Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1860

Allan Kardec

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Boletim

Comunicações diversas:

1.º) ─ Carta de Dieppe, confirmando em todos os pontos as manifestações espontâneas ocorridas em casa de um padeiro do burgo de Grandes-Ventes, perto de Dieppe, e relatadas no La Vigie (Publicadas em nosso número de março).

2.º) ─ Carta do Sr. M., de Teil d’Ardèche, que dá novas informações sobre os fatos ocorridos no castelo de Fons, perto de Aubenas.

3.º) ─ Carta do Barão Tscherkassoff, com detalhes circunstanciados e autênticos sobre um fato muito extraordinário de manifestação espontânea por um Espírito perturbador, ocorrido no começo do século, com um fabricante de São Petersburgo (Publicado a seguir).

4.º) ─ Relato de um fato de aparição tangível, com todos os caracteres de um agênere, ocorrido a 15 de janeiro último, na comuna de Brix, perto de Valognes. O fato foi transmitido ao Sr. Ledoyen, por pessoa de seu conhecimento e que lhe verificou a exatidão. (Publicado a seguir).

5.º) ─ Leitura de uma tradição muçulmana sobre o profeta Esdras, extraída do Moniteur de 15 de fevereiro de 1860, e que repousa sobre um fato de faculdade mediúnica.

Estudos:

1.º) ─ Ditado espontâneo de Charlet, recebido pelo Sr. Didier filho, em confirmação ao trabalho começado.

2.º) ─ Evocação do Sr. Jules-Louis C..., falecido a 30 de janeiro último, no hospital de Val-de-Grâce, em consequência de um câncer que lhe havia destruído parte da face e do maxilar.

Esta evocação foi feita conforme o desejo de um de seus amigos presente à sessão e de uma pessoa da família. É sobretudo instrutiva do ponto de vista da modificação das ideias após a morte, desde que em vida o Sr. C... professava abertamente o materialismo.

3º) ─ É perguntado a São Luís se é possível chamar o Espírito que se manifestou em casa do padeiro de Dieppe. Ele responde que não, por motivos que mais tarde serão sabidos.

SEXTA-FEIRA, 2 DE MARCO DE 1860

(SESSÃO PARTICULAR) Exame e discussão de vários assuntos administrativos.

Estudo e apreciação de várias comunicações espíritas, quer obtidas na Sociedade, quer fora das sessões.

Solicitado a dar um ditado espontâneo, São Luís escreve o que se segue, por intermédio da Srta. Huet:

“Eis-me aqui, meus amigos, pronto para vos dar os meus conselhos, como tenho feito até hoje. Desconfiai dos maus Espíritos que poderiam insinuar-se entre vós procurando semear a desunião. Infelizmente, aqueles que querem tornar-se úteis a uma obra, sempre encontram obstáculos. Aí não está a pessoa generosa que os encontra, mas o encarregado de executar os desejos que manifesta. Não temais. Triunfareis de todos os obstáculos pela paciência, uma atitude firme contra as vontades que querem impor-se. Quanto às várias comunicações que me atribuem, são por vezes de outro Espírito que usa o meu nome. Pouco me comunico fora da Sociedade, que tomei sob meu patrocínio. Gosto destes lugares de reunião, que me são especialmente consagrados. É somente aqui que gosto de dar avisos e conselhos. Assim, desconfiai dos Espíritos que às vezes se servem do meu nome. Que a paz e a união estejam entre vós! Em nome de Deus todo poderoso, que criou o bem, eu o desejo.

São Luís

Um sócio faz esta observação: “Como pode um Espírito inferior usurpar o nome de um Espírito Superior, sem o consentimento deste último? Isto só se pode dar com intenção má. Então, por que os bons Espíritos o permitem? Se não podem a isto se opor, serão menos poderosos que os maus?”

A isso foi respondido: Existe algo mais poderoso que os bons Espíritos: Deus. Deus pode permitir que os maus Espíritos se manifestem para ajudá-los a progredir, e mais, para experimentar a nossa paciência, a nossa fé, a nossa confiança, a nossa firmeza em resistir à tentação e sobretudo para exercitar a nossa perspicácia em distinguir o verdadeiro do falso. De nós depende afastá-los por nossa vontade, provando-lhes que não somos seus joguetes. Se ganharem domínio sobre nós, é apenas por nossa fraqueza. São o orgulho, o ciúme e todas as más paixões dos homens que constituem sua força e lhes dão o domínio. Sabemos por experiência que sua obsessão cessa quando veem que não conseguem fatigar-nos. A nós, pois, cabe mostrar-lhes que perdem seu tempo. Se Deus nos quer experimentar, nenhum Espírito pode opor-se. A obsessão dos Espíritos enganadores ou malévolos não é, pois, resultado do seu poder, nem da fraqueza dos bons, mas de uma vontade que é superior a todos. Quanto maior a luta, maior o nosso mérito, se sairmos vencedores.


