].
Admitamos, entretanto, que o Sr. Renan não se tenha em nada afastado da verdade histórica. Isto não implica a justeza de sua apreciação, porque ele fez esse trabalho com base numa opinião e com ideias preconcebidas. Ele estudou os fatos para neles encontrar a prova dessa opinião e não para formar uma opinião. Naturalmente, ele não viu senão o que lhe pareceu conforme à sua maneira de ver, ao passo que não viu o que lhe era contrário. Sua opinião é a sua medida. Aliás, ele mesmo o diz nesta passagem de sua introdução, à página 5: “Ficarei satisfeito se depois de ter escrito a vida de Jesus me for dado contar como entendo a história dos apóstolos; o estado da consciência cristã durante as semanas que se seguiram à morte de Jesus; a formação do ciclo legendário da ressurreição; os primeiros atos da Igreja de Jerusalém; a vida de São Paulo, etc.”
Pode haver diversas maneiras de apreciar um fato, mas o fato em si mesmo é independente da opinião. É, pois, uma história dos apóstolos à sua maneira que o Sr Renan se propõe a escrever, como escreveu, à sua maneira, a história da vida de
Jesus. Acha-se ele nas condições de imparcialidade requeridas para que sua opinião mereça crédito? Que ele nos permita duvidar.
Persuadido de que estava certo, ele pôde agir. Cremos que o fez de boa-fé, e que os erros materiais que lhe censuram não resultam de um desígnio premeditado de alterar a verdade, mas de uma falsa apreciação das coisas. Ele está na posição de um homem consciencioso, partidário exclusivo das ideias do antigo regime, que escrevesse uma história da Revolução Francesa. Seu relato poderá ser de uma escrupulosa exatidão, mas o julgamento que fizer dos homens e das coisas será o reflexo de suas próprias ideias. Ele censurará o que outros aprovarão. Em vão terá ele percorrido os lugares onde se desenrolaram os acontecimentos, pois esses lugares lhe confirmarão os fatos, mas não lhe farão encará-los de outra maneira. Assim se deu com o Sr. Renan. Percorrendo a Judeia com o Evangelho na mão, ele encontrou os traços do Cristo, de onde concluiu que o Cristo tinha existido, mas não viu o Cristo de maneira diferente da que o via antes. Onde ele não viu senão os passos de um homem, um apóstolo da fé ortodoxa teria percebido o rastro da Divindade.
Sua apreciação vem do ponto de vista em que se colocou. Ele nega o ateísmo e o materialismo porque não crê que a matéria pense, e porque admite um princípio inteligente, universal, atribuído a cada indivíduo em dose mais ou menos forte. Em que se torna tal princípio inteligente após a morte de cada indivíduo? A crer na dedicatória do Sr. Renan à alma de sua irmã, ele conserva a sua individualidade e as suas afeições. Mas, se a alma conserva sua individualidade e as suas afeições, há, então, um mundo invisível, inteligente e amante. Ora, considerando-se que esse mundo é inteligente, ele não pode ficar inativo; deve representar um papel qualquer no Universo. Pois bem! A obra inteira é a negação desse mundo invisível e de toda a inteligência ativa fora do mundo visível. Consequentemente, também é a negação de todo fenômeno resultante da ação de inteligências ocultas e de toda relação entre os mortos e os vivos, de onde se deve concluir que sua tocante dedicatória é uma obra da imaginação, suscitada pelo pesar sincero que sente pela perda de sua irmã e que aí exprime mais o seu desejo do que a sua crença, porque se ele tivesse acreditado seriamente na existência individual da alma da irmã; na persistência de sua afeição por ele; na sua solicitude e na sua inspiração, essa crença lhe teria dado ideias mais verdadeiras sobre o sentido da maior parte das palavras do Cristo.
O Cristo, com efeito, preocupando-se com o futuro da alma, incessantemente faz alusão à vida futura, ao mundo invisível, que ele apresenta, consequentemente, como muito mais invejável que o mundo material, e como devendo constituir o objetivo de todas as aspirações do homem.
Para quem nada vê fora da Humanidade tangível, estas palavras: “Meu reino não é deste mundo; Há muitas moradas na casa de meu Pai; Não busqueis os tesouros da Terra, mas os do Céu; Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados”, e tantas outras, devem ter apenas um sentido quimérico. É assim que as considera o Sr. Renan, quando diz que “A parte de verdade contida no pensamento de Jesus o tinha arrastado à quimera que o obscurecia. Contudo, não desprezemos essa quimera que foi a casca grosseira do bulbo sagrado do qual vivemos. Esse fantástico reino do céu, essa busca intérmina de uma cidade de Deus que sempre preocupou o Cristianismo na sua longa carreira, foi o princípio do grande instinto do futuro, que animou todos os reformadores, discípulos obstinados do Apocalipse, desde Joaquim de Flore até o sectário protestante de nossos dias.” (Cap. XVIII, pág. 285, 1ª edição)[2]
A obra do Cristo era toda espiritual. Ora, desde que o Sr. Renan não crê na espiritualização do ser, nem num mundo espiritual, naturalmente deveria tomar o avesso de suas palavras e julgá-lo do ponto de vista exclusivamente material.
Julgando uma obra espiritual, um materialista ou um panteísta é como um surdo julgando uma peça de música. Julgando o Cristo do ponto de vista em que se colocou, o Sr. Renan deve ter-se enganado quanto às suas intenções e ao seu caráter. A mais evidente prova disto se encontra nesta estranha passagem de seu livro (Cap. VII, pg. 128): “Jesus não é um espiritualista, porque tudo para ele conduz a uma realização palpável. Ele não tem a menor noção de uma alma separada do corpo, mas é um idealista completo, pois para ele a matéria não passa de manifestação da ideia e o real não passa de expressão viva do que não se vê.”
Concebe-se o Cristo, fundador da doutrina espiritualista por excelência, não acreditando na individualidade da alma, da qual não tem a menor noção e, por consequência, não crendo na vida futura? Se ele não é espiritualista, é materialista e, consequentemente, o Sr. Renan é mais espiritualista do que ele. Tais palavras não se discutem. Elas bastam para indicar o alcance do livro, porque provam que o autor leu os Evangelhos com muita leviandade ou com o espírito tão prevenido que não viu o que salta aos olhos de todo mundo. Pode admitir-se a sua boa-fé, mas não se admitirá, por certo, a justeza de sua visão.
Todas as suas apreciações decorrem da ideia de que o Cristo só tinha em vista as coisas terrestres. Segundo ele, era um homem essencialmente bom, desinteressado dos bens deste mundo, de costumes muito suaves, de uma instrução limitada ao estudo dos textos sagrados, de uma inteligência natural superior, a quem as disputas religiosas dos judeus deram a ideia de fundar uma doutrina. Nisto ele foi favorecido pelas circunstâncias, que soube explorar habilmente. Sem ideia preconcebida e sem plano prévio, vendo que não teria êxito junto aos ricos, procurou seu ponto de apoio nos proletários, naturalmente revoltados contra os ricos. Adulando-os, deveria transformá-los em seus amigos. Se ele disse que o reino dos céus é para as crianças, foi para agradar às mães, que tomava por seu lado fraco, e transformá-las em partidárias. Assim, a religião nascente foi, sob muitos aspectos, um movimento de mulheres e de crianças. Numa palavra, nele tudo era cálculo e combinação, e, ajudado pelo amor ao maravilhoso, ele triunfou. Aliás, não muito austero, porque amou muito Madalena, pela qual foi amado. Várias mulheres ricas proviam às suas necessidades. Ele e os apóstolos eram folgazões que não desdenhavam as boas mesas. Vede o que ele diz:
“Três ou quatro galileias dedicadas acompanhavam sempre o jovem mestre e disputavam o prazer de escutá-lo e dele cuidar, cada uma por sua vez. Elas traziam para a seita nova um elemento de entusiasmo e de maravilhoso, cuja importância já se apreende. Uma delas, Maria de Magdala, que celebrizou no mundo o nome de sua pobre aldeia, parece ter sido uma criatura muito exaltada. Segundo a linguagem da época, tinha sido possessa de sete demônios, isto é, tinha sido afetada de doenças nervosas e aparentemente inexplicáveis. Por sua beleza pura e suave, Jesus acalmou essa organização perturbada. A Madalena lhe foi fiel até ao Gólgota e, no dia seguinte à sua morte, representou um papel de primeira ordem, porque foi o principal instrumento pelo qual se estabeleceu a fé na ressurreição, como veremos adiante. Joana, mulher de Cusa, um dos intendentes de Antipas, Suzana e outras, que ficaram desconhecidas, o seguiam sem cessar e o serviam. Algumas eram ricas e punham, por sua fortuna, o jovem profeta em posição de viver sem exercer o ofício que tinha exercido até então.” (Cap. IX, pág. 151).
“Jesus compreendeu bem depressa que o mundo oficial de seu tempo absolutamente não se prestaria para o seu reino. Ele tomou seu partido com extrema ousadia. Deixando de lado toda essa gente de coração seco e de estreitos preconceitos, voltou-se para os simples. O reino de Deus é feito para as crianças e para os que se lhes assemelham; para os desprezados deste mundo, vítimas da arrogância social que repele o homem bom, mas humilde... O puro ebionismo, significando que somente os pobres (ebionin) serão salvos; que o reino dos pobres vai chegar, foi, portanto, a doutrina de Jesus.” (Cap. XI, pág. 178).
“Ele não apreciava os estados da alma senão em proporção ao amor que a eles se agrega. Mulheres com o coração cheio de lágrimas e dispostas por suas faltas aos sentimentos de humildade estavam mais perto de seu reino que as de natureza medíocre, as quais muitas vezes têm pouco mérito por não terem falido. Por outro lado, concebe-se que essas almas ternas, achando em sua conversão à seita um meio fácil de reabilitação, a ele se ligavam com paixão.”
“Longe de buscar atenuar os murmúrios levantados por seu desdém às suscetibilidades sociais do tempo, ele parecia ter prazer em excitá-los. Jamais foi confessado mais alto esse desprezo pelo mundo, que é a condição das grandes coisas e da grande originalidade. Ele só perdoava o rico quando esse rico, por força de algum preconceito, era malvisto pela Sociedade. Ele preferia abertamente a gente de vida equivocada e pouca consideração dedicava aos notáveis ortodoxos. Ele lhes dizia: ‘Publicanos e cortesãs vos precederão no reino de Deus. João veio; publicanos e cortesãs creram nele e malgrado isto vós não vos convertestes.’ Compreende-se que a censura por não terem seguido o bom exemplo que lhes davam as filhas do prazer deveria ser terrível para criaturas que faziam profissão de gravidade e de uma moral rígida.
“Ele não tinha qualquer afetação exterior nem mostra de austeridade. Não fugia à alegria, pois ia de boa vontade às festas de casamento. Um de seus milagres foi feito para alegrar umas bodas de vilarejo. As bodas no Oriente se dão à noite. Cada um leva uma lâmpada; as luzes que vão e vêm têm um efeito muito agradável. Jesus gostava desse aspecto alegre e animado e daí tirava as suas parábolas.” (Cap. XI, pág. 187).
“Os Fariseus e os doutores gritavam com o escândalo: ‘Vede com que gente ele come!’ Jesus tinha, então, finas respostas, que exasperavam os hipócritas: ‘Não são os que estão com saúde que precisam de médico.’” (Cap. XI, pág. 185).
O Sr. Renan tem o cuidado de indicar, em notas de referência, as passagens do Evangelho a que faz alusão, para mostrar que se apoia nos textos. Não é a verdade das citações que se lhe contesta, mas a interpretação que ele lhes dá. É assim que a profunda máxima deste último parágrafo é deformada numa simples tirada espirituosa. Tudo se materializa no pensamento do Sr. Renan; em todas as palavras de Jesus ele nada vê além do terra a terra, porque ele próprio nada vê além da vida material.
Depois de uma descrição idílica da Galileia, do seu clima delicioso, de sua fertilidade luxuriante, do caráter doce e hospitaleiro de seus habitantes, dos quais faz verdadeiros pastores da Arcádia, ele acha, na disposição de espírito que daí devia resultar, a fonte do Cristianismo.
“Essa vida alegre e facilmente satisfeita não levava ao grosso materialismo do nosso camponês; à grande alegria de uma normanda generosa; à pesada alegria dos flamengos. Ela se espiritualizava em sonhos etéreos, numa espécie de misticismo poético, confundindo o Céu e a Terra... A alegria fará parte do reino de Deus. Não é a filha dos humildes de coração, dos homens de boa vontade?
“Toda a história do Cristianismo nascente tornou-se, assim, uma deliciosa pastoral. Um Messias em repasto de bodas; a cortesã e o bom Zaqueu chamados a seus festins; os fundadores do reino do Céu, como um cortejo de paraninfos: eis o que a Galileia ousou e fez aceitar.” (Cap. IV, pág. 67).
“Um sentimento de admirável profundidade em tudo isto dominou Jesus, bem como o bando de garotos alegres que o acompanhavam, e dele fez para a eternidade o verdadeiro criador da paz da alma, o grande consolador da vida.” (Cap. X, pág. 176).
“Utopias de vida bem-aventurada fundadas na fraternidade dos homens e o culto puro do verdadeiro Deus preocupavam as almas elevadas e produziam de todos os lados ensaios ousados, sinceros, mas de pouco futuro.” (Cap. X, pág. 172).
“No Oriente, a casa onde desce um estrangeiro torna-se imediatamente um lugar público. Toda a aldeia aí se reúne. As crianças a invadem, os criados as afastam, mas elas sempre voltam. Jesus não suportava que maltratassem esses ingênuos ouvintes; aproximava-os de si e os abraçava. As mães, encorajadas por tal acolhida, lhe traziam seus bebês para que ele os tocasse... Assim as mulheres e as crianças o adoravam...
“A religião nascente foi, assim, sob vários aspectos, um movimento de mulheres e de crianças. Estas últimas faziam em seu redor como que uma jovem guarda para a inauguração de sua inocente realeza, e lhe faziam pequenas ovações, com as quais ele muito se alegrava, chamando-o filho de David, gritando Hosanna e agitando palmas em seu redor. Jesus, como Savanarola, talvez as fizesse servir de instrumento a missões piedosas. Ele estava muito à vontade para ver esses jovens apóstolos, que não o comprometiam, lançando-se à frente e lhe conferindo títulos que ele próprio não ousava tomar.” (Cap. XI, pág. 190).
Assim, Jesus é apresentado como um ambicioso vulgar, de paixões mesquinhas, que age sorrateiramente e não tem coragem de se expor. Na falta de uma realeza efetiva, ele se contenta com a mais inocente e menos perigosa que lhe conferem as crianças.
A seguinte passagem faz dele um egoísta:
“Mas de tudo isto não resultou uma Igreja estabelecida em Jerusalém, nem um grupo de discípulos hierosolimitas. O encantador doutor, que perdoava a todos, desde que o amassem, não podia achar muito eco nesse santuário de vãs disputas e de sacrifícios inveterados.”
“Sua família parece não tê-lo amado, e, por momentos, o vemos duro para com ela. Como todos os homens exclusivamente preocupados com uma ideia, Jesus chegava a ter em pouca conta os laços de sangue... Depois, em sua ousada revolta contra a Natureza, ele devia ir ainda mais longe, e o veremos calcando aos pés tudo quanto é do homem: o sangue, o amor, a pátria, não conservar de alma e de coração senão a ideia que a ele se apresentava como a forma absoluta do bem e do verdadeiro.” (Cap. III, pág. 42, 43).
Eis o que o Sr. Renan intitula Origens ao Cristianismo. Quem jamais teria acreditado que um bando de gozadores, uma multidão de mulheres, de cortesãs e de crianças, tendo à frente um idealista que não tinha a menor noção da alma, pudessem, auxiliados por uma utopia, a quimera de um reino celeste, mudar a face do mundo religioso, social e político?
Em outro artigo examinaremos a maneira pela qual ele encara os milagres e a natureza da pessoa do Cristo.
[1] Brochura in-18. ─ Preço 1 franco. Plon, Rua Guarancière, 8.
[2] Todas as nossas citações são tiradas da 1ª edição.
(Vide os ns. de Fevereiro e março, último)
O Sr. Dombre, de Marmande, enviou-nos o relato circunstanciado dessa cura já relatada aos leitores. Os detalhes nele contidos são do mais alto interesse, do duplo ponto de vista dos fatos e da instrução. Como se verá, é ao mesmo tempo um curso de ensino teórico e prático, um guia para casos análogos e uma fecunda fonte de observações para o estudo do mundo invisível em geral, nas suas relações com o mundo visível.
Diz o Sr. Dombre no seu informe: Eu fui advertido por um dos membros de nossa Sociedade Espírita, das crises violentas que todas as tardes, regularmente, há oito meses, sofria a chamada Tereza B.... Dia 11 de janeiro último, às quatro e meia da tarde, acompanhado do Sr. L..., médium, fui a uma casa vizinha à da doente, tentar testemunhar a crise que, conforme se dava todos os dias, devia ocorrer às cinco horas. Lá encontramos a jovem e sua mãe, conversando com vizinhos. A meia hora passou depressa. De repente vimos a moça levantar-se, abrir a porta, atravessar a rua e voltar para dentro de sua casa seguida por sua mãe que a tomou e a colocou vestida na cama. Começaram as convulsões. O corpo se dobrava; a cabeça tendia a tocar os calcanhares; o peito arfava. Numa palavra, era desagradável à vista. Entrando eu e o médium na casa vizinha, perguntamos ao Espírito de Louis David, guia espiritual do médium, se era uma obsessão ou um caso patológico. O Espírito respondeu:
“Pobre menina! Com efeito, ela se acha sob uma fatal influência, muito perigosa mesmo. Vinde em seu auxílio. Teimoso e mau, esse Espírito resistirá por muito tempo. Evitai, tanto quanto estiver ao vosso alcance, que ela seja tratada por medicamentos, que lhe prejudicariam o organismo. A causa é totalmente moral. Tentai evocar esse Espírito e moralizai-o com habilidade, que nós vos auxiliaremos. Que todas as almas sinceras que conheceis se reúnam para orar e combater a muito perniciosa influência desse Espírito malvado. Pobre pequena vítima do ciúme!
“LOUIS DAVID.”
Diz o Sr. Dombre no seu informe: Eu fui advertido por um dos membros de nossa Sociedade Espírita, das crises violentas que todas as tardes, regularmente, há oito meses, sofria a chamada Tereza B.... Dia 11 de janeiro último, às quatro e meia da tarde, acompanhado do Sr. L..., médium, fui a uma casa vizinha à da doente, tentar testemunhar a crise que, conforme se dava todos os dias, devia ocorrer às cinco horas. Lá encontramos a jovem e sua mãe, conversando com vizinhos. A meia hora passou depressa. De repente vimos a moça levantar-se, abrir a porta, atravessar a rua e voltar para dentro de sua casa seguida por sua mãe que a tomou e a colocou vestida na cama. Começaram as convulsões. O corpo se dobrava; a cabeça tendia a tocar os calcanhares; o peito arfava. Numa palavra, era desagradável à vista. Entrando eu e o médium na casa vizinha, perguntamos ao Espírito de Louis David, guia espiritual do médium, se era uma obsessão ou um caso patológico. O Espírito respondeu:
“Pobre menina! Com efeito, ela se acha sob uma fatal influência, muito perigosa mesmo. Vinde em seu auxílio. Teimoso e mau, esse Espírito resistirá por muito tempo. Evitai, tanto quanto estiver ao vosso alcance, que ela seja tratada por medicamentos, que lhe prejudicariam o organismo. A causa é totalmente moral. Tentai evocar esse Espírito e moralizai-o com habilidade, que nós vos auxiliaremos. Que todas as almas sinceras que conheceis se reúnam para orar e combater a muito perniciosa influência desse Espírito malvado. Pobre pequena vítima do ciúme!
“LOUIS DAVID.”
Pergunta. ─ Que nome usaremos para chamar esse Espírito?
Resposta. ─ Júlio.
Evoquei-o imediatamente. O Espírito apresentou-se de modo violento, injuriando-nos, rasgando o papel e se recusando a responder a certas interpelações. Enquanto nos entretínhamos com o Espírito, o Sr. B..., médico, que tinha vindo examinar a crise, chegou junto de nós e disse com certo espanto:
─ É singular! De repente a menina parou de se torcer, e agora está estendida no leito, sem movimentos.
─ Isto não me admira, disse-lhe eu, porque o Espírito obsessor está junto de nós, neste momento.
Convenci o Sr. B... a voltar para a doente e continuamos a interpelar o Espírito, que em dado momento não mais respondeu. O guia do médium informou-nos que ele tinha ido continuar a sua obra, e recomendou-nos que não mais o evocássemos durante as crises, no interesse da menina, porque, voltando para ela com mais raiva, ele a torturava mais intensamente. No mesmo instante o médico entrou e nos informou que a crise recomeçara mais forte que nunca. Eu lhe fiz ler o aviso que acabáramos de receber, e ficamos chocados com as coincidências, que não deixavam dúvidas quanto à causa do mal.
A partir dessa tarde, e sob recomendação dos bons Espíritos que nos assistem nos trabalhos espíritas, reunimo-nos todas as noites, até a completa cura.
No mesmo dia 11 de janeiro recebemos a comunicação seguinte do Espírito protetor de nosso grupo:
“Guardiã vigilante da infância infeliz, venho associar-me aos vossos trabalhos, unir meus esforços aos vossos, para livrar esta mocinha das garras cruéis de um mau Espírito. O remédio está em vossas mãos. Velai, evocai e orai sem jamais vos cansardes, até a completa cura.
“PEQUENA CÁRITA.”
Resposta. ─ Júlio.
Evoquei-o imediatamente. O Espírito apresentou-se de modo violento, injuriando-nos, rasgando o papel e se recusando a responder a certas interpelações. Enquanto nos entretínhamos com o Espírito, o Sr. B..., médico, que tinha vindo examinar a crise, chegou junto de nós e disse com certo espanto:
─ É singular! De repente a menina parou de se torcer, e agora está estendida no leito, sem movimentos.
─ Isto não me admira, disse-lhe eu, porque o Espírito obsessor está junto de nós, neste momento.
Convenci o Sr. B... a voltar para a doente e continuamos a interpelar o Espírito, que em dado momento não mais respondeu. O guia do médium informou-nos que ele tinha ido continuar a sua obra, e recomendou-nos que não mais o evocássemos durante as crises, no interesse da menina, porque, voltando para ela com mais raiva, ele a torturava mais intensamente. No mesmo instante o médico entrou e nos informou que a crise recomeçara mais forte que nunca. Eu lhe fiz ler o aviso que acabáramos de receber, e ficamos chocados com as coincidências, que não deixavam dúvidas quanto à causa do mal.
A partir dessa tarde, e sob recomendação dos bons Espíritos que nos assistem nos trabalhos espíritas, reunimo-nos todas as noites, até a completa cura.
No mesmo dia 11 de janeiro recebemos a comunicação seguinte do Espírito protetor de nosso grupo:
“Guardiã vigilante da infância infeliz, venho associar-me aos vossos trabalhos, unir meus esforços aos vossos, para livrar esta mocinha das garras cruéis de um mau Espírito. O remédio está em vossas mãos. Velai, evocai e orai sem jamais vos cansardes, até a completa cura.
“PEQUENA CÁRITA.”
Esse Espírito, que toma o nome de Pequena Cárita, é o de uma jovem que conheci, falecida na flor da idade e que desde a mais tenra infância tinha dado provas do caráter mais angélico e de rara bondade.
A evocação do Espírito obsessor só nos valeu injúrias muito grosseiras e muito sujas, que é inútil repetir. Nossas exortações e nossas preces deslizavam sobre ele e não surtiram efeito.
“Amigos, não desanimeis! Ele se sente forte porque vos vê desgostosos com sua linguagem grosseira. Abstende-vos, por enquanto, de lhe pregar moral. Conversai com ele familiarmente e em tom amigável. Assim ganhareis a sua confiança e podereis mais tarde voltar a falar a sério. Amigos, perseverança!
“VOSSOS GUIAS.”
A evocação do Espírito obsessor só nos valeu injúrias muito grosseiras e muito sujas, que é inútil repetir. Nossas exortações e nossas preces deslizavam sobre ele e não surtiram efeito.
“Amigos, não desanimeis! Ele se sente forte porque vos vê desgostosos com sua linguagem grosseira. Abstende-vos, por enquanto, de lhe pregar moral. Conversai com ele familiarmente e em tom amigável. Assim ganhareis a sua confiança e podereis mais tarde voltar a falar a sério. Amigos, perseverança!
“VOSSOS GUIAS.”
De acordo com esta recomendação, tornamo-nos leves nas interpelações, que ele respondeu no mesmo tom.
No dia seguinte, 12 de janeiro, a crise foi tão longa e violenta quanto as dos dias precedentes. Durou cerca de uma hora e meia. A menina erguia-se no leito, repelia o Espírito com força e lhe dizia: “Vai-te! Vai-te!” O quarto da doente estava cheio de gente. Alguns de nós nos achávamos ao pé do leito para observar atentamente as fases da crise.
Na reunião da noite recebemos a seguinte comunicação:
“Meus amigos, aconselho a que acompanheis, como tendes feito, passo a passo, esta obsessão que é para vós um fato novo. Vossas observações serão de grande auxílio, pois casos semelhantes poderão multiplicar-se, nos quais tereis que intervir.
“Esta obsessão, a princípio puramente física, creio que será seguida de alguma obsessão moral, mas sem perigo. Em breve vereis momentos de alegria em meio a essas torturas impostas por esse mau Espírito. Reconhecei aí a presença e a mão dos bons Espíritos. Se as torturas ainda persistirem, notareis, após a crise, a completa paralisação do corpo, e, após essa paralisação, uma alegria serena e um êxtase que aliviarão a dor da obsessão.
“Observai muito. Outros sintomas manifestar-se-ão e neles encontrareis novos assuntos de estudo.
“O Senhor disse aos seus anjos: Ide levar minha palavra aos filhos dos homens. Nós já tocamos a Terra com a vara, e a Terra gera prodígios. Curvai-vos, filhos! É a onipotência do Eterno que se vos manifesta.
“Amigos, vigiai e orai. Estamos junto de vós e do leito de sofrimentos para secar as lágrimas.
“PEQUENA CÁRITA.”
No dia seguinte, 12 de janeiro, a crise foi tão longa e violenta quanto as dos dias precedentes. Durou cerca de uma hora e meia. A menina erguia-se no leito, repelia o Espírito com força e lhe dizia: “Vai-te! Vai-te!” O quarto da doente estava cheio de gente. Alguns de nós nos achávamos ao pé do leito para observar atentamente as fases da crise.
Na reunião da noite recebemos a seguinte comunicação:
“Meus amigos, aconselho a que acompanheis, como tendes feito, passo a passo, esta obsessão que é para vós um fato novo. Vossas observações serão de grande auxílio, pois casos semelhantes poderão multiplicar-se, nos quais tereis que intervir.
“Esta obsessão, a princípio puramente física, creio que será seguida de alguma obsessão moral, mas sem perigo. Em breve vereis momentos de alegria em meio a essas torturas impostas por esse mau Espírito. Reconhecei aí a presença e a mão dos bons Espíritos. Se as torturas ainda persistirem, notareis, após a crise, a completa paralisação do corpo, e, após essa paralisação, uma alegria serena e um êxtase que aliviarão a dor da obsessão.
“Observai muito. Outros sintomas manifestar-se-ão e neles encontrareis novos assuntos de estudo.
“O Senhor disse aos seus anjos: Ide levar minha palavra aos filhos dos homens. Nós já tocamos a Terra com a vara, e a Terra gera prodígios. Curvai-vos, filhos! É a onipotência do Eterno que se vos manifesta.
“Amigos, vigiai e orai. Estamos junto de vós e do leito de sofrimentos para secar as lágrimas.
“PEQUENA CÁRITA.”
Evocado, o Espírito de Júlio foi menos intratável do que na véspera. Na verdade, respondemos às suas facécias com outras, o que lhe agradava. Antes de nos deixar, fizemo-lo prometer ser menos duro para com sua vítima. “Tratarei de me moderar”, disse ele; e como, por nossa vez, prometemos orar por ele, respondeu:
“Aceito, posto não conheça o valor dessa mercadoria.” Ao Espírito:
─ Considerando-se que não conheceis a prece, quereis conhecê-la e escrever
uma ditada por nós?
─ Eu quero muito.
Ditada por nós, ele escreveu a seguinte: “Ó meu Deus! Prometo abrir minha alma ao arrependimento. Fazei penetrar no meu coração um raio de amor por meus irmãos, única coisa que me pode purificar. E, como garantia desse desejo, aqui faço a promessa de...” (O fim da frase seria: Cessar minha obsessão, mas o Espírito não escreveu estas três palavras). Acrescentou: “Alto lá! Quereis arrastar-me sem me avisar. Cuidado! Não gosto de ciladas. Andais muito depressa.” E como quiséssemos saber a origem de sua vingança e de seu ciúme, ele respondeu: “Não me faleis jamais da menina. Assim só me afastaríeis de vós.”
A crise do dia 13 durou apenas cerca de meia hora e a luta com o Espírito foi seguida de sorrisos de felicidade, de êxtase e de lágrimas de alegria. Com os olhos muito abertos, a menina apresentava um quadro deslumbrante: juntando as mãos, erguia-se no leito e olhava o céu. As predições da pequena Cárita estavam realizadas em todos os pontos.
Na evocação havida à noite, como nos dias anteriores, o Espírito de Júlio mostrou-se mais suave e submisso, e novamente prometeu moderar os seus ataques contra a menina, cuja história jamais quis contar. Até prometeu orar.
Disse-nos o guia do médium:
“Não confieis muito em suas palavras. Elas podem ser sinceras, mas ele bem poderia enganar-vos para se livrar de vós. Mantende-vos em guarda. Cobrai as suas promessas, e se mais tarde tiverdes que censurá-lo, fazei-o com suavidade, para que note os bons sentimentos que tendes em relação a ele.
“LOUIS DAVID.”
“Aceito, posto não conheça o valor dessa mercadoria.” Ao Espírito:
─ Considerando-se que não conheceis a prece, quereis conhecê-la e escrever
uma ditada por nós?
─ Eu quero muito.
Ditada por nós, ele escreveu a seguinte: “Ó meu Deus! Prometo abrir minha alma ao arrependimento. Fazei penetrar no meu coração um raio de amor por meus irmãos, única coisa que me pode purificar. E, como garantia desse desejo, aqui faço a promessa de...” (O fim da frase seria: Cessar minha obsessão, mas o Espírito não escreveu estas três palavras). Acrescentou: “Alto lá! Quereis arrastar-me sem me avisar. Cuidado! Não gosto de ciladas. Andais muito depressa.” E como quiséssemos saber a origem de sua vingança e de seu ciúme, ele respondeu: “Não me faleis jamais da menina. Assim só me afastaríeis de vós.”
A crise do dia 13 durou apenas cerca de meia hora e a luta com o Espírito foi seguida de sorrisos de felicidade, de êxtase e de lágrimas de alegria. Com os olhos muito abertos, a menina apresentava um quadro deslumbrante: juntando as mãos, erguia-se no leito e olhava o céu. As predições da pequena Cárita estavam realizadas em todos os pontos.
Na evocação havida à noite, como nos dias anteriores, o Espírito de Júlio mostrou-se mais suave e submisso, e novamente prometeu moderar os seus ataques contra a menina, cuja história jamais quis contar. Até prometeu orar.
Disse-nos o guia do médium:
“Não confieis muito em suas palavras. Elas podem ser sinceras, mas ele bem poderia enganar-vos para se livrar de vós. Mantende-vos em guarda. Cobrai as suas promessas, e se mais tarde tiverdes que censurá-lo, fazei-o com suavidade, para que note os bons sentimentos que tendes em relação a ele.