SEXTA-FEIRA, 9 DE MARÇO DE 1860
(SESSÃO PARTICULAR)
Leitura do projeto de modificações a introduzir no regulamento da Sociedade. A respeito, o Sr. Allan Kardec apresenta:

CONSIDERAÇÕES SOBRE O OBJETIVO E O CARÁTER DA SOCIEDADE “Senhores,

“Algumas pessoas parecem enganadas quanto ao verdadeiro objetivo e o caráter da Sociedade. Permiti-me relembrá-los em poucas palavras.

“O objetivo da Sociedade está claramente definido em seu título e no preâmbulo do regimento atual. Esse objetivo é essencialmente e, pode-se dizer, exclusivamente, o estudo da Ciência Espírita. O que queremos, antes de tudo, não é nos convencermos, pois já o estamos, mas instruir-nos e aprender aquilo que não sabemos. Para tanto, queremos colocar-nos nas mais favoráveis condições. Como tais estudos exigem calma e recolhimento, queremos evitar tudo quanto seja causa de perturbações. Tal é a consideração que deve prevalecer na apreciação das medidas que adotarmos.

“Partindo deste princípio, a Sociedade não se apresenta absolutamente como sociedade de propaganda. Sem dúvida, cada um de nós deseja a difusão das ideias que julga justas e úteis e contribui para isso no círculo de suas relações e na medida de suas forças, mas seria erro julgar que seja necessário para tanto estar reunidos em sociedade e, mais falso ainda, crer que a Sociedade seja a coluna sem a qual o Espiritismo estaria em perigo. Estando a nossa sociedade regularmente constituída, por isso mesmo procede com mais ordem e método do que se marchasse ao acaso, mas, com tudo isto, ela não é mais preponderante do que milhares de sociedades livres ou reuniões particulares na França e do estrangeiro. Ainda uma vez, o que ela quer é instruir-se, por isso não admite em seu seio senão pessoas sérias e animadas do mesmo desejo, porque o antagonismo de princípios é uma causa de perturbação. Falo de antagonismo sistemático sobre as bases fundamentais, porque não poderia ela, sem se contradizer, afastar a discussão da questão de detalhes. Se ela adotou certos princípios gerais, não o fez por estreito espírito de exclusivismo. Ela viu tudo, tudo estudou e comparou. Depois é que formou uma opinião baseada no raciocínio e na experiência. Só o futuro pode encarregar-se de lhe dar razão ou não. Mas, enquanto espera, ela não busca qualquer supremacia e só os que não a conhecem podem supor-lhe a ridícula pretensão de absorver todos os partidários do Espiritismo, ou de se estabelecer como reguladora universal. Se ela não existisse, cada um de nós instruir-se-ia por seu lado, e em vez de uma única reunião, talvez formássemos dez ou vinte ─ eis toda a diferença. Não impomos nossas ideias a ninguém. Os que as adotam é porque as consideram justas. Os que vêm a nós é porque pensam aqui encontrar oportunidade de aprender, mas isto não é como uma afiliação, pois não formamos uma seita, nem um partido. Nós nos reunimos para o estudo do Espiritismo, como outros para o estudo da Frenologia, da História ou de outras ciências. Como nossas reuniões não se baseiam em qualquer interesse material, pouco nos importa se outras se formam ao nosso lado. Na verdade, seria atribuir-nos ideias muito mesquinhas, estreitas e pueris, crer que as veríamos com olhos ciumentos, e os que pensassem em criar-nos rivalidades, mostrariam, assim, quão pouco compreendem o verdadeiro espírito da Doutrina. Só uma coisa lamentaríamos: é que nos conheçam tão mal, a ponto de nos suporem acessíveis ao ignóbil sentimento da inveja. Concebe-se que empresas mercenárias rivais, que se podem prejudicar pela concorrência, se vejam com maus olhos. Mas se tais reuniões não têm em vista, como deve ser, senão interesse puramente moral; se não se mistura nenhuma consideração mercantil, pergunto em que podem elas ser prejudicadas pela multiplicidade? Dir-se-á, por certo, que se não há interesse material, há o do amor próprio, o desejo de destruir o crédito moral do vizinho. Mas esse móvel seria provavelmente mais ignóbil ainda. Se assim é ─ o que Deus não permita ─ teríamos apenas a lamentar os que fossem movidos por semelhantes pensamentos. Queremos sobrepujar o vizinho? Tratemos de fazer melhor que ele. Eis uma luta nobre e digna, se não for comprometida pela inveja e pelo ciúme.