“LOUIS DAVID.”
No dia 14, a crise foi tão curta quanto na véspera e ainda menos viva. Foi igualmente seguida de êxtase e de manifestações de alegria. As lágrimas que corriam pelas faces da criança causavam nos assistentes uma emoção que eles não podiam ocultar.
Reunidos à noite, às 8 horas, como de costume, recebemos, de começo, esta comunicação:
“Como deveis ter notado, algo de mais sensível hoje se produziu na menina. Devemos dizer-vos que nossa presença influi muito sobre o Espírito. Nós lhe lembramos a promessa de ontem. A menina adquiriu novos conhecimentos no êxtase, e tentou repelir os ataques do obsessor. Na evocação de Júlio, não fazei desvios. Evitai os detalhes que fatigam uns aos outros. Sede francos e benevolentes com ele e o tereis mais cedo. Ele deu um grande passo à frente, como notamos nesta última crise.
“PEQUENA CÁRITA.”
Reunidos à noite, às 8 horas, como de costume, recebemos, de começo, esta comunicação:
“Como deveis ter notado, algo de mais sensível hoje se produziu na menina. Devemos dizer-vos que nossa presença influi muito sobre o Espírito. Nós lhe lembramos a promessa de ontem. A menina adquiriu novos conhecimentos no êxtase, e tentou repelir os ataques do obsessor. Na evocação de Júlio, não fazei desvios. Evitai os detalhes que fatigam uns aos outros. Sede francos e benevolentes com ele e o tereis mais cedo. Ele deu um grande passo à frente, como notamos nesta última crise.
“PEQUENA CÁRITA.”
1.
Evocação de Júlio
─ Eis-me aqui, senhores.
2.
─ Quais são as vossas disposições de hoje? ─ São
boas.
3.
─ Sentistes os efeitos de nossas preces?
─ Não muito.
4.
─ Perdoai à vossa vítima e sentireis uma
satisfação que não conheceis. É o que sentimos no perdão das injúrias.
─ Eu! Muito pelo contrário. Eu encontrava minha satisfação na
vingança de uma injúria. A isto chamo pagar as dívidas.
5.
─ Mas o sentimento de ódio que conservais na
alma é um sentimento penoso que está longe de vos dar tranquilidade.
─ Acreditaríeis se eu vos dissesse que é o
apego?
6.
─ Acreditamos. Contudo, tende a bondade de
explicar como conciliais esse apego com a vingança que exercitais. O que era
para vós o Espírito dessa criança numa outra existência, e o que fez ela para
merecer esse rigor?
─ Inútil que mo pergunteis. Eu já vos
disse: não me faleis dessa menina.
7.
─ Pois bem. Não falemos mais nisso, mas devemos
felicitar-vos pela mudança em vós operada. Estamos felizes por isso.
─ Fiz progressos em vossa escola... Que vão dizer os
outros?... Eles vão me vaiar e gritar: Ah! Tu te fazes eremita!
8.
─ Que vos importa sua troça, se tendes os
louvores dos bons Espíritos? ─ É verdade.
9.
─ Olhai! Para provar aos maus Espíritos, vossos
antigos companheiros, que rompeis completamente com eles, deveríeis perdoar
inteiramente, a partir de hoje; mostrar-vos generoso e bom, deixando de modo
absoluto a jovem pela qual nos interessamos.
─ Meu caro senhor, é impossível. Isto não pode acontecer de modo tão pronto. Deixai que eu me desfaça pouco a pouco do que me é uma
necessidade. Sabeis a que vos exporíeis se eu parasse subitamente? A me ver
voltar subitamente. Contudo, quero vos prometer uma coisa: poupar a menina e
torturá-la amanhã menos do que hoje. Mas para isso imponho uma condição, a de
aqui não ser trazido à força. Eu quero vir livremente, ao vosso apelo, e se
faltar à minha palavra, concordo em perder este favor. Devo dizer-vos que essa
mudança em mim é devida a essa figura radiosa que aí está, junto de vós, e que
também vejo ao pé do leito da menina, todos os dias, no momento da luta. Nós
somos tocados, malgrado nosso. Sem isto, vós e os vossos santos teríeis
dificuldades por alguns dias. (O Espírito referia-se à pequena Cárita).
10.
─ Então ela é bonita?
─ Bela, muito bela, ó sim!
11.
─ Mas ela não está sozinha junto de vós durante
as lutas?
─ Oh não! Há os outros, os antigos do corpo, os amigos. Aquilo não ri nunca, mas agora zombo muito
deles.
OBSERVAÇÃO: O interrogante sem dúvida queria falar dos outros
bons Espíritos, mas Júlio faz alusão aos maus Espíritos, seus companheiros.
12.
─ Vamos! Antes de nos deixar, prometemos esta
noite orar por vós.
─ Eu peço dez orações. Dizei-as
de coração, e amanhã estareis contentes comigo.
13.
─ Então, que sejam dez. E desde que estais com
tão boas disposições, quereis escrever de coração uma prece de três palavras,
ditada por mim? ─ De boa vontade.
O Espírito escreveu: “Ó meu Deus, dai-me a
força de perdoar.”
A 15 de janeiro deu-se a crise, como sempre, às 5 da tarde,
mas durou apenas quinze minutos. A luta foi fraca e seguida de êxtase, sorrisos
e lágrimas, que exprimiam alegria e felicidade.
Na reunião noturna, a pequena Cárita nos
deu a comunicação seguinte:
“Meus caros protegidos, conforme à expectativa que vos demos, o fenômeno espírita que se passa aos vossos olhos se modifica, melhora dia a dia, perdendo seu caráter de gravidade. Para começar um conselho: Que isto seja para vós um tema de estudo, do ponto de vista das torturas físicas, e de estudos morais. Aos olhos do mundo, não façais sinais exteriores e não digais palavras inúteis. Que vos importa o que dirão? Deixai a discussão aos ociosos. Que o objetivo prático, isto é, a libertação desta menina e a melhora do Espírito que a obsidia, seja o elemento de vossas conversas íntimas e sérias. Não faleis de cura em voz alta. Pedi-a a Deus no recolhimento da prece.
“Sinto-me feliz ao dizer-vos que esta obsessão chega ao fim. O Espírito de Júlio melhorou sensivelmente. Também eu, com todas minhas possibilidades, agi sobre o Espírito da menina, a fim de que essas duas naturezas tão opostas se tornassem mais compatíveis. A combinação dos fluidos não oferecerá mais nenhum perigo real em relação ao organismo, e o desmoronamento que sentia esse corpo jovem ao contacto fluídico desaparece sensivelmente. Vosso trabalho não está acabado. A prece de todos deve sempre preceder e seguir a evocação.
“PEQUENA CÁRITA.”
Após a evocação de Júlio e a prece na qual ele é qualificado de Espírito mau, diz ele:
─ Eis-me aqui. Em nome da justiça, peço a reforma de certas palavras de vossa prece. Eu reformei os meus atos. Reformai as qualificações que me endereçais.
─ Tendes razão. Não cometeremos mais essa falha. Hoje viestes sem constrangimento?
─ Sim, vim livremente. Mantive minhas promessas.
─ Agora que estais calmo e com bons sentimentos, concordais em nos confiar os motivos de vosso rigor para com a menina?
─ Por favor, deixai o passado. Quando o mal está cauterizado, para que revolver a ferida? Ah! Sinto que o homem deve tornar-se melhor. Tenho horror ao meu passado e olho o futuro com esperança. Quando uma boca de anjo vos diz: A vingança é uma tortura para quem a exerce; o amor é a felicidade para aquele que o prodigaliza, ah! esse fermento que azeda e murcha o coração se extingue. É preciso amar.
“Estais admirados de minhas palavras? Elas não são criação minha. Elas me foram ensinadas, e eu tenho prazer em vo-las repetir. Ah! Como seríeis felizes se apenas por um minuto percebêsseis este anjo, radioso como um sol, bom e suave como um orvalho refrescante que cai em gotinhas finas sobre uma planta queimada pelo fogo do dia! Como vedes, não tenho dificuldade para falar, pois eu bebo na fonte.
“Um rápido golpe de vista sobre a minha vida vagabunda:
“Nascido no seio da miséria ligada ao vício, cedo saboreei os amores grosseiros da vida. Suguei com o leite a beberagem envenenada que me ofereciam todas as paixões. Eu vagava sem fé, sem lei, sem honra. Quando se tem que viver ao acaso, tudo é bom. A galinha do camponês, como o carneiro do castelão, servia-nos de refeição. A pilhagem era a minha ocupação, quando sem dúvida o acaso, pois não creio que a Providência vele sobre semelhantes celerados, me tomou e me equipou. Orgulhoso da roupa surrada que substituía os meus trapos, de alabarda na mão, unime a um bando de... maus companheiros, vivendo às custas de um senhor poltrão cuja estatura, por sua vez, superava a dos companheiros. Mas, que nos importava, a nós, a fonte de onde corriam para as nossas mãos a moeda e as provisões! Não entrarei em detalhes de fatos que me são pessoais. Eles são maus, horríveis e indignos de serem contados. Compreendeis que, educada em semelhante escola, a gente pode tornar-se um homem de bem?
“Separado pela morte, o bando foi reconstituir-se no mundo dos Espíritos. Longe de evitar as ocasiões de fazer o mal, nós o buscávamos. Em meus passeios errantes, encontrei uma vítima a fazer, e a fiz. Vós sabeis o resto.
“Por favor, senhores, orai também pelo bando. Por vezes vos admirais que uma região contenha mais malfeitores que outras. É muito simples. Não querendo separar-se, caem sobre uma região como uma nuvem de gafanhotos. Aos lobos as florestas, aos pombos os pombais.
“Eu tinha vivido essa existência terrena ao tempo de Luís XIII. Minha última existência foi sob o Império. Fui guerrilheiro. O bacamarte e o chapéu cônico enfeitado me agradavam muito. Eu amava o perigo, o roubo e as aventuras. Triste gosto! direis. Mas que fazer alhures? Eu estava habituado a viver nos bandos.
Deveis estar admirados da mudança sofrida: é obra de um anjo.
“Nada vos prometo para amanhã. Julgar-me-eis por meus atos.
“Uma prece, por favor. Por minha vez, vou fazer uma:
“Anjinho, abre as tuas asas; alça teu voo para o trono do Senhor; pede-lhe o meu perdão, pondo a seus pés o meu arrependimento.
“JÚLIO.”
─ Eis-me aqui. Em nome da justiça, peço a reforma de certas palavras de vossa prece. Eu reformei os meus atos. Reformai as qualificações que me endereçais.
─ Tendes razão. Não cometeremos mais essa falha. Hoje viestes sem constrangimento?
─ Sim, vim livremente. Mantive minhas promessas.
─ Agora que estais calmo e com bons sentimentos, concordais em nos confiar os motivos de vosso rigor para com a menina?
─ Por favor, deixai o passado. Quando o mal está cauterizado, para que revolver a ferida? Ah! Sinto que o homem deve tornar-se melhor. Tenho horror ao meu passado e olho o futuro com esperança. Quando uma boca de anjo vos diz: A vingança é uma tortura para quem a exerce; o amor é a felicidade para aquele que o prodigaliza, ah! esse fermento que azeda e murcha o coração se extingue. É preciso amar.
“Estais admirados de minhas palavras? Elas não são criação minha. Elas me foram ensinadas, e eu tenho prazer em vo-las repetir. Ah! Como seríeis felizes se apenas por um minuto percebêsseis este anjo, radioso como um sol, bom e suave como um orvalho refrescante que cai em gotinhas finas sobre uma planta queimada pelo fogo do dia! Como vedes, não tenho dificuldade para falar, pois eu bebo na fonte.
“Um rápido golpe de vista sobre a minha vida vagabunda:
“Nascido no seio da miséria ligada ao vício, cedo saboreei os amores grosseiros da vida. Suguei com o leite a beberagem envenenada que me ofereciam todas as paixões. Eu vagava sem fé, sem lei, sem honra. Quando se tem que viver ao acaso, tudo é bom. A galinha do camponês, como o carneiro do castelão, servia-nos de refeição. A pilhagem era a minha ocupação, quando sem dúvida o acaso, pois não creio que a Providência vele sobre semelhantes celerados, me tomou e me equipou. Orgulhoso da roupa surrada que substituía os meus trapos, de alabarda na mão, unime a um bando de... maus companheiros, vivendo às custas de um senhor poltrão cuja estatura, por sua vez, superava a dos companheiros. Mas, que nos importava, a nós, a fonte de onde corriam para as nossas mãos a moeda e as provisões! Não entrarei em detalhes de fatos que me são pessoais. Eles são maus, horríveis e indignos de serem contados. Compreendeis que, educada em semelhante escola, a gente pode tornar-se um homem de bem?
“Separado pela morte, o bando foi reconstituir-se no mundo dos Espíritos. Longe de evitar as ocasiões de fazer o mal, nós o buscávamos. Em meus passeios errantes, encontrei uma vítima a fazer, e a fiz. Vós sabeis o resto.
“Por favor, senhores, orai também pelo bando. Por vezes vos admirais que uma região contenha mais malfeitores que outras. É muito simples. Não querendo separar-se, caem sobre uma região como uma nuvem de gafanhotos. Aos lobos as florestas, aos pombos os pombais.
“Eu tinha vivido essa existência terrena ao tempo de Luís XIII. Minha última existência foi sob o Império. Fui guerrilheiro. O bacamarte e o chapéu cônico enfeitado me agradavam muito. Eu amava o perigo, o roubo e as aventuras. Triste gosto! direis. Mas que fazer alhures? Eu estava habituado a viver nos bandos.
Deveis estar admirados da mudança sofrida: é obra de um anjo.
“Nada vos prometo para amanhã. Julgar-me-eis por meus atos.
“Uma prece, por favor. Por minha vez, vou fazer uma:
“Anjinho, abre as tuas asas; alça teu voo para o trono do Senhor; pede-lhe o meu perdão, pondo a seus pés o meu arrependimento.
“JÚLIO.”
Pergunta. ─ Já que estais em tão bom caminho, pedi a Deus pela pobre menina...
Resposta. ─ Não posso... seria uma irrisão ou uma crueldade que o carrasco abraçasse a sua vítima.
No dia seguinte, 16 de janeiro, a menina não teve crises, mas apenas mal-estar no estômago. Aos nossos olhos tinha-se operado a libertação.
À noite, às 8 horas, respondendo ao nosso chamado, o Espírito de Júlio deu a comunicação seguinte:
“Meus amigos, permiti-me este nome. Eu, o Espírito obsessor, o Espírito mau, astucioso e perverso; eu, que ainda há poucos dias atolava-me no mal e nisso tinha prazer, vou, com o auxílio do anjo, vos pregar moral. Eu mesmo me sinto surpreso com esta mudança e me pergunto se quem fala sou eu mesmo.
“Eu acreditava que estivesse extinto em minha alma todo sentimento, mas uma fibra ainda vibrava. O anjo a adivinhou e a tocou. Começo a ver e a sentir.
“O mal me causa horror. Lancei um olhar sobre o meu passado e só vi crimes. Uma voz suave me disse: Espera; contempla a alegria e a felicidade dos bons Espíritos; purifica-te; perdoa, em vez de vingar-te; ama em vez de odiar. Também eu te amarei, eu mesma, se quiseres amar, se te tornares melhor. Eu me senti enternecido. Agora compreendo a felicidade que experimentarão os homens, quando souberem praticar a caridade.
“Mocinha, (Ele se dirige à criança presente à sessão) tu, que eu havia escolhido para minha presa, como o abutre a suave pomba, ora por mim, e que o nome do reprovado se apague de tua memória. Recebi o batismo de amor das mãos do anjo do Senhor, e hoje visto a túnica da inocência. Pobre criança, desejo que tuas preces dirigidas ao Senhor em minha intenção em breve me livrem do remorso que me vai acompanhar como uma expiação justamente merecida.
“Meus amigos, por favor, continuai também vossas preces por meus miseráveis companheiros, que me perseguem com sua inveja maldosa, porque lhes escapo. Ainda ontem eu me perguntava o que diriam eles de mim. Hoje eu lhes digo: Eu venci. Meu passado está perdoado, pois eu soube arrepender-me. Fazei como eu. Travai a batalha contra o mal, que vos mantém cativos nesse lugar de tormentos e de desespero, e saí dele como vencedores. Se, como a vossa, a minha mão criminosa mergulhou no sangue, ela vos levará a água santa da prece que lava os estigmas do reprovado. Meu Deus, perdão!
“Obrigado, meus amigos, pelo bem que me fizestes. Pedir-vos-ei para ficar junto de vós, a partir de hoje, para assistir às vossas reuniões. Preciso beber na boa fonte, conselhos para preencher uma nova existência que pedirei a Deus, quando tiver sofrido a expiação de meu passado infame que a consciência me censura.
“JÚLIO.”
Resposta. ─ Não posso... seria uma irrisão ou uma crueldade que o carrasco abraçasse a sua vítima.
No dia seguinte, 16 de janeiro, a menina não teve crises, mas apenas mal-estar no estômago. Aos nossos olhos tinha-se operado a libertação.
À noite, às 8 horas, respondendo ao nosso chamado, o Espírito de Júlio deu a comunicação seguinte:
“Meus amigos, permiti-me este nome. Eu, o Espírito obsessor, o Espírito mau, astucioso e perverso; eu, que ainda há poucos dias atolava-me no mal e nisso tinha prazer, vou, com o auxílio do anjo, vos pregar moral. Eu mesmo me sinto surpreso com esta mudança e me pergunto se quem fala sou eu mesmo.
“Eu acreditava que estivesse extinto em minha alma todo sentimento, mas uma fibra ainda vibrava. O anjo a adivinhou e a tocou. Começo a ver e a sentir.
“O mal me causa horror. Lancei um olhar sobre o meu passado e só vi crimes. Uma voz suave me disse: Espera; contempla a alegria e a felicidade dos bons Espíritos; purifica-te; perdoa, em vez de vingar-te; ama em vez de odiar. Também eu te amarei, eu mesma, se quiseres amar, se te tornares melhor. Eu me senti enternecido. Agora compreendo a felicidade que experimentarão os homens, quando souberem praticar a caridade.
“Mocinha, (Ele se dirige à criança presente à sessão) tu, que eu havia escolhido para minha presa, como o abutre a suave pomba, ora por mim, e que o nome do reprovado se apague de tua memória. Recebi o batismo de amor das mãos do anjo do Senhor, e hoje visto a túnica da inocência. Pobre criança, desejo que tuas preces dirigidas ao Senhor em minha intenção em breve me livrem do remorso que me vai acompanhar como uma expiação justamente merecida.
“Meus amigos, por favor, continuai também vossas preces por meus miseráveis companheiros, que me perseguem com sua inveja maldosa, porque lhes escapo. Ainda ontem eu me perguntava o que diriam eles de mim. Hoje eu lhes digo: Eu venci. Meu passado está perdoado, pois eu soube arrepender-me. Fazei como eu. Travai a batalha contra o mal, que vos mantém cativos nesse lugar de tormentos e de desespero, e saí dele como vencedores. Se, como a vossa, a minha mão criminosa mergulhou no sangue, ela vos levará a água santa da prece que lava os estigmas do reprovado. Meu Deus, perdão!
“Obrigado, meus amigos, pelo bem que me fizestes. Pedir-vos-ei para ficar junto de vós, a partir de hoje, para assistir às vossas reuniões. Preciso beber na boa fonte, conselhos para preencher uma nova existência que pedirei a Deus, quando tiver sofrido a expiação de meu passado infame que a consciência me censura.
“JÚLIO.”
A 17 de janeiro, conforme a promessa de Júlio, a menina não experimentou nenhum mal-estar, nem mesmo no estômago. A pequena Cárita anunciou que ela sofreria uma prova moral, às cinco da tarde, durante alguns dias, ou durante o sono, prova que nada teria de penoso para ela, e cujos únicos sintomas seriam sorrisos e doces lágrimas, o que realmente aconteceu, durante dois dias. Nos dias seguintes houve a mais completa ausência do menor indício de crise. Nem por isso deixamos de observar a menina e de orar.
A 18 de fevereiro a Pequena Cárita nos ditou esta instrução:
“Meus bons amigos, bani todo o medo. A obsessão está acabada e bem acabada. Uma ordem de coisas estranhas para vós, mas que em breve vos parecerão muito naturais, será talvez a consequência desta obsessão, mas não obra de Júlio. Alguns desenvolvimentos aqui são necessários como ensinamento.
“Hoje, que conheceis a doutrina, a obsessão ou subjugação do ser material se vos apresenta não como um fenômeno sobrenatural, mas apenas com um caráter diferente das doenças orgânicas.
“O Espírito que subjuga penetra o perispírito do ser sobre o qual quer agir. O perispírito do obsedado recebe como um envoltório o corpo fluídico do Espírito estranho e, por esse meio, é atingido em todo o seu ser. O corpo material experimenta a pressão sobre ele exercida de maneira indireta.
“Pareceu estranho que a alma tenha podido agir fisicamente sobre a matéria animada. É ela, entretanto, que é autora de todos esses fatos. Ela tem por atributos a inteligência e a vontade. Por sua vontade, ela dirige, e o perispírito, que é de uma natureza semimaterial, é o instrumento do qual ela se serve.
“O mal físico é aparente, mas a combinação fluídica, que vossos sentidos não podem captar, esconde um número infinito de mistérios que se revelarão com o progresso da doutrina, considerada do ponto de vista científico.
“Quando o Espírito abandona a sua vítima, sua vontade não age mais sobre o corpo, mas a impressão que o perispírito recebeu pelo fluido estranho de que foi carregado não se apaga de repente, e continua ainda por algum tempo a influenciar o organismo. No caso de vossa jovem doente: tristeza, lágrimas, langores, insônia, distúrbios vagos, tais são os efeitos que poderão produzir-se em consequência dessa libertação, mas, tende certeza, e assegurai à menina e à sua família que essas consequências não lhes oferecerão perigo.
“Meu dever me chama, de maneira especial, a levar a bom termo o trabalho que convosco iniciei. Agora é preciso agir sobre o próprio Espírito da menina, por uma suave e salutar influência moralizadora.
“Quanto a vós, meus amigos, continuai a orar e a observar atentamente todos esses fenômenos. Estudai sem cessar, pois o campo está aberto e é vasto. Fazei conhecer e compreender todas estas coisas, e as ideias espíritas penetrarão pouco a pouco no espírito de vossos irmãos, que o aparecimento da doutrina encontrou incrédulos ou indiferentes.
“PEQUENA CÁRITA.”
“Meus bons amigos, bani todo o medo. A obsessão está acabada e bem acabada. Uma ordem de coisas estranhas para vós, mas que em breve vos parecerão muito naturais, será talvez a consequência desta obsessão, mas não obra de Júlio. Alguns desenvolvimentos aqui são necessários como ensinamento.
“Hoje, que conheceis a doutrina, a obsessão ou subjugação do ser material se vos apresenta não como um fenômeno sobrenatural, mas apenas com um caráter diferente das doenças orgânicas.
“O Espírito que subjuga penetra o perispírito do ser sobre o qual quer agir. O perispírito do obsedado recebe como um envoltório o corpo fluídico do Espírito estranho e, por esse meio, é atingido em todo o seu ser. O corpo material experimenta a pressão sobre ele exercida de maneira indireta.
“Pareceu estranho que a alma tenha podido agir fisicamente sobre a matéria animada. É ela, entretanto, que é autora de todos esses fatos. Ela tem por atributos a inteligência e a vontade. Por sua vontade, ela dirige, e o perispírito, que é de uma natureza semimaterial, é o instrumento do qual ela se serve.
“O mal físico é aparente, mas a combinação fluídica, que vossos sentidos não podem captar, esconde um número infinito de mistérios que se revelarão com o progresso da doutrina, considerada do ponto de vista científico.
“Quando o Espírito abandona a sua vítima, sua vontade não age mais sobre o corpo, mas a impressão que o perispírito recebeu pelo fluido estranho de que foi carregado não se apaga de repente, e continua ainda por algum tempo a influenciar o organismo. No caso de vossa jovem doente: tristeza, lágrimas, langores, insônia, distúrbios vagos, tais são os efeitos que poderão produzir-se em consequência dessa libertação, mas, tende certeza, e assegurai à menina e à sua família que essas consequências não lhes oferecerão perigo.
“Meu dever me chama, de maneira especial, a levar a bom termo o trabalho que convosco iniciei. Agora é preciso agir sobre o próprio Espírito da menina, por uma suave e salutar influência moralizadora.
“Quanto a vós, meus amigos, continuai a orar e a observar atentamente todos esses fenômenos. Estudai sem cessar, pois o campo está aberto e é vasto. Fazei conhecer e compreender todas estas coisas, e as ideias espíritas penetrarão pouco a pouco no espírito de vossos irmãos, que o aparecimento da doutrina encontrou incrédulos ou indiferentes.
“PEQUENA CÁRITA.”
OBSERVAÇÃO: Devemos um justo tributo de elogios aos nossos irmãos de Marmande pelo tato, a prudência e o devotamento esclarecido de que deram prova nessa circunstância. Por este brilhante sucesso, Deus recompensou sua fé, sua perseverança e seu desinteresse moral, pois nisso não buscaram qualquer satisfação do amor-próprio. A coisa não teria sido a mesma se o orgulho tivesse manchado sua boa ação. Deus retira seus dons de quem quer que não os use com humildade. Sob o domínio do orgulho, as mais eminentes faculdades mediúnicas se pervertem, se alteram e se extinguem, porque os bons Espíritos retiram o seu concurso. As decepções, os dissabores, as desgraças efetivas, desde esta vida, muitas vezes são a consequência do desvio da faculdade de seu objetivo providencial. Poderíamos citar vários exemplos tristes, entre os médiuns que suscitavam as mais belas esperanças.
A tal respeito, nunca seria demais nos compenetrarmos das instruções contidas na Imitação do Evangelho, números 285, 326 e seguintes, 333, 392 e seguintes.
Recomendamos às preces de todos os bons espíritas o Espírito acima, do obsessor Júlio, a fim fortalecê-lo em suas boas resoluções e de lhe fazer compreender o que se ganha fazendo o bem.
A tal respeito, nunca seria demais nos compenetrarmos das instruções contidas na Imitação do Evangelho, números 285, 326 e seguintes, 333, 392 e seguintes.
Recomendamos às preces de todos os bons espíritas o Espírito acima, do obsessor Júlio, a fim fortalecê-lo em suas boas resoluções e de lhe fazer compreender o que se ganha fazendo o bem.
Algumas refutações
A história registrará a lógica singular dos contraditores do Espiritismo, da qual vamos dar alguns exemplos.
Do departamento de Haute-Marne mandam-nos a ordenação do Sr. Bispo de Langres, onde se nota a seguinte passagem:
“...A fé, eis o que os homens que se dizem amigos da Humanidade, da liberdade e do progresso, mas que, na realidade, a Sociedade deve contar entre seus mais perigosos inimigos, se esforçam, por todos os meios, para arrancar do coração das populações cristãs. Porque, é preciso dizer, nossos caríssimos irmãos, e é nosso dever, a nós que somos encarregado de velar pela guarda de vossas almas, disso vos advertir, a fim de que os nossos avisos vos tornem prudentes e precavidos, que talvez jamais se tenha visto uma conspiração mais odiosa, mais vasta, mais perigosa, mais sabiamente, isto é, mais satanicamente organizada contra a fé católica do que aquela que hoje existe. Conspiração de sociedades secretas que trabalham na sombra para aniquilar o Catolicismo, se elas pudessem; conspiração do Protestantismo que, por uma propaganda ativa, busca insinuar-se por toda parte; conspiração dos filósofos racionalistas e anticristãos, que rejeitam, sem razão e contra toda razão, o sobrenatural e a religião revelada, e que se esforçam por fazer prevalecer no mundo letrado sua falsa e funesta doutrina; conspiração das sociedades espíritas que, pela superstição prática da evocação dos Espíritos, entregam-se e incitam os outros a entregar-se à pérfida maldade do espírito de mentira e de erro; conspiração de uma literatura ímpia ou corruptora; conspiração dos maus jornais e dos maus livros, que se propagam de modo apavorante, à sombra de uma tolerância ou de uma liberdade gabada como progresso do século, como conquista do que chamam espírito moderno, e que não é senão encorajamento para o gênio do mal, um justo motivo de dor para uma nação católica, uma cilada e um perigo muito evidente para todos os fiéis de qualquer classe, não suficientemente instruídos na religião, cujo número infelizmente é grande; conspiração, enfim, desse materialismo prático que não vê, que não busca, que não persegue senão o interesse do corpo e o bem-estar físico; que não mais se ocupa da alma e de seu destino, como se ele não existisse, e cujo exemplo pernicioso seduz e arrasta facilmente as massas. Tais são, à primeira vista, caríssimos irmãos, os perigos que hoje corre a fé... etc.”
Estamos de perfeito acordo com o senhor bispo no que toca às funestas consequências do materialismo, mas é de admirar vê-lo confundir na mesma reprovação o materialismo, que tudo nega: a alma, o futuro, Deus, a Providência, com o Espiritismo, que vem combatê-lo e dele triunfa pelas provas materiais que ele dá, da existência da alma, precisamente com o auxílio dessas mesmas evocações supostamente supersticiosas. Será talvez por que ele triunfa onde a Igreja é impotente? Partilharia o senhor bispo da opinião daquele eclesiástico que dizia do púlpito: “Prefiro saber-vos fora da Igreja do que vos ver entrar para o Espiritismo!” E deste outro que dizia: “Prefiro um ateu, que em nada crê, a um espírita que crê em Deus e em sua alma.” É uma opinião como qualquer outra, e gostos não se discutem. Seja qual for a opinião do senhor bispo sobre este ponto, ficaríamos encantados se ele se dignasse responder às duas questões seguintes: “Como é que com o auxílio dos poderosos meios de ensino que a Igreja possui para fazer brilhar a verdade aos olhos de todos, não pôde ela deter o materialismo, ao passo que o Espiritismo, nascido ontem, diariamente converte incrédulos endurecidos? ─ O meio pelo qual se atinge um objetivo é pior do que aquele com cujo auxílio não se consegue?”
O senhor bispo enumera grande número de conspirações que se erguem ameaçadoras contra a religião. Certamente ele não refletiu que, por esse quadro tão ameaçador para os fiéis, ele vai precisamente contra o seu objetivo, e pode até provocar nestes últimos reflexões prejudiciais. Escutando-o, deduz-se que em breve os conspiradores seriam mais numerosos.
Ora, o que aconteceria num Estado se toda a nação conspirasse? Se a religião se vê atacada por tão numerosas coortes, isto não deporia a favor das simpatias que ela encontra. Dizer que a fé ortodoxa está ameaçada é confessar a fraqueza de seus argumentos. Se ela é fundada na verdade absoluta, ela não pode temer nenhum argumento contrário. Dar alarme em tal caso é falta de habilidade.