Eis, pois, senhores, um ponto essencial a não perder de vista, é que nem formamos uma seita, nem uma sociedade de propaganda, nem uma corporação com um interesse comum. Se cessássemos de existir, o Espiritismo não sofreria qualquer prejuízo. Dos nossos restos formar-se-iam vinte outras sociedades. Portanto, os que buscassem destruir-nos, visando entravar o progresso das ideias espíritas, nada lucrariam. É preciso saberem que as raízes do Espiritismo não estão em nossa Sociedade, mas no mundo inteiro. Existe algo mais poderoso do que eles; mais influente do que todas as Sociedades: é a doutrina que vai ao coração e à razão dos que a compreendem e sobretudo dos que a praticam.

Esses princípios, senhores, indicam-nos o verdadeiro caráter do nosso regimento, que nada tem de comum com os estatutos de uma corporação. Nenhum contrato nos liga uns aos outros. Fora das sessões, não temos outras obrigações recíprocas senão as de nos comportarmos como gente bem educada. Os que nestas reuniões não encontrarem o que esperavam, têm toda liberdade de retirar-se, e eu não compreenderia mesmo que permanecessem, desde que não lhes conviesse o que aqui se faz. Não seria racional que aqui viessem perder seu tempo.

Em toda reunião é preciso uma regra para a manutenção da boa ordem. Nosso regulamento é, pois, apenas um roteiro destinado a estabelecer a ordem das sessões; a manter, entre os presentes, as relações de urbanidade e educação que devem presidir a todas as assembleias de pessoas de boas maneiras, abstração feita das condições inerentes à especialidade de nossos trabalhos, porque não tratamos apenas com homens, mas também com Espíritos e, como sabeis, nem todos são bons. Contra a violência daqueles que destoam, temos de nos guardar. Entre eles, alguns são mais astuciosos e podem mesmo, por ódio ao bem, induzir-nos a uma via perigosa. Devemos, pois, ter muita prudência e perspicácia para vencê-los, o que nos obriga a tomar precauções especiais.

Lembrai-vos, senhores, de como se formou a Sociedade. Eu recebia em minha casa um pequeno número de pessoas. Acharam que o grupo cresceu; que era preciso um local maior. Para tê-lo, teríamos que pagar, portanto, teríamos que nos cotizarmos. Disseram mais: é preciso ordem nas sessões; não é possível admitir o primeiro que se apresente; é necessário um regulamento. Eis toda a história da Sociedade. Ela é muito simples, como vedes. Não passou pela cabeça de ninguém a idéia de fundar uma instituição, nem de ocupar-se, fosse do que fosse, além dos estudos, e eu declaro mesmo, de modo muito formal, que se um dia a Sociedade fosse além, eu não a acompanharia.

Aquilo que eu fiz, outros podem fazê-lo com maestria, ocupando-se disso à sua vontade, conforme o seu gosto, suas idéias e seus pontos de vista particulares, e esses diferentes grupos podem entender-se perfeitamente e viver como bons vizinhos. Como é materialmente impossível reunir todos os partidários do Espiritismo num mesmo local, a não ser que se ocupasse uma praça pública para as assembleias, esses diversos grupos devem constituir frações de um grande todo, mas não seitas rivais. O próprio grupo, tornando-se muito numeroso, pode subdividir-se como os enxames de abelhas. Esses grupos já existem em grande número e se multiplicam diariamente. Ora, é precisamente contra essa multiplicação que a má vontade dos inimigos do Espiritismo virá quebrar-se, porque os entraves teriam como efeito inevitável, e pela mesma força das coisas, a multiplicação das reuniões particulares.