Do departamento de Haute-Marne mandam-nos a ordenação do Sr. Bispo de Langres, onde se nota a seguinte passagem:
“...A fé, eis o que os homens que se dizem amigos da Humanidade, da liberdade e do progresso, mas que, na realidade, a Sociedade deve contar entre seus mais perigosos inimigos, se esforçam, por todos os meios, para arrancar do coração das populações cristãs. Porque, é preciso dizer, nossos caríssimos irmãos, e é nosso dever, a nós que somos encarregado de velar pela guarda de vossas almas, disso vos advertir, a fim de que os nossos avisos vos tornem prudentes e precavidos, que talvez jamais se tenha visto uma conspiração mais odiosa, mais vasta, mais perigosa, mais sabiamente, isto é, mais satanicamente organizada contra a fé católica do que aquela que hoje existe. Conspiração de sociedades secretas que trabalham na sombra para aniquilar o Catolicismo, se elas pudessem; conspiração do Protestantismo que, por uma propaganda ativa, busca insinuar-se por toda parte; conspiração dos filósofos racionalistas e anticristãos, que rejeitam, sem razão e contra toda razão, o sobrenatural e a religião revelada, e que se esforçam por fazer prevalecer no mundo letrado sua falsa e funesta doutrina; conspiração das sociedades espíritas que, pela superstição prática da evocação dos Espíritos, entregam-se e incitam os outros a entregar-se à pérfida maldade do espírito de mentira e de erro; conspiração de uma literatura ímpia ou corruptora; conspiração dos maus jornais e dos maus livros, que se propagam de modo apavorante, à sombra de uma tolerância ou de uma liberdade gabada como progresso do século, como conquista do que chamam espírito moderno, e que não é senão encorajamento para o gênio do mal, um justo motivo de dor para uma nação católica, uma cilada e um perigo muito evidente para todos os fiéis de qualquer classe, não suficientemente instruídos na religião, cujo número infelizmente é grande; conspiração, enfim, desse materialismo prático que não vê, que não busca, que não persegue senão o interesse do corpo e o bem-estar físico; que não mais se ocupa da alma e de seu destino, como se ele não existisse, e cujo exemplo pernicioso seduz e arrasta facilmente as massas. Tais são, à primeira vista, caríssimos irmãos, os perigos que hoje corre a fé... etc.”
Estamos de perfeito acordo com o senhor bispo no que toca às funestas consequências do materialismo, mas é de admirar vê-lo confundir na mesma reprovação o materialismo, que tudo nega: a alma, o futuro, Deus, a Providência, com o Espiritismo, que vem combatê-lo e dele triunfa pelas provas materiais que ele dá, da existência da alma, precisamente com o auxílio dessas mesmas evocações supostamente supersticiosas. Será talvez por que ele triunfa onde a Igreja é impotente? Partilharia o senhor bispo da opinião daquele eclesiástico que dizia do púlpito: “Prefiro saber-vos fora da Igreja do que vos ver entrar para o Espiritismo!” E deste outro que dizia: “Prefiro um ateu, que em nada crê, a um espírita que crê em Deus e em sua alma.” É uma opinião como qualquer outra, e gostos não se discutem. Seja qual for a opinião do senhor bispo sobre este ponto, ficaríamos encantados se ele se dignasse responder às duas questões seguintes: “Como é que com o auxílio dos poderosos meios de ensino que a Igreja possui para fazer brilhar a verdade aos olhos de todos, não pôde ela deter o materialismo, ao passo que o Espiritismo, nascido ontem, diariamente converte incrédulos endurecidos? ─ O meio pelo qual se atinge um objetivo é pior do que aquele com cujo auxílio não se consegue?”
O senhor bispo enumera grande número de conspirações que se erguem ameaçadoras contra a religião. Certamente ele não refletiu que, por esse quadro tão ameaçador para os fiéis, ele vai precisamente contra o seu objetivo, e pode até provocar nestes últimos reflexões prejudiciais. Escutando-o, deduz-se que em breve os conspiradores seriam mais numerosos.
Ora, o que aconteceria num Estado se toda a nação conspirasse? Se a religião se vê atacada por tão numerosas coortes, isto não deporia a favor das simpatias que ela encontra. Dizer que a fé ortodoxa está ameaçada é confessar a fraqueza de seus argumentos. Se ela é fundada na verdade absoluta, ela não pode temer nenhum argumento contrário. Dar alarme em tal caso é falta de habilidade.
Num catecismo de perseverança da diocese de Langres, ao tratar da ordenação relatada no artigo acima, foi dada uma instrução sobre o Espiritismo, como assunto a ser tratado pelos alunos.
Eis a narração textual de um deles:
“O Espiritismo é obra do diabo, que o inventou. Entregar-se a isto é pôr-se em contacto direto com o demônio. Superstição diabólica! Por vezes Deus permite essas coisas para reavivar a fé dos fiéis. O demônio faz-se bom, faz-se santo, cita palavras das Escrituras sagradas.”
Esse meio de reanimar a fé nos parece muito mal escolhido.
“Tertuliano, que viveu no segundo século, conta que faziam falar as cabras e as mesas; é a essência da idolatria. Essas operações satânicas eram raras em certos países cristãos e hoje são muito comuns. Esse poder do demônio mostrou-se em todo o seu brilho com o aparecimento do protestantismo.”
Eis crianças bem convencidas do grande poder do demônio. Não seria o caso de temer que isto lhes fizesse duvidar um pouco do poder de Deus, quando se vê o demônio tantas vezes levar a melhor sobre ele?
“O Espiritismo nasceu na América, no seio de uma família protestante, chamada Fox. A princípio o demônio apareceu com batidas que sobressaltavam. Por fim, impacientados com as batidas, procuraram o que podia ser. Um dia a filha do Sr. Fox pôs-se a dizer: ‘Bata aqui, bata ali’, e ele batia onde ela queria.”
Sempre a excitação contra os protestantes! Assim, eis crianças educadas pela religião no ódio contra uma parte de seus concidadãos, por vezes contra membros de sua própria família! Felizmente o espírito de tolerância que reina em nossa época o contrabalança, sem o que veríamos a renovação das cenas sangrentas dos séculos passados.
“Em breve essa heresia vulgarizou-se; em breve tinha quinhentos mil sectários. Os Espíritos invisíveis se permitiam fazer toda sorte de coisas. Ao simples pedido de uma criatura, moviam-se mesas cobertas por centenas de livros; viam-se mãos sem corpo. Eis o que se passou na América, e isto veio para a França pela Espanha. Logo o Espírito foi forçado por Deus e os anjos a dizer que ele era o diabo, a fim de que ele não apanhasse em suas armadilhas as pessoas direitas.”
Julgamo-nos bem ao par da marcha do Espiritismo e jamais ouvimos dizer que tivesse chegado à França pela Espanha. Seria um ponto a retificar na história do Espiritismo?
Pela confissão dos adversários do Espiritismo, vê-se com que rapidez a ideia nova ganhava terreno. Uma ideia que, apenas surgida, conquista quinhentos mil partidários não é sem valor, e prova o caminho que fará mais tarde. Assim, dez anos depois, um deles eleva a cifra para vinte milhões só na França, e prediz que em pouco a heresia terá ganho os outros vinte milhões. (Vide a Revista Espírita de junho de 1863). Mas então, se todo o mundo é herético, que restará para a ortodoxia? Não seria o caso de aplicar a máxima: Quando todo mundo está errado, todo o mundo tem razão? Que teria respondido o instrutor se um menino terrível de seu auditório juvenil lhe tivesse feito a pergunta:
─ Como é que na primeira pregação de São Pedro ele converteu apenas três mil judeus, enquanto o Espiritismo, que é obra de Satã, fez imediatamente quinhentos mil adeptos? Seria Satã mais poderoso do que Deus?
Talvez ele lhe tivesse respondido:
─ É porque eles eram protestantes.
“Satã diz que é um bom Espírito, mas é um mentiroso. Um dia quiseram que a mesa falasse; ela não quis responder; pensaram que a presença de padres a impedia.
Por fim, vieram duas batidas, advertindo que o Espírito lá estava. Perguntaram-lhe:
─ “Jesus Cristo é filho de Deus?
─ “Não.
─ “Reconheces a santa eucaristia?
─ “Sim.
─ “A morte de Jesus Cristo aumentou os teus sofrimentos?
─ “Sim.”
Então há padres que assistem a essas sessões diabólicas. O menino terrível poderia ter perguntado por que, quando eles vêm, eles não fazem o diabo fugir?
“Eis uma cena diabólica.” Eis o que dizia o Sr. Allan Kardec: “A libertinagem dos Espíritos mistificadores ultrapassa tudo quanto se possa imaginar. Havia dois Espíritos, um representando o bom, outro, o mau. Ao cabo de alguns meses disse um deles:
“─ Estou farto de vos repetir palavras melosas, que não aceito.
“─ Então és o Espírito do mal?
“─ Sim.
“─ Não sofres falando de Deus, da virgem e dos Santos?
“─ Sim.
“─ Queres o bem ou o mal?
“─ O mal.
“─ Não és o Espírito que falava há pouco?
“─ Não.
“─ Onde estás?
“─ No inferno.
“─ Sofres?
“─ Sim.
“─ Sempre?
“─ Sim.
“─ Estás submetido a Jesus Cristo?
“─ Não, a Lúcifer.
“─ Ele é eterno?
“─ Não.
“─ Gostas do que tenho na mão? (eram medalhas da santa Virgem)
“─ Não. Julguei inspirar-vos confiança; o inferno me reclama; adeus!”
Sem dúvida esse relato é dramático, mas seria muito hábil aquele que provasse que temos algo com isso. É triste ver a que expedientes são obrigados a recorrer para dar fé. Eles esquecem que essas crianças crescerão e refletirão. A fé que repousa sobre tais provas tem razão de temer as conspirações.
“Acabamos de ver o Espírito do mal forçado a confessar o que é. Eis outra frase que o lápis na mão do médium escrevia: ‘Se queres entregar-te a mim, alma, espírito e corpo, satisfarei os teus desejos; se queres estar comigo, escreve teu nome embaixo do meu’; e ele escrevia: Giefle ou Satã. O médium tremia e não escrevia.
Ele tinha razão. Todas as sessões terminam por estas palavras:
“─ Queres aderir?
“O demônio queria que fizessem um pacto com ele. Um dia ele disse a alguém:
“─ Entrega-me a tua alma!
“─ Quem és tu?
“─ Sou o demônio.
“─ Que queres?
“─ Possuir-te. O purgatório não existe. Os celerados, os maus, tudo isto no Céu.”
Que dirão essas crianças quando testemunharem algumas evocações e, em vez de um pacto infernal, ouvirem isto dos Espíritos: “Amai a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a vós mesmos; praticai a caridade ensinada pelo Cristo; sede bons para com todos, mesmo os vossos inimigos; orai a Deus e segui os seus mandamentos para serdes felizes neste mundo e no outro?”
“Todos esses prodígios, todas essas coisas extraordinárias vêm dos Espíritos das trevas. O Sr. Home, espírita fervoroso, nos diz que por vezes o solo trepida sob os seus pés, os apartamentos tremem, as pessoas se arrepiam; uma invisível mão apalpa-vos os joelhos e os ombros; uma mesa pula. Perguntam: “─ Estás aí?
“─ Sim.
“─ Dá provas.
“E a mesa se ergue duas vezes!”
Uma vez mais, isto tudo é muito dramático. No entanto, entre os jovens ouvintes, mais de um sem dúvida desejou ver e não perderá a primeira oportunidade. Também serão encontradas mocinhas impressionáveis, de organização delicada, que, ao menor prurido, julgarão sentir a mão do diabo e sentir-se-ão mal.
“Todas essas coisas são ridículas. A Santa Igreja, mãe de todos nós, nos faz ver que isto não passa de mentira.”
Se tudo isto for ridículo e mentiroso, por que então dar tanta importância? Por que apavorar as crianças com quadros sem nenhuma realidade? Se há mentira, não é nesses mesmos quadros?
“Por exemplo, a evocação dos mortos. Não se deve crer que sejam os nossos parentes que nos falam: é Satã que fala e se dá por um morto. Certamente estamos em comunicação pela comunhão dos santos. Na vida dos santos temos exemplos de aparições de mortos, mas é um milagre da sabedoria divina, e esses milagres são raros. Eis o que se diz: Às vezes os demônios se manifestam como se fossem os mortos, e às vezes também como se fossem os santos.”
Às vezes não é sempre, portanto, pode acontecer que o Espírito que se comunica não seja um demônio.
“Eles podem fazer muitas outras coisas. Um dia um médium que não sabia desenhar reproduziu, com a mão conduzida por um Espírito, as figuras de Jesus Cristo e da Santa Virgem que, apresentadas a alguns dos nossos melhores artistas, foram julgadas dignas de ser expostas.”
Ouvindo isto, um aluno bem poderia pensar: Ah! Se um Espírito pudesse guiar a minha mão para fazer meu dever e ganhar um prêmio! Tentemos!
“Saul consultou a Pitoniza de Endor e Deus permitiu que Samuel lhe aparecesse para dizer: Por que perturbas o meu repouso? Amanhã estarás comigo no túmulo. Nossos Saúis de salão bem deveriam pensar nesta história. São Felipe de Neri nos diz: Se a Santa Virgem vos aparecesse, ou mesmo Nosso Senhor Jesus Cristo, cuspi-lhe no rosto, pois seria apenas uma trapaça do demônio para vos induzir em erro.”
A que se reduz, então, a aparição de Nossa Senhora da Salete a duas pobres crianças? Conforme essa instrução do catecismo, deveriam ter-lhe cuspido no rosto.
“Nosso santo padre o Papa Pio IX proibiu expressamente dar-se a essas coisas. O Sr. Bispo de Langres, e ainda muitos outros fizeram o mesmo. Há perigo de vida. Dois velhos suicidaram-se porque os Espíritos lhes haviam dito que depois da morte gozariam de uma felicidade infinita. Perigo para a razão. Vários médiuns enlouqueceram e numa casa de alienados contavam-se mais de quarenta indivíduos que o Espiritismo havia enlouquecido.”
Ainda não conhecemos a bula papal que proíbe expressamente de ocupar-se com essas coisas. Se ela existisse, o Sr. Bispo de Langres e os outros não teriam deixado de mencioná-la. A história dos dois velhos, a que se faz alusão, é inexata. Foi provado, por documentos oficiais apresentados ao tribunal, e notadamente por cartas por eles escritas antes da morte, que se suicidavam em consequência de perdas de dinheiro e do medo de cair na miséria (Vide a Revista espírita de abril de 1863). A história dos quarenta indivíduos fechados numa casa de alienados não é mais verdadeira. Seria muito difícil justificar pelos nomes desses pretensos loucos, que um primeiro jornal fixou em quatro, um segundo em quarenta, um terceiro em quatrocentos e um quinto disse que trabalhavam na ampliação do hospício. Um instrutor de catecismo deveria colher seus dados históricos em fonte outra que os boatos dos jornais. As crianças a quem contam seriamente essas coisas as aceitam com confiança. Entretanto, quanto maior a confiança, mais forte a reação contrária quando, mais tarde, vierem a saber a verdade. Isto é dito em sentido geral e não exclusivamente quanto ao Espiritismo.
Se analisamos este trabalho de um rapazinho, fique bem entendido que não é a opinião dessa criança que refutamos, mas aquela da qual essa narração é um resumo. Se fossem investigadas com cuidado todas as instruções dessa natureza, ficaríamos menos admirados dos frutos colhidos mais tarde. Para instruir a infância é necessário grande tato e muita experiência, porque não se imagina o alcance que poderá ter uma só palavra imprudente que, como um grão de erva daninha, germina nessas jovens imaginações como em terra virgem.
Parece que os adversários do Espiritismo não acham que a ideia esteja bastante espalhada. Dir-se-ia que, malgrado seu, são impelidos a engendrar meios de divulgála ainda mais. Depois dos sermões, cujo resultado é conhecido, não se podia achar um meio mais eficaz do que fazê-lo tema de instruções e deveres de catecismo. Os sermões atuam sobre a geração que se vai. As instruções predispõem a geração que chega. Erraríamos se as víssemos com desagrado.
Eis a narração textual de um deles:
“O Espiritismo é obra do diabo, que o inventou. Entregar-se a isto é pôr-se em contacto direto com o demônio. Superstição diabólica! Por vezes Deus permite essas coisas para reavivar a fé dos fiéis. O demônio faz-se bom, faz-se santo, cita palavras das Escrituras sagradas.”
Esse meio de reanimar a fé nos parece muito mal escolhido.
“Tertuliano, que viveu no segundo século, conta que faziam falar as cabras e as mesas; é a essência da idolatria. Essas operações satânicas eram raras em certos países cristãos e hoje são muito comuns. Esse poder do demônio mostrou-se em todo o seu brilho com o aparecimento do protestantismo.”
Eis crianças bem convencidas do grande poder do demônio. Não seria o caso de temer que isto lhes fizesse duvidar um pouco do poder de Deus, quando se vê o demônio tantas vezes levar a melhor sobre ele?
“O Espiritismo nasceu na América, no seio de uma família protestante, chamada Fox. A princípio o demônio apareceu com batidas que sobressaltavam. Por fim, impacientados com as batidas, procuraram o que podia ser. Um dia a filha do Sr. Fox pôs-se a dizer: ‘Bata aqui, bata ali’, e ele batia onde ela queria.”
Sempre a excitação contra os protestantes! Assim, eis crianças educadas pela religião no ódio contra uma parte de seus concidadãos, por vezes contra membros de sua própria família! Felizmente o espírito de tolerância que reina em nossa época o contrabalança, sem o que veríamos a renovação das cenas sangrentas dos séculos passados.
“Em breve essa heresia vulgarizou-se; em breve tinha quinhentos mil sectários. Os Espíritos invisíveis se permitiam fazer toda sorte de coisas. Ao simples pedido de uma criatura, moviam-se mesas cobertas por centenas de livros; viam-se mãos sem corpo. Eis o que se passou na América, e isto veio para a França pela Espanha. Logo o Espírito foi forçado por Deus e os anjos a dizer que ele era o diabo, a fim de que ele não apanhasse em suas armadilhas as pessoas direitas.”
Julgamo-nos bem ao par da marcha do Espiritismo e jamais ouvimos dizer que tivesse chegado à França pela Espanha. Seria um ponto a retificar na história do Espiritismo?
Pela confissão dos adversários do Espiritismo, vê-se com que rapidez a ideia nova ganhava terreno. Uma ideia que, apenas surgida, conquista quinhentos mil partidários não é sem valor, e prova o caminho que fará mais tarde. Assim, dez anos depois, um deles eleva a cifra para vinte milhões só na França, e prediz que em pouco a heresia terá ganho os outros vinte milhões. (Vide a Revista Espírita de junho de 1863). Mas então, se todo o mundo é herético, que restará para a ortodoxia? Não seria o caso de aplicar a máxima: Quando todo mundo está errado, todo o mundo tem razão? Que teria respondido o instrutor se um menino terrível de seu auditório juvenil lhe tivesse feito a pergunta:
─ Como é que na primeira pregação de São Pedro ele converteu apenas três mil judeus, enquanto o Espiritismo, que é obra de Satã, fez imediatamente quinhentos mil adeptos? Seria Satã mais poderoso do que Deus?
Talvez ele lhe tivesse respondido:
─ É porque eles eram protestantes.
“Satã diz que é um bom Espírito, mas é um mentiroso. Um dia quiseram que a mesa falasse; ela não quis responder; pensaram que a presença de padres a impedia.
Por fim, vieram duas batidas, advertindo que o Espírito lá estava. Perguntaram-lhe:
─ “Jesus Cristo é filho de Deus?
─ “Não.
─ “Reconheces a santa eucaristia?
─ “Sim.
─ “A morte de Jesus Cristo aumentou os teus sofrimentos?
─ “Sim.”
Então há padres que assistem a essas sessões diabólicas. O menino terrível poderia ter perguntado por que, quando eles vêm, eles não fazem o diabo fugir?
“Eis uma cena diabólica.” Eis o que dizia o Sr. Allan Kardec: “A libertinagem dos Espíritos mistificadores ultrapassa tudo quanto se possa imaginar. Havia dois Espíritos, um representando o bom, outro, o mau. Ao cabo de alguns meses disse um deles:
“─ Estou farto de vos repetir palavras melosas, que não aceito.
“─ Então és o Espírito do mal?
“─ Sim.
“─ Não sofres falando de Deus, da virgem e dos Santos?
“─ Sim.
“─ Queres o bem ou o mal?
“─ O mal.
“─ Não és o Espírito que falava há pouco?
“─ Não.
“─ Onde estás?
“─ No inferno.
“─ Sofres?
“─ Sim.
“─ Sempre?
“─ Sim.
“─ Estás submetido a Jesus Cristo?
“─ Não, a Lúcifer.
“─ Ele é eterno?
“─ Não.
“─ Gostas do que tenho na mão? (eram medalhas da santa Virgem)
“─ Não. Julguei inspirar-vos confiança; o inferno me reclama; adeus!”
Sem dúvida esse relato é dramático, mas seria muito hábil aquele que provasse que temos algo com isso. É triste ver a que expedientes são obrigados a recorrer para dar fé. Eles esquecem que essas crianças crescerão e refletirão. A fé que repousa sobre tais provas tem razão de temer as conspirações.
“Acabamos de ver o Espírito do mal forçado a confessar o que é. Eis outra frase que o lápis na mão do médium escrevia: ‘Se queres entregar-te a mim, alma, espírito e corpo, satisfarei os teus desejos; se queres estar comigo, escreve teu nome embaixo do meu’; e ele escrevia: Giefle ou Satã. O médium tremia e não escrevia.
Ele tinha razão. Todas as sessões terminam por estas palavras:
“─ Queres aderir?
“O demônio queria que fizessem um pacto com ele. Um dia ele disse a alguém:
“─ Entrega-me a tua alma!
“─ Quem és tu?
“─ Sou o demônio.
“─ Que queres?
“─ Possuir-te. O purgatório não existe. Os celerados, os maus, tudo isto no Céu.”
Que dirão essas crianças quando testemunharem algumas evocações e, em vez de um pacto infernal, ouvirem isto dos Espíritos: “Amai a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a vós mesmos; praticai a caridade ensinada pelo Cristo; sede bons para com todos, mesmo os vossos inimigos; orai a Deus e segui os seus mandamentos para serdes felizes neste mundo e no outro?”
“Todos esses prodígios, todas essas coisas extraordinárias vêm dos Espíritos das trevas. O Sr. Home, espírita fervoroso, nos diz que por vezes o solo trepida sob os seus pés, os apartamentos tremem, as pessoas se arrepiam; uma invisível mão apalpa-vos os joelhos e os ombros; uma mesa pula. Perguntam: “─ Estás aí?
“─ Sim.
“─ Dá provas.
“E a mesa se ergue duas vezes!”
Uma vez mais, isto tudo é muito dramático. No entanto, entre os jovens ouvintes, mais de um sem dúvida desejou ver e não perderá a primeira oportunidade. Também serão encontradas mocinhas impressionáveis, de organização delicada, que, ao menor prurido, julgarão sentir a mão do diabo e sentir-se-ão mal.
“Todas essas coisas são ridículas. A Santa Igreja, mãe de todos nós, nos faz ver que isto não passa de mentira.”
Se tudo isto for ridículo e mentiroso, por que então dar tanta importância? Por que apavorar as crianças com quadros sem nenhuma realidade? Se há mentira, não é nesses mesmos quadros?
“Por exemplo, a evocação dos mortos. Não se deve crer que sejam os nossos parentes que nos falam: é Satã que fala e se dá por um morto. Certamente estamos em comunicação pela comunhão dos santos. Na vida dos santos temos exemplos de aparições de mortos, mas é um milagre da sabedoria divina, e esses milagres são raros. Eis o que se diz: Às vezes os demônios se manifestam como se fossem os mortos, e às vezes também como se fossem os santos.”
Às vezes não é sempre, portanto, pode acontecer que o Espírito que se comunica não seja um demônio.
“Eles podem fazer muitas outras coisas. Um dia um médium que não sabia desenhar reproduziu, com a mão conduzida por um Espírito, as figuras de Jesus Cristo e da Santa Virgem que, apresentadas a alguns dos nossos melhores artistas, foram julgadas dignas de ser expostas.”
Ouvindo isto, um aluno bem poderia pensar: Ah! Se um Espírito pudesse guiar a minha mão para fazer meu dever e ganhar um prêmio! Tentemos!
“Saul consultou a Pitoniza de Endor e Deus permitiu que Samuel lhe aparecesse para dizer: Por que perturbas o meu repouso? Amanhã estarás comigo no túmulo. Nossos Saúis de salão bem deveriam pensar nesta história. São Felipe de Neri nos diz: Se a Santa Virgem vos aparecesse, ou mesmo Nosso Senhor Jesus Cristo, cuspi-lhe no rosto, pois seria apenas uma trapaça do demônio para vos induzir em erro.”
A que se reduz, então, a aparição de Nossa Senhora da Salete a duas pobres crianças? Conforme essa instrução do catecismo, deveriam ter-lhe cuspido no rosto.
“Nosso santo padre o Papa Pio IX proibiu expressamente dar-se a essas coisas. O Sr. Bispo de Langres, e ainda muitos outros fizeram o mesmo. Há perigo de vida. Dois velhos suicidaram-se porque os Espíritos lhes haviam dito que depois da morte gozariam de uma felicidade infinita. Perigo para a razão. Vários médiuns enlouqueceram e numa casa de alienados contavam-se mais de quarenta indivíduos que o Espiritismo havia enlouquecido.”
Ainda não conhecemos a bula papal que proíbe expressamente de ocupar-se com essas coisas. Se ela existisse, o Sr. Bispo de Langres e os outros não teriam deixado de mencioná-la. A história dos dois velhos, a que se faz alusão, é inexata. Foi provado, por documentos oficiais apresentados ao tribunal, e notadamente por cartas por eles escritas antes da morte, que se suicidavam em consequência de perdas de dinheiro e do medo de cair na miséria (Vide a Revista espírita de abril de 1863). A história dos quarenta indivíduos fechados numa casa de alienados não é mais verdadeira. Seria muito difícil justificar pelos nomes desses pretensos loucos, que um primeiro jornal fixou em quatro, um segundo em quarenta, um terceiro em quatrocentos e um quinto disse que trabalhavam na ampliação do hospício. Um instrutor de catecismo deveria colher seus dados históricos em fonte outra que os boatos dos jornais. As crianças a quem contam seriamente essas coisas as aceitam com confiança. Entretanto, quanto maior a confiança, mais forte a reação contrária quando, mais tarde, vierem a saber a verdade. Isto é dito em sentido geral e não exclusivamente quanto ao Espiritismo.
Se analisamos este trabalho de um rapazinho, fique bem entendido que não é a opinião dessa criança que refutamos, mas aquela da qual essa narração é um resumo. Se fossem investigadas com cuidado todas as instruções dessa natureza, ficaríamos menos admirados dos frutos colhidos mais tarde. Para instruir a infância é necessário grande tato e muita experiência, porque não se imagina o alcance que poderá ter uma só palavra imprudente que, como um grão de erva daninha, germina nessas jovens imaginações como em terra virgem.
Parece que os adversários do Espiritismo não acham que a ideia esteja bastante espalhada. Dir-se-ia que, malgrado seu, são impelidos a engendrar meios de divulgála ainda mais. Depois dos sermões, cujo resultado é conhecido, não se podia achar um meio mais eficaz do que fazê-lo tema de instruções e deveres de catecismo. Os sermões atuam sobre a geração que se vai. As instruções predispõem a geração que chega. Erraríamos se as víssemos com desagrado.
O relato que segue é de uma carta cujo original temos em mãos, e que transcrevemos textualmente.
“Em Viviers, neste 10 de abril de 1741.
“Ninguém no mundo, meu caro de Noailles, melhor do que eu vos pode informar de tudo quanto se passou na cela da Irmã Maria, e se a descrição que fizestes nos meteu a ridículo em nossa cidade, quero partilhá-lo convosco. A força da verdade vencerá sempre em mim o medo de passar por um visionário e um homem demasiado crédulo.
“Eis, pois, um resumo de tudo o que vi e ouvi durante quatro noites que ali passei, e comigo mais de quarenta pessoas, todas dignas de fé. Só vos relatarei os fatos mais notáveis.
“A 23 de março, dia da Anunciação, eu soube, pela voz pública, que há três dias ouviam-se, todas as noites, grandes ruídos na cela da Irmã Maria; que as duas Irmãs de São Domingos, que moram com ela, tinham ficado tão apavoradas que tinham mandado chamar o Pe. Chambon, cura de Saint-Laurent, o qual, tendo vindo, uma hora depois de meia noite àquela cela, tinha ouvido os quadros batendo nas paredes, uma pia de água benta, de louça, mover-se com ruído e uma cadeira de madeira posta no meio da cela cair seis vezes. Confesso, senhor, que ao ouvir isto, não deixei de fazer troça; as devotas de todos os tipos sujeitaram-se à minha crítica, e desde então resolvi ir passar a noite seguinte junto a essa Irmã Maria, bem persuadido de que em minha presença tudo ficaria no silêncio, ou que eu descobriria a impostura. Com efeito, naquele dia, às nove horas da noite, fui para aquela casa. Interroguei muitas Irmãs, sobretudo a Irmã Maria, que me pareceu instruída da causa de todos esse ruídos, mas não nos quis comunicar. Então fiz uma busca muito cuidadosa em seu quarto. Olhei por cima e por baixo da cama, as paredes, os quadros. Tudo foi examinado com muito cuidado e nada tendo descoberto que pudesse ocasionar todos esses ruídos, determinei que todos saíssem do quarto, com ordem de que ninguém entrasse senão eu. Instalei-me perto da lareira, no quarto vizinho; deixei a porta da cela aberta, e na soleira da porta coloquei uma vela, de modo que eu via, do meu posto, a um passo do leito, a cadeira que eu havia ali colocado, e quase que toda a cela. Às 10 horas os Srs. d’Entrevaux e Archambaud vieram juntar-se a mim, e com eles dois artífices de nossa cidade.
“Pelas onze e meia ouvi a cadeira mexer-se e logo acorri. Tendo-a encontrado caída, levantei-a e a coloquei mais longe do leito da doente, pois não queria perdê-la de vista. Os Srs. d’Entrevaux e Archambaud tomaram a mesma precaução e, após um momento, nós a vimos mexer-se pela segunda vez; a pia de água benta, colocada no leito da Irmã Maria, mas a uma altura que ela não podia atingir, tiniu várias vezes e um quadro bateu três vezes na parede. No momento fui falar com a doente. Encontrei-a extremamente oprimida, e dessa opressão ela caiu num esgotamento ou perdeu o conhecimento e o uso de todos os sentidos, que se reduziram à audição. Eu próprio fui o seu médico; por meio de água de lavanda, dentro em pouco ela voltou a si. De quinze em quinze minutos ouvíamos o mesmo ruído, e achando os quadros sempre no mesmo estado, ordenei que esse barulhento, fosse quem fosse, batesse três vezes com o quadro na parede e o virasse com a frente para trás: fui obedecido nesse momento. Um instante após, ordenei-lhe que repusesse o quadro na primeira posição e obtive uma segunda prova de sua submissão às minhas ordens.
“Como me apercebei que não havia nada de barulhento na cela senão uma cadeira, dois quadros e uma pia de água benta, recolhi todas essas coisas. Então, o ruído passou para as imagens, que ouvimos mover-se várias vezes, e a um pequeno crucifixo que estava pendurado num prego, na parede. Não ouvimos nem vimos nada mais nessa noite. Tudo ficou calmo e tranquilo às cinco horas da manhã. Não fizemos segredo sobre tudo quanto tínhamos visto e ouvido e vos deixo a pensar se não fui enganado em minha visão. Induzi os mais incrédulos a acreditar. Lá fomos, três noites seguidas, e eis o que me pareceu mais surpreendente. Só vos relatarei certos fatos, pois seria longo se quisesse entrar em todos os detalhes. Deve bastar que vos diga que os Srs. Digoine, Bonfils, d’Entrevaux, Chambon, Faure, Allier, Aoust, Grange, Bouron, Bonnier, Fontenès, Robert e muitos outros os testemunharam.
“Tendo-se espalhado na cidade o boato de que a Irmã Maria podia ser a atriz dessa comédia, modifiquei a boa opinião em que a tinha; quis mesmo suspeitar de trapaça e, posto seja ela paralítica, segundo o atestado do nosso médico e de todos os que dela se aproximam e nos asseguram que há mais de três anos ela não movimenta nem a cabeça, eu quis admitir que ela pudesse mover-se e, com tal suposição, eis, senhor, de que maneira agi:
“Durante três dias seguidos, às nove da noite, fui à casa da Irmã. Preveni-a dos expedientes que ia tomar para não ser enganado, em presença de cinco ou seis dos senhores já citados. Mandei costurá-la em suas vestes. Ela estava colocada e envolvida em seu leito como uma criança de um mês em seu berço. Tomei ainda dois papelotes, colocando-os em forma de cruz sobre seu peito, de modo que ela não podia fazer qualquer movimento sem que a cruz se desarrumasse.