Convenhamos, entretanto, que entre certos grupos há uma espécie de rivalidade ou antagonismo. Qual a causa? Ó meu Deus! Essa causa está na fraqueza humana; no espírito de orgulho que quer impor-se; está, sobretudo, no conhecimento ainda incompleto dos verdadeiros princípios do Espiritismo. Cada um defende os seus Espíritos, como outrora as cidades da Grécia defendiam os seus deuses, que, diga-se de passagem, não passavam de Espíritos mais ou menos bons. Essas dissidências só existem porque há pessoas que querem julgar antes de terem tudo visto, ou julgam do ponto de vista de sua personalidade. Elas apagar-se-ão como muitas outras se apagaram, à medida que a Ciência se reformular, porque, em definitivo, a verdade é uma só, e sairá do exame imparcial das várias opiniões. Esperando que a luz se faça sobre todos os pontos, qual será o juiz? Dir-se-á que a razão. Mas quando duas pessoas se contradizem, cada uma invoca a sua razão. Que razão superior decidirá entre aquelas duas?

Sem nos determos sobre a forma mais ou menos imponente da linguagem, forma que muito bem sabem utilizar os Espíritos impostores e pseudossábios, para seduzir pelas aparências, partimos do princípio de que os bons Espíritos não aconselham senão o bem, a união, a concórdia; que sua linguagem é sempre simples, modesta, penetrada de benevolência, isenta de acrimônia, de arrogância e de fatuidade. Numa palavra, que tudo neles respira a mais pura caridade. A caridade, eis o verdadeiro critério para julgar os Espíritos e para julgar-se a si próprio. Quem quer que, sondando o foro íntimo de sua consciência, nele encontrar um germe de rancor contra o próximo, mesmo um simples desejo do mal, pode dizer a si mesmo, com certeza, que é solicitado por um Espírito malévolo, porque esquece as palavras do Cristo: “Sereis perdoados como vós mesmos houverdes perdoado.” Então, se houvesse rivalidade entre dois grupos espíritas, os Espíritos realmente bons não poderiam estar ao lado do que anatematizasse o outro, porque jamais um homem sensato poderia crer que a inveja, o rancor, a malevolência, numa palavra, todo sentimento contrário à caridade pudesse emanar de uma fonte pura. Procurai, então, de que lado há mais caridade prática e não de palavras e reconhecereis sem esforço de que lado estão os melhores Espíritos e, consequentemente, de quais temos mais razão de esperar a verdade.

Estas considerações, senhores, longe de nos afastarem do nosso assunto, colocam-nos no verdadeiro terreno. Encarado deste ponto de vista, o regimento perde completamente seu caráter de contrato para revestir aquele, bem mais modesto, de simples regra disciplinar.

Todas as reuniões, seja qual for o objetivo, deverão premunir-se contra um escolho, o dos caracteres perturbadores, que parecem nascidos para semear o tumulto e a cizânia onde se encontrem. A desordem e a contradição são o seu elemento. Mais que as outras, as reuniões espíritas devem afastá-los, porque as melhores comunicações só são obtidas na calma e no recolhimento, incompatíveis com a sua presença e a dos Espíritos simpáticos que os acompanham.

Em resumo, o que devemos buscar é remover todas as causas de perturbações e de interrupção; manter entre nós as boas relações, de que, mais que os outros, os bons espíritas devem dar exemplo; opor-nos por todos os meios possíveis a que a Sociedade se afaste de seu objetivo; que aborde questões que não são de sua competência, e que degenere em arena de controvérsias e personalismo. O que devemos buscar, além disso, é a possibilidade de execução, simplificando o mais possível as engrenagens. Quanto mais complicadas essas engrenagens, tanto mais numerosas as causas de perturbação. O relaxamento seria introduzido pela força das coisas, e do relaxamento à anarquia há um só passo.”


SEXTA-FEIRA, 16 DE MARÇO DE 1860
(SESSÃO PARTICULAR)

Discussão e adoção do regimento modificado.

SEXTA-FEIRA, 23 DE MARÇO
(SESSÃO PARTICULAR)
Nomeação do pessoal e da comissão.

Estudos:

Foram obtidos dois ditados espontâneos, o primeiro, do Espírito de Charlet, pelo Sr. Didier filho; o segundo, pela Sra. Boyer, de um Espírito que disse ter sido forçado a vir acusar-se por ter querido romper a boa harmonia e lançar a perturbação entre os homens, suscitando a inveja e a rivalidade entre os que deviam estar unidos. Cita alguns fatos de que foi culpado. Esta confissão espontânea, diz ele, faz parte da punição que lhe é aplicada.

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