“Nesse mesmo dia ela havia contado o mistério ao Pe. Chambon, que a dirige na ausência do Sr. Bispo, e ao Pe. David, diretor do nosso seminário. O primeiro pediu-lhe e ela permitiu que ele me informasse da causa de todos esses ruídos. Então entrei na confidência, e ela me informou que era uma alma sofredora, cujo nome indicou, e que vinha com a permissão de Deus para que fossem aliviadas as suas penas. Assim informado e precatado contra o erro, não deixei ninguém em sua cela. Éramos oito naquela noite, todos determinados a em nada acreditar. Pelas onze horas os quadros e a pia se fizeram ouvir. Então o Sr. Digoine e eu fomos colocar-nos à porta, com uma luz à mão. É preciso notar que a cela é pequena, que do meio eu podia alcançar as quatro paredes apenas estendendo os braços. Tão logo nos colocamos, o quadro bateu contra a parede. Acorremos logo e encontramos o quadro sem movimento e a doente na mesma posição. Retomamos o nosso posto e, tendo o quadro batido uma segunda vez, acorremos à primeira pancada e vimos o quadro virar no ar e rodar sobre o leito. Coloquei-o na janela. Um momento depois ele bateu três vezes, à vista de todos aqueles senhores. Querendo convencer-me cada vez mais da veracidade do fato contado pela Irmã Maria, ordenei a esse Espírito sofredor que tomasse o crucifixo da parede e o pusesse sobre o peito da doente. Ele obedeceu imediatamente. Todos os senhores que estavam comigo foram testemunhas. Ordenei-lhe que repusesse o crucifixo no lugar e movesse a pia com força. Ele obedeceu, da mesma forma, e como então eu tinha tido o cuidado de pôr a pia à vista de todos, ouvimos o ruído e vimos o movimento. Não bastando tais sinais para me convencer, exigi novas provas. Coloquei uma mesa ao pé do leito da doente e disse a esse Espírito sofredor que de boa vontade lhe ofereceríamos nossos votos e nossas preces, mas que, sendo o sacrifício da missa o mais seguro para o alívio de suas penas, ordenei-lhe que desse tantas pancadas sobre a mesa quantas missas quisesse que fossem ditas em seu favor. Ele bateu no mesmo instante e contamos trinta e três pancadas. Então combinamos entre nós as providências para nos desincumbirmos o quanto antes dessa tarefa, e no tempo que conversávamos, os quadros, a pia e o crucifixo batiam, todos ao mesmo tempo, com mais ruído que nunca.
“Eram duas horas depois da meia noite, e mandei despertar o Pe. Chambon, que foi testemunha de tudo quanto lhe havíamos contado, pois em sua presença nós lhe fizemos repetir as 33 batidas. O Pe. Chambon lhe ordenou que pegasse o crucifixo e o transportasse para uma certa cadeira. Logo ouvimos uma pancada sobre essa cadeira, corremos e encontramos o crucifixo embaixo da cama, a um passo da cadeira. Pedi, um após outro, ao Cônego Digoine, ao Pe. Chambon e ao Pe. Robert que se escondessem na cela, para verificar se viam algo. Eles ouviram duas vozes diferentes no leito da doente. Distinguiram perfeitamente a da doente, que fazia muitas perguntas; quanto à outra, não puderam discernir a resposta, pois se explicava em tom muito baixo e rápido. Esses senhores me passaram essa informação, e fui conferi-la com a Irmã Maria, que confessou o fato.
“Propus àqueles senhores dizer um De profundis pelo alívio das penas dessa alma sofredora e, acabada a prece, a cadeira caiu, os quadros bateram e a pia soou. Eu disse a esse Espírito que íamos dizer cinco Pater e cinco Ave em honra das cinco chagas de Nosso Senhor, e que lhe ordenava, para provar que a prece lhe agradava, que derrubasse a cadeira uma segunda vez, mas com mais força que da primeira vez. Tão logo nos ajoelhamos, a cadeira, sob as nossas vistas e a dois passos de nós, caiu para a frente, levantou-se e caiu para trás.
“Vendo a docilidade desse Espírito e a presteza em obedecer, julguei poder tentar tudo. Pus sobre o leito da doente 40 moedas de prata e ordenei que as contasse. Imediatamente ouvimos contá-las num copo de vidro que eu havia posto perto. Tomei as moedas e coloquei sobre a mesa. Ordenei a mesma coisa e logo obedeceu. Aí pus um escudo de seis francos e mandei que com ele indicasse o número de missas de que necessitava. Ele bateu 33 vezes com o escudo na parede. Fiz entrarem os Padres Digoine, Bonfils e d’Entrevaux na cela, afastamos as cortinas do leito, colocamos a vela sobre a cama e mandei o Espírito bater e nos designar o número de missas. Os quatro víamos a Irmã Maria sempre no mesmo estado, sem movimento, e com os papelotes em forma de cruz, ainda arrumados e contamos 33 batidas na parede. É de observar que na cela vizinha, que corresponde a essa parede, não havia viva alma. Tínhamos tido o cuidado de afastar tudo quanto pudesse fazer brotar em nós a menor suspeita.
“Por fim, senhor, tentei uma outra via. Escrevi estas palavras num papel: Eu te ordeno, alma sofredora, que nos digas quem és, tanto para nossa consolação quanto para a alimentação de nossa fé. Escreve, pois, o teu nome neste papel, ou, ao menos, nele faz uma marca, e por aí conheceremos a necessidade que tens de nossas preces. Coloquei esse escrito debaixo da cama da doente, com um tinteiro e uma pena. Um instante depois ouvi a pia tilintar. Acorremos todos ao ruído, achamos o papel ao mesmo tempo e o crucifixo sobre ele. Ordenei-lhe que pusesse o crucifixo em seu lugar e marcasse o papel. Então dissemos a ladainha da Virgem e, acabada a prece, encontramos o crucifixo em seu lugar e na parte inferior do papel duas cruzes feitas com a pena. O Pe. Chambon, que estava bem perto do leito, ouviu o ruído da pena no papel. Eu poderia contar-vos muitos outros fatos igualmente surpreendentes, mas o detalhe me levaria muito longe.
“Sem dúvida perguntareis, meu caro senhor, o que penso desta aventura. Vou fazer minha profissão de fé. Estabeleço em primeiro lugar que o ruído que vi e ouvi tem uma causa. Os quadros, as cadeiras, a pia, etc., são seres inanimados, que não podem mover-se por si mesmos. Então, qual a causa que lhes deu o movimento? É preciso que ela seja necessariamente natural ou sobrenatural. Se for natural, não poderá ser senão a Irmã Maria, pois não havia senão ela no quarto. Não se pode pretender que o ruído tenha sido produzido por molas, pois examinamos tudo com a maior atenção, até desmontando os quadros, e se um simples cabelo tivesse respondido pela pia ou pela cadeira nós o teríamos percebido.
“Ora, eu digo que a Irmã Maria não é a causa. Ela não quis, digo mais, ela não nos pôde enganar. Ela não o quis, porque seria possível que uma jovem que está em odor de santidade, uma jovem cuja vida é um milagre contínuo, pois está constatado que há três anos ela não come nem bebe e que de seu corpo nada sai senão uma porção de pedras; que uma jovem que sofre há seis anos tudo quanto se pode sofrer, e sempre com uma paciência admirável; que uma jovem que só abre a boca para orar e que faz transparecer em tudo o que diz a mais profunda humildade; é possível, digo eu, que ela tenha querido nos enganar impondo assim a todo um público, ao seu bispo, ao seu confessor e a uma porção de sacerdotes que a interrogaram a respeito? Achamos em tudo quanto ela disse uma concordância maravilhosa, jamais a menor contradição, caráter único da verdade, e a mentira não se sustentaria. Não creio que os mártires tenham sofrido mais do que sofre esta santa jovem. Há épocas do ano em que o seu corpo é uma só chaga; vê-se saindo sangue e pus pelos ouvidos e muitas vezes lhe arrancam vermes muito compridos, que saem pelas narinas. Ela sofre e continuamente pede a Deus que a faça sofrer. Uma coisa maravilhosa é que todos os anos, na quinzena da Páscoa, lhe colhem um vômito de sangue; passado o vômito, a garganta fica desobstruída, ela recebe o santo viático e um instante depois se fecha totalmente. Foi o que lhe aconteceu quarta-feira última.
“Digo, em segundo lugar, que ela não nos pôde enganar. Ela não tem a menor possibilidade de agir, pois é paralítica, como eu já disse, e uma senhorita de nossa cidade ficou plenamente convencida quando lhe enterrou uma agulha na coxa. Aliás, vedes as precauções que tomamos. Costuramo-la em suas roupas, e muitas vezes mantida sob nossas vistas. Então não é ela. Que me dizeis, então? A consequência é fácil de tirar de tudo quanto tenho a honra de vos dizer neste relato.
“Assinado: †Abade DE SAINT-PONC cônego apresentador.”
OBSERVAÇÃO: Há evidente analogia entre estes fatos e os do Espírito batedor de Bergzabern e de Dibbelsdorf, referidos na Revista espírita de maio, junho, julho e agosto de 1885, salvo que, neste, o Espírito nada tinha de malévolo. São constatados por um homem cujo caráter não pode ser suspeito, e que não observou levianamente. Se, como pretendem certas pessoas, só o diabo se manifesta, como viria junto a uma moça em odor de santidade? Ora, é de notar que esta nem era apavorada nem atormentada; ela própria sabia e as experiências constataram, que era uma alma sofredora, Se não é o diabo, então outros Espíritos podem manifestar-se?
Duas circunstâncias têm uma analogia particular com o que hoje vemos. É, para começar, o primeiro pensamento que haja trapaça da parte da pessoa junto à qual se produzem os fenômenos, mau grado as impossibilidades materiais que, às vezes, existem. Na situação física e moral dessa moça, não se compreende que a suspeita de um jogo tenha podido entrar no espírito das outras religiosas.
O segundo fato é mais importante. Se alguns dos fenômenos ocorreram à vista de pessoas presentes, na maioria se produziam quando estavam ao quarto ao lado, quando de costas e na ausência de luz direta, como muitas vezes se tem observado em nossos dias. A que se deve isto? É o que não está ainda suficientemente explicado. Tendo esses fenômenos uma causa material, e não sobrenatural, poderia acontecer que, como em certas operações químicas, a luz difusa fosse mais favorável à ação dos fluidos de que se serve o Espírito. A física espiritual ainda está na infância.
“Em Viviers, neste 10 de abril de 1741.
“Ninguém no mundo, meu caro de Noailles, melhor do que eu vos pode informar de tudo quanto se passou na cela da Irmã Maria, e se a descrição que fizestes nos meteu a ridículo em nossa cidade, quero partilhá-lo convosco. A força da verdade vencerá sempre em mim o medo de passar por um visionário e um homem demasiado crédulo.
“Eis, pois, um resumo de tudo o que vi e ouvi durante quatro noites que ali passei, e comigo mais de quarenta pessoas, todas dignas de fé. Só vos relatarei os fatos mais notáveis.
“A 23 de março, dia da Anunciação, eu soube, pela voz pública, que há três dias ouviam-se, todas as noites, grandes ruídos na cela da Irmã Maria; que as duas Irmãs de São Domingos, que moram com ela, tinham ficado tão apavoradas que tinham mandado chamar o Pe. Chambon, cura de Saint-Laurent, o qual, tendo vindo, uma hora depois de meia noite àquela cela, tinha ouvido os quadros batendo nas paredes, uma pia de água benta, de louça, mover-se com ruído e uma cadeira de madeira posta no meio da cela cair seis vezes. Confesso, senhor, que ao ouvir isto, não deixei de fazer troça; as devotas de todos os tipos sujeitaram-se à minha crítica, e desde então resolvi ir passar a noite seguinte junto a essa Irmã Maria, bem persuadido de que em minha presença tudo ficaria no silêncio, ou que eu descobriria a impostura. Com efeito, naquele dia, às nove horas da noite, fui para aquela casa. Interroguei muitas Irmãs, sobretudo a Irmã Maria, que me pareceu instruída da causa de todos esse ruídos, mas não nos quis comunicar. Então fiz uma busca muito cuidadosa em seu quarto. Olhei por cima e por baixo da cama, as paredes, os quadros. Tudo foi examinado com muito cuidado e nada tendo descoberto que pudesse ocasionar todos esses ruídos, determinei que todos saíssem do quarto, com ordem de que ninguém entrasse senão eu. Instalei-me perto da lareira, no quarto vizinho; deixei a porta da cela aberta, e na soleira da porta coloquei uma vela, de modo que eu via, do meu posto, a um passo do leito, a cadeira que eu havia ali colocado, e quase que toda a cela. Às 10 horas os Srs. d’Entrevaux e Archambaud vieram juntar-se a mim, e com eles dois artífices de nossa cidade.
“Pelas onze e meia ouvi a cadeira mexer-se e logo acorri. Tendo-a encontrado caída, levantei-a e a coloquei mais longe do leito da doente, pois não queria perdê-la de vista. Os Srs. d’Entrevaux e Archambaud tomaram a mesma precaução e, após um momento, nós a vimos mexer-se pela segunda vez; a pia de água benta, colocada no leito da Irmã Maria, mas a uma altura que ela não podia atingir, tiniu várias vezes e um quadro bateu três vezes na parede. No momento fui falar com a doente. Encontrei-a extremamente oprimida, e dessa opressão ela caiu num esgotamento ou perdeu o conhecimento e o uso de todos os sentidos, que se reduziram à audição. Eu próprio fui o seu médico; por meio de água de lavanda, dentro em pouco ela voltou a si. De quinze em quinze minutos ouvíamos o mesmo ruído, e achando os quadros sempre no mesmo estado, ordenei que esse barulhento, fosse quem fosse, batesse três vezes com o quadro na parede e o virasse com a frente para trás: fui obedecido nesse momento. Um instante após, ordenei-lhe que repusesse o quadro na primeira posição e obtive uma segunda prova de sua submissão às minhas ordens.
“Como me apercebei que não havia nada de barulhento na cela senão uma cadeira, dois quadros e uma pia de água benta, recolhi todas essas coisas. Então, o ruído passou para as imagens, que ouvimos mover-se várias vezes, e a um pequeno crucifixo que estava pendurado num prego, na parede. Não ouvimos nem vimos nada mais nessa noite. Tudo ficou calmo e tranquilo às cinco horas da manhã. Não fizemos segredo sobre tudo quanto tínhamos visto e ouvido e vos deixo a pensar se não fui enganado em minha visão. Induzi os mais incrédulos a acreditar. Lá fomos, três noites seguidas, e eis o que me pareceu mais surpreendente. Só vos relatarei certos fatos, pois seria longo se quisesse entrar em todos os detalhes. Deve bastar que vos diga que os Srs. Digoine, Bonfils, d’Entrevaux, Chambon, Faure, Allier, Aoust, Grange, Bouron, Bonnier, Fontenès, Robert e muitos outros os testemunharam.
“Tendo-se espalhado na cidade o boato de que a Irmã Maria podia ser a atriz dessa comédia, modifiquei a boa opinião em que a tinha; quis mesmo suspeitar de trapaça e, posto seja ela paralítica, segundo o atestado do nosso médico e de todos os que dela se aproximam e nos asseguram que há mais de três anos ela não movimenta nem a cabeça, eu quis admitir que ela pudesse mover-se e, com tal suposição, eis, senhor, de que maneira agi:
“Durante três dias seguidos, às nove da noite, fui à casa da Irmã. Preveni-a dos expedientes que ia tomar para não ser enganado, em presença de cinco ou seis dos senhores já citados. Mandei costurá-la em suas vestes. Ela estava colocada e envolvida em seu leito como uma criança de um mês em seu berço. Tomei ainda dois papelotes, colocando-os em forma de cruz sobre seu peito, de modo que ela não podia fazer qualquer movimento sem que a cruz se desarrumasse.
“Nesse mesmo dia ela havia contado o mistério ao Pe. Chambon, que a dirige na ausência do Sr. Bispo, e ao Pe. David, diretor do nosso seminário. O primeiro pediu-lhe e ela permitiu que ele me informasse da causa de todos esses ruídos. Então entrei na confidência, e ela me informou que era uma alma sofredora, cujo nome indicou, e que vinha com a permissão de Deus para que fossem aliviadas as suas penas. Assim informado e precatado contra o erro, não deixei ninguém em sua cela. Éramos oito naquela noite, todos determinados a em nada acreditar. Pelas onze horas os quadros e a pia se fizeram ouvir. Então o Sr. Digoine e eu fomos colocar-nos à porta, com uma luz à mão. É preciso notar que a cela é pequena, que do meio eu podia alcançar as quatro paredes apenas estendendo os braços. Tão logo nos colocamos, o quadro bateu contra a parede. Acorremos logo e encontramos o quadro sem movimento e a doente na mesma posição. Retomamos o nosso posto e, tendo o quadro batido uma segunda vez, acorremos à primeira pancada e vimos o quadro virar no ar e rodar sobre o leito. Coloquei-o na janela. Um momento depois ele bateu três vezes, à vista de todos aqueles senhores. Querendo convencer-me cada vez mais da veracidade do fato contado pela Irmã Maria, ordenei a esse Espírito sofredor que tomasse o crucifixo da parede e o pusesse sobre o peito da doente. Ele obedeceu imediatamente. Todos os senhores que estavam comigo foram testemunhas. Ordenei-lhe que repusesse o crucifixo no lugar e movesse a pia com força. Ele obedeceu, da mesma forma, e como então eu tinha tido o cuidado de pôr a pia à vista de todos, ouvimos o ruído e vimos o movimento. Não bastando tais sinais para me convencer, exigi novas provas. Coloquei uma mesa ao pé do leito da doente e disse a esse Espírito sofredor que de boa vontade lhe ofereceríamos nossos votos e nossas preces, mas que, sendo o sacrifício da missa o mais seguro para o alívio de suas penas, ordenei-lhe que desse tantas pancadas sobre a mesa quantas missas quisesse que fossem ditas em seu favor. Ele bateu no mesmo instante e contamos trinta e três pancadas. Então combinamos entre nós as providências para nos desincumbirmos o quanto antes dessa tarefa, e no tempo que conversávamos, os quadros, a pia e o crucifixo batiam, todos ao mesmo tempo, com mais ruído que nunca.
“Eram duas horas depois da meia noite, e mandei despertar o Pe. Chambon, que foi testemunha de tudo quanto lhe havíamos contado, pois em sua presença nós lhe fizemos repetir as 33 batidas. O Pe. Chambon lhe ordenou que pegasse o crucifixo e o transportasse para uma certa cadeira. Logo ouvimos uma pancada sobre essa cadeira, corremos e encontramos o crucifixo embaixo da cama, a um passo da cadeira. Pedi, um após outro, ao Cônego Digoine, ao Pe. Chambon e ao Pe. Robert que se escondessem na cela, para verificar se viam algo. Eles ouviram duas vozes diferentes no leito da doente. Distinguiram perfeitamente a da doente, que fazia muitas perguntas; quanto à outra, não puderam discernir a resposta, pois se explicava em tom muito baixo e rápido. Esses senhores me passaram essa informação, e fui conferi-la com a Irmã Maria, que confessou o fato.
“Propus àqueles senhores dizer um De profundis pelo alívio das penas dessa alma sofredora e, acabada a prece, a cadeira caiu, os quadros bateram e a pia soou. Eu disse a esse Espírito que íamos dizer cinco Pater e cinco Ave em honra das cinco chagas de Nosso Senhor, e que lhe ordenava, para provar que a prece lhe agradava, que derrubasse a cadeira uma segunda vez, mas com mais força que da primeira vez. Tão logo nos ajoelhamos, a cadeira, sob as nossas vistas e a dois passos de nós, caiu para a frente, levantou-se e caiu para trás.
“Vendo a docilidade desse Espírito e a presteza em obedecer, julguei poder tentar tudo. Pus sobre o leito da doente 40 moedas de prata e ordenei que as contasse. Imediatamente ouvimos contá-las num copo de vidro que eu havia posto perto. Tomei as moedas e coloquei sobre a mesa. Ordenei a mesma coisa e logo obedeceu. Aí pus um escudo de seis francos e mandei que com ele indicasse o número de missas de que necessitava. Ele bateu 33 vezes com o escudo na parede. Fiz entrarem os Padres Digoine, Bonfils e d’Entrevaux na cela, afastamos as cortinas do leito, colocamos a vela sobre a cama e mandei o Espírito bater e nos designar o número de missas. Os quatro víamos a Irmã Maria sempre no mesmo estado, sem movimento, e com os papelotes em forma de cruz, ainda arrumados e contamos 33 batidas na parede. É de observar que na cela vizinha, que corresponde a essa parede, não havia viva alma. Tínhamos tido o cuidado de afastar tudo quanto pudesse fazer brotar em nós a menor suspeita.
“Por fim, senhor, tentei uma outra via. Escrevi estas palavras num papel: Eu te ordeno, alma sofredora, que nos digas quem és, tanto para nossa consolação quanto para a alimentação de nossa fé. Escreve, pois, o teu nome neste papel, ou, ao menos, nele faz uma marca, e por aí conheceremos a necessidade que tens de nossas preces. Coloquei esse escrito debaixo da cama da doente, com um tinteiro e uma pena. Um instante depois ouvi a pia tilintar. Acorremos todos ao ruído, achamos o papel ao mesmo tempo e o crucifixo sobre ele. Ordenei-lhe que pusesse o crucifixo em seu lugar e marcasse o papel. Então dissemos a ladainha da Virgem e, acabada a prece, encontramos o crucifixo em seu lugar e na parte inferior do papel duas cruzes feitas com a pena. O Pe. Chambon, que estava bem perto do leito, ouviu o ruído da pena no papel. Eu poderia contar-vos muitos outros fatos igualmente surpreendentes, mas o detalhe me levaria muito longe.
“Sem dúvida perguntareis, meu caro senhor, o que penso desta aventura. Vou fazer minha profissão de fé. Estabeleço em primeiro lugar que o ruído que vi e ouvi tem uma causa. Os quadros, as cadeiras, a pia, etc., são seres inanimados, que não podem mover-se por si mesmos. Então, qual a causa que lhes deu o movimento? É preciso que ela seja necessariamente natural ou sobrenatural. Se for natural, não poderá ser senão a Irmã Maria, pois não havia senão ela no quarto. Não se pode pretender que o ruído tenha sido produzido por molas, pois examinamos tudo com a maior atenção, até desmontando os quadros, e se um simples cabelo tivesse respondido pela pia ou pela cadeira nós o teríamos percebido.
“Ora, eu digo que a Irmã Maria não é a causa. Ela não quis, digo mais, ela não nos pôde enganar. Ela não o quis, porque seria possível que uma jovem que está em odor de santidade, uma jovem cuja vida é um milagre contínuo, pois está constatado que há três anos ela não come nem bebe e que de seu corpo nada sai senão uma porção de pedras; que uma jovem que sofre há seis anos tudo quanto se pode sofrer, e sempre com uma paciência admirável; que uma jovem que só abre a boca para orar e que faz transparecer em tudo o que diz a mais profunda humildade; é possível, digo eu, que ela tenha querido nos enganar impondo assim a todo um público, ao seu bispo, ao seu confessor e a uma porção de sacerdotes que a interrogaram a respeito? Achamos em tudo quanto ela disse uma concordância maravilhosa, jamais a menor contradição, caráter único da verdade, e a mentira não se sustentaria. Não creio que os mártires tenham sofrido mais do que sofre esta santa jovem. Há épocas do ano em que o seu corpo é uma só chaga; vê-se saindo sangue e pus pelos ouvidos e muitas vezes lhe arrancam vermes muito compridos, que saem pelas narinas. Ela sofre e continuamente pede a Deus que a faça sofrer. Uma coisa maravilhosa é que todos os anos, na quinzena da Páscoa, lhe colhem um vômito de sangue; passado o vômito, a garganta fica desobstruída, ela recebe o santo viático e um instante depois se fecha totalmente. Foi o que lhe aconteceu quarta-feira última.
“Digo, em segundo lugar, que ela não nos pôde enganar. Ela não tem a menor possibilidade de agir, pois é paralítica, como eu já disse, e uma senhorita de nossa cidade ficou plenamente convencida quando lhe enterrou uma agulha na coxa. Aliás, vedes as precauções que tomamos. Costuramo-la em suas roupas, e muitas vezes mantida sob nossas vistas. Então não é ela. Que me dizeis, então? A consequência é fácil de tirar de tudo quanto tenho a honra de vos dizer neste relato.
“Assinado: †Abade DE SAINT-PONC cônego apresentador.”
OBSERVAÇÃO: Há evidente analogia entre estes fatos e os do Espírito batedor de Bergzabern e de Dibbelsdorf, referidos na Revista espírita de maio, junho, julho e agosto de 1885, salvo que, neste, o Espírito nada tinha de malévolo. São constatados por um homem cujo caráter não pode ser suspeito, e que não observou levianamente. Se, como pretendem certas pessoas, só o diabo se manifesta, como viria junto a uma moça em odor de santidade? Ora, é de notar que esta nem era apavorada nem atormentada; ela própria sabia e as experiências constataram, que era uma alma sofredora, Se não é o diabo, então outros Espíritos podem manifestar-se?
Duas circunstâncias têm uma analogia particular com o que hoje vemos. É, para começar, o primeiro pensamento que haja trapaça da parte da pessoa junto à qual se produzem os fenômenos, mau grado as impossibilidades materiais que, às vezes, existem. Na situação física e moral dessa moça, não se compreende que a suspeita de um jogo tenha podido entrar no espírito das outras religiosas.
O segundo fato é mais importante. Se alguns dos fenômenos ocorreram à vista de pessoas presentes, na maioria se produziam quando estavam ao quarto ao lado, quando de costas e na ausência de luz direta, como muitas vezes se tem observado em nossos dias. A que se deve isto? É o que não está ainda suficientemente explicado. Tendo esses fenômenos uma causa material, e não sobrenatural, poderia acontecer que, como em certas operações químicas, a luz difusa fosse mais favorável à ação dos fluidos de que se serve o Espírito. A física espiritual ainda está na infância.
Variedades
A data de 1º de maio de 1864 será marcada nos anais do Espiritismo, como a de 9 de outubro de 1862. Ela lembrará a decisão da sagrada congregação do índex concernente a nossas obras sobre o Espiritismo. Se uma coisa causou admiração aos espíritas, é que tal decisão não tenha sido tomada mais cedo. Aliás, há uma só opinião sobre os bons efeitos que ela deva produzir, já confirmados pelas informações que nos chegam de todos os lados. A essa notícia, a maioria das livrarias apressaram-se em pôr essas obras em mais evidência. Alguns livreiros mais tímidos, crendo numa proibição de sua venda, as tiraram das prateleiras, mas não deixaram de vendê-las por baixo do pano. Acalmaram-nos, observando que a lei orgânica diz que “Nenhuma bula, breve, decreto, mandato, provisão, assinatura servindo de provisão, nem outros expedientes da Corte de Roma, mesmo concernentes apenas a particulares, poderão ser recebidos, publicados, impressos nem de qualquer modo postos em execução sem autorização do governo.”
Quanto a nós, esta medida, que é uma das que esperávamos, é um indício do qual tiraremos proveito, e que nos servirá de guia para trabalhos ulteriores.
Quanto a nós, esta medida, que é uma das que esperávamos, é um indício do qual tiraremos proveito, e que nos servirá de guia para trabalhos ulteriores.
O Espiritismo conta com numerosos representantes no exército, entre oficiais de todos os graus, que lhe constatam a benéfica influência sobre si mesmos e sobre os subordinados. Nalguns regimentos, entretanto, entre os chefes superiores, encontra não negadores mas adversários declarados que interditam formalmente seus subordinados a dele se ocuparem. Conhecemos um oficial que foi riscado do quadro de propostas para a Legião de Honra e outros que foram a trabalhos forçados por causa do Espiritismo. Temos aconselhado que se submetam sem murmúrio à disciplina hierárquica, e que esperem pacientemente melhores dias, que não tardarão, pois será levado pela força da opinião. Temo-lhes mesmo aconselhado a se absterem de toda manifestação espírita exterior, se isto for absolutamente necessário, porque nenhum constrangimento pode ser exercido sobre a crença íntima, nem lhes tirar as consolações e o encorajamento que nele encontram. Essas pequenas perseguições são provações para sua fé e servem ao Espiritismo, em vez de prejudicá-lo. Eles devem julgar-se felizes por sofrer um pouco por uma causa que lhes é cara. Eles não se orgulham de deixar um membro no campo de batalha pela pátria terrestre? Que são, pois, alguns desgostos e desagrados suportados pela pátria eterna e pela causa da Humanidade?
Domingo, 3 de abril de 1864, foi um dia de grande festa para a comuna de Cempuis, perto de Grandvilliers - Oise. Muitos milhares de pessoas ali estavam reunidas para uma tocante cerimônia que deixará indeléveis lembranças no coração de todos os presentes. Nosso colega Sr. Prévost, membro da Sociedade Espírita de Paris, fundador da casa de retiro de Cempuis e das sociedades de auxílio mútuo do departamento, foi o modesto herói. Imenso cortejo, precedido pela banda de Grandvilliers, o conduziu à prefeitura, onde ele recebeu da autoridade departamental a medalha de honra por seu nobre devotamento à causa da humanidade sofredora. Do discurso pronunciado pelo delegado da prefeitura, destacamos esta passagem:
“Se neste exame sumário, senhores, consegui atribuir a cada um o mérito que cabe na consagração deste grande dia, seja-me permitido alegrar-me convosco pelo cumprimento de um dever que me era muito caro sob todos os pontos de vista.
“É, pois, com indizível alegria e legítimo orgulho que todos verão sobre o nobre peito do Sr. Prévost este signo honorífico que o Imperador quis ver ligar em seu nome, esperando, não duvidemos, que a estrela da honra aí venha brilhar com sua mais viva luz.
“Antes de terminar esta bela cerimônia, à qual a juventude está, de pleno direito, impaciente para substituir por sua alegre animação, façamos remontar a nossa alegria e a nossa gratidão até o seu autor augusto, o Imperador, bem como ao seu fiel intérprete, o Sr. Prefeito de Oise.”
A Sociedade Espírita de Paris também se orgulha com a honra prestada a um de seus membros altamente reconhecidos.
(Vide, para detalhes sobre a casa de retiro de Cempuis, a Revista Espírita de outubro de 1863).
“Se neste exame sumário, senhores, consegui atribuir a cada um o mérito que cabe na consagração deste grande dia, seja-me permitido alegrar-me convosco pelo cumprimento de um dever que me era muito caro sob todos os pontos de vista.
“É, pois, com indizível alegria e legítimo orgulho que todos verão sobre o nobre peito do Sr. Prévost este signo honorífico que o Imperador quis ver ligar em seu nome, esperando, não duvidemos, que a estrela da honra aí venha brilhar com sua mais viva luz.
“Antes de terminar esta bela cerimônia, à qual a juventude está, de pleno direito, impaciente para substituir por sua alegre animação, façamos remontar a nossa alegria e a nossa gratidão até o seu autor augusto, o Imperador, bem como ao seu fiel intérprete, o Sr. Prefeito de Oise.”
A Sociedade Espírita de Paris também se orgulha com a honra prestada a um de seus membros altamente reconhecidos.
(Vide, para detalhes sobre a casa de retiro de Cempuis, a Revista Espírita de outubro de 1863